sábado, 1 de maio de 2021

George Gurgel de Oliveira* - Brasil: a educação como um dos fundamentos da sustentabilidade.

No presente texto, faremos algumas reflexões em relação à educação básica como parte integrante e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade brasileiros.

As ideias principais aqui colocadas foram apresentadas em um debate realizado pela Fundação Astrojildo Pereira, em fevereiro deste ano, provocado pelo Professor Cristovam Buarque.

O Brasil, como toda a humanidade, continua vivendo, em plena Pandemia, incertezas frente à difícil conjuntura política, econômica, social e sanitária. Diante desta situação desfavorável, a educação brasileira enfrenta sérias dificuldades que vão se ampliando neste segundo ano de Covid-19, nos colocando a necessidade de avaliar o atual sistema educacional brasileiro nas suas vulnerabilidades e potencialidades, durante e pós Pandemia.

A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência, a tecnologia e a educação profissionalizante começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias, transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas, sociais, culturais e espirituais da sociedade entre si e com a própria natureza.

A Pandemia que estamos vivendo no Brasil e no mundo deu uma maior visibilidade aos conflitos e contradições desta sociedade construída historicamente, aos olhos de hoje, insustentável.

Desde então, a base técnica, científica e educacional construída criou as condições materiais de resolver a maioria dos problemas sociais, econômicos e ambientais, inclusive os desafios educacionais enfrentados hoje pelo Brasil e por toda humanidade.  A internet, a robótica, a micro-eletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas, transformando as relações sociais estabelecidas, modificando a maneira de ser e estar das pessoas em sociedade.

Como os que trabalham com educação, o alunato e a sociedade em geral estão dialogando e vivendo estas novas realidades educacionais, em plena Pandemia no Brasil?

Os educadores, as organizações acadêmicas, científicas e tecnológicas estão desafiados a enfrentar e superar os antigos e novos dilemas em defesa de uma educação pública de qualidade frente às transformações em curso que estão acontecendo na sociedade brasileira. As atividades educacionais, hoje realizadas à distância, deverão continuar e até podem ser ampliadas durante e pós a Pandemia, podendo haver um sistema híbrido – presencial e à distância –, refletindo as mudanças e as novas relações entre formas, conteúdos e resultados pedagógicos.

O que deve permanecer e o que deve mudar?

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a lei federal 9.394/96, define como educação básica aquela constituída pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino médio.

A partir da LDB, melhorias vêm acontecendo, inclusive com alguns bons resultados, nos últimos anos.  No entanto, em uma velocidade que fica muito a desejar, considerando a atual realidade educacional, os impactos causados pela própria Pandemia e os desafios econômicos, sociais e ambientais da sociedade brasileira e o imperativo de colocar a educação como fundamento estratégico de afirmação da sociedade brasileira frente à sociedade mundial.

A inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) dificulta e muito uma visão mais abrangente da educação brasileira a curto, médio e longo prazos. Embora previsto já na Constituição de 1988 e no artigo 13 da Lei que institui o PNE, o SNE - que deveria ser constituído até 2016 - ainda não foi instalado.

Assim, as demandas e as contradições da educação básica foram se acumulando nas últimas décadas, hoje desnudadas com a Pandemia, impondo mudanças urgentes frente à realidade educacional brasileira. Como não destacar, por exemplo, uma dessas nossas maiores contradições: em geral, as melhores Escolas de Educação Básica no Brasil são privadas e as melhores Universidades são públicas -  uma parcela significativa dos estudantes de Escola Pública, do ensino básico, vão estudar à noite, em faculdades privadas, muitos sem direito a diploma no final do curso, pela simples razão destas faculdades não serem reconhecidas pelo Ministério da Educação.

Portanto, é urgente a criação de um Sistema Nacional de Educação como espaço institucional de diálogo com todos os atores políticos, econômicos e sociais que nos leve à equidade educacional como política de Estado e de toda a Sociedade, no caminho de otimização dos recursos materiais e da inteligência nacional em prol de uma educação pública de qualidade no Brasil.

A federalização, com foco nas regiões de menor IDEB, é uma estratégia a ser considerada. Os estados e municípios com menor IDEB devem ter uma atenção especial do governo federal, inclusive avaliar a possibilidade de federalização destas escolas municipais e estaduais, no caminho de uma melhoria efetiva da educação básica.

Neste processo de transição para a construção de uma educação básica de excelência no Brasil, com foco nas regiões de menor Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB), a área federal teria um papel de destaque. A estratégia de federalização da educação pública brasileira aconteceria em função das prioridades destacadas no próprio PNE, criando as condições para a melhoria do IDEB em níveis e conteúdos educacionais de excelência, compatíveis com as demandas sociais e econômicas dos municípios, considerando a realidade regional onde estão inseridos.

O governo federal deveria também assegurar, de maneira permanente, os recursos financeiros, a viabilidade técnica e pedagógica do planejamento e da gestão das demandas estaduais e municipais que alavancariam os municípios de menor IDEB, em cooperação com o estado e os municípios da região em questão. Aqui as experiências educacionais bem sucedidas das Fundações, ONGs e Organizações privadas seriam avaliadas a nível federal e, quando aprovadas, incorporadas neste esforço nacional de melhoria da educação pública brasileira.

O conceito de sustentabilidade social, econômica e ambiental nos ajuda nesta construção. Deve nortear de uma maneira transversal todo o processo de elaboração e viabilização de uma política de educação básica no Brasil, considerando as distintas realidades sociais, econômicas e ambientais nos planos nacional, estadual e municipal, como instrumento de transformação da vida de cada uma das crianças e da juventude brasileira, em todo o território nacional.

Atualmente, o governo federal avalia a educação pública e privada no Brasil pelo IDEB.  São avaliados os resultados obtidos pelos alunos de cada escola, pública ou privada, em português e matemática, relacionando os investimentos realizados e o aprendizado por aluno e as metas atingidas a partir das diretrizes do PNE.

Os resultados educacionais, a serem ainda divulgados já neste segundo ano de Pandemia, devem reverter a tendência de melhora gradativa da educação básica brasileira, como vinha acontecendo nos últimos anos, de acordo com o relatório do IDEB, publicado em 2020. A publicação já registrou a diminuição de investimentos na educação básica, desde 2017, comparado com os investimentos anteriores.  O relatório faz também uma análise da situação das redes pública e privada, de cada município em relação à educação do estado a que pertence, analisando o avanço, a estagnação e/ou o retrocesso da educação básica municipal e estadual.

Destaque-se ainda, a nível federal, a existência de um Fundo de Manutenção da Educação que substituiu o antigo FUNDEF. O fundo passou a garantir mais recursos para a educação básica, inclusive com uma maior participação dos estados e municípios, obrigados a aplicarem anualmente um percentual mínimo de suas receitas, com pelo menos 60% destas receitas aplicadas ao pessoal do magistério. Importante observar que o IDEB não avalia o cotidiano da vida escolar, nas suas relações na própria escola, com a família dos alunos e a realidade social onde a escola e os alunos estão inseridos.

Portanto, o IDEB deve ser considerado como ponto de partida nas mudanças necessárias e urgentes a serem realizadas na educação básica brasileira, na perspectiva de criar um novo PNE em sintonia com as reais demandas educacionais da sociedade, considerando os resultados alcançados nos últimos anos e as gigantescas demandas ainda existentes, ampliadas com a Pandemia.

O governo federal, dialogando com as diversas representações existentes na área de educação estatal, do mercado e da sociedade civil em geral, deve com a urgência devida realizar uma ouvidoria da realidade atual da educação básica brasileira, diagnosticando os avanços e limites do atual PNE.

A partir do conhecimento desta realidade pode-se construir, em discussão com a sociedade, um Sistema Nacional de Educação que venha a implementar um Plano de Metas Educacionais para o horizonte dos próximos 5, 10, 20, 30 anos.

Neste caminho de uma nova política de educação básica para o Brasil deve-se avaliar a realidade educacional atual, a instabilidade vivida pelo próprio Ministério de Educação, sem uma política nacional clara para enfrentar os complexos desafios da realidade educacional brasileira, funcionando sem a devida integração com os estados e municípios, demonstrando como o governo federal enfrentou e está enfrentando a situação educacional já no segundo ano de Pandemia.  As perdas de aprendizado, individuais e coletivas, são significativas e ainda estão por ser devidamente avaliadas.  Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os(as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas públicas que continuam sem as condições de estudar à distância, em suas casas, desorientando-os(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade. 

Finalmente, a agenda nacional da área de educação a ser pactuada pela sociedade brasileira deve enfrentar os reais problemas educacionais agravados com a Pandemia: realizar as reformas educacionais pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e os desafios regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrado a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras com uma atenção devida aos(às) professores(as) e trabalhadores(as) da área de educação.

Seremos Capazes?

*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.

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