‘Precisamos demonstrar que a democracia ainda
funciona’ — essa foi a frase mais importante do discurso dos 100 dias de Joe
Biden. Parece óbvio que um líder americano diga isso, mas, nos tempos de hoje,
a frase ganha diversos sentidos.
Dirigida
ao presidente da China, Xi Jinping, significa o seguinte: o sistema americano é
superior nos quesitos econômicos e políticos, embora precise de algumas
reformas.
O
chefão chinês sustenta que o modelo deles é mais eficiente no desenvolvimento
econômico e na administração de crises. Não apenas porque seus gestores seriam
mais competentes, mas porque não precisam se preocupar nem com as urnas livres
e votações no Legislativo, nem com eventuais restrições do Judiciário.
Ou
seja, a democracia no “modelo chinês”, como chamam a ditadura por lá, funciona
melhor que o modelo americano, confuso e lento. Mas e as liberdades?
Ora, tem alguém reclamando? — respondem os chineses.
Eles
não admitem, mas sabemos que tem — a começar pelos chineses de Hong Kong, que
os ingleses entregaram como democracia capitalista liberal, e o governo chinês
está transformando numa ditadura com capitalismo controlado pelo Partido
Comunista.
Dentro
da China, é difícil saber. Não tem imprensa livre, nem outro partido.
E
daí? — dizem. O importante é que o país cresce, saiu da pandemia rápida e
eficientemente e todo ano tira milhões da pobreza.
Vista
assim, a questão proposta por Biden é a seguinte: a democracia e o capitalismo
podem funcionar melhor, gerando e distribuindo riqueza num ambiente de
liberdades.
Dirão:
mas Biden não foi para a esquerda?
No
critério americano, sim, foi para a esquerda — que está longe de indicar um
caminho para o socialismo ou mesmo para um Estado de bem-estar social como o da
França.
No
caso de Biden, significa aumentar a atividade do governo em alguns setores,
especialmente infraestrutura e geradores de emprego, e tomar dinheiro dos mais
ricos (via impostos) para financiar programas de saúde, renda e educação para
as camadas mais pobres.
O
recado agora é interno, para todo o público americano, rico ou pobre. Está
dizendo o seguinte: não é possível que o país mais rico do mundo abrigue tantas
famílias com renda abaixo da média; não é possível que o país mais rico do
mundo não consiga oferecer um bom sistema de saúde e de escolas para os mais
pobres.
Pesquisas
recentes mostram que a classe média concorda com isso. Muitos ricos também. E
mais alguns super-ricos, como Bill Gates e Warren Buffet.
Olhando
no longo prazo, Biden está movendo o pêndulo. Roosevelt, seu ídolo, aumentou
impostos e acentuou a atuação do Estado, como os trabalhistas faziam na
Inglaterra.
Com
o tempo, o Estado e os impostos começam a pesar. Vêm então Reagan e Thatcher
para dizer que o Estado não é a solução, é o problema.
Caem
os impostos, eliminam-se regulações à atividade econômica, incluindo as
relações trabalhistas. Os países prosperaram.
Aí
vem Biden e diz: mas muita gente ficou para trás. O Estado pode resgatá-las,
com um governo democrático e mantendo a força geradora do capitalismo.
Muita
gente já está dizendo por aqui: estão vendo? Isso de ajuste fiscal é bobagem, o
Estado tem mesmo é que gastar. A dívida americana, em proporção do PIB, é maior
que a nossa. Logo, qual é o problema?
Vários.
O governo americano se financia a juro zero. O brasileiro, se quiser colocar
título de dez anos, paga 6% reais. A dívida americana é em dólar, moeda aceita
no mundo. Os impostos nos EUA são menores que no Brasil e na Europa, havendo
espaço para aumentar.
E,
finalmente, mais importante: o Estado brasileiro já gasta demais — mais de 40%
do PIB — e não se pode dizer que seja um modelo de eficiência.
Nosso
problema é outro: é que, quando o pêndulo vai para a direita liberal, caímos na
dupla Bolsonaro/Guedes.
Aí fica difícil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário