As
ideias principais aqui colocadas foram apresentadas em um debate realizado pela
Fundação Astrojildo Pereira, em fevereiro deste ano, provocado pelo Professor
Cristovam Buarque.
O
Brasil, como toda a humanidade, continua vivendo, em plena Pandemia, incertezas
frente à difícil conjuntura política, econômica, social e sanitária. Diante desta
situação desfavorável, a educação brasileira enfrenta sérias dificuldades que vão
se ampliando neste segundo ano de Covid-19, nos colocando a necessidade de
avaliar o atual sistema educacional brasileiro nas suas vulnerabilidades e
potencialidades, durante e pós Pandemia.
A
sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência, a
tecnologia e a educação profissionalizante começam a ser incorporadas nos
processos de produção e distribuição de mercadorias, transformando o cotidiano
da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas, sociais,
culturais e espirituais da sociedade entre si e com a própria natureza.
A Pandemia que estamos vivendo no Brasil e no mundo deu uma maior visibilidade aos conflitos e contradições desta sociedade construída historicamente, aos olhos de hoje, insustentável.
Desde
então, a base técnica, científica e educacional construída criou as condições
materiais de resolver a maioria dos problemas sociais, econômicos e ambientais,
inclusive os desafios educacionais enfrentados hoje pelo Brasil e por toda
humanidade. A internet, a robótica, a
micro-eletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as
energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas, transformando as
relações sociais estabelecidas, modificando a maneira de ser e estar das
pessoas em sociedade.
Como
os que trabalham com educação, o alunato e a sociedade em geral estão
dialogando e vivendo estas novas realidades educacionais, em plena Pandemia no
Brasil?
Os
educadores, as organizações acadêmicas, científicas e tecnológicas estão
desafiados a enfrentar e superar os antigos e novos dilemas em defesa de uma
educação pública de qualidade frente às transformações em curso que estão
acontecendo na sociedade brasileira. As atividades educacionais, hoje
realizadas à distância, deverão continuar e até podem ser ampliadas durante e
pós a Pandemia, podendo haver um sistema híbrido – presencial e à distância –, refletindo
as mudanças e as novas relações entre formas, conteúdos e resultados pedagógicos.
O
que deve permanecer e o que deve mudar?
A
atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a lei federal
9.394/96, define como educação básica aquela constituída pela educação
infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino médio.
A
partir da LDB, melhorias vêm acontecendo, inclusive com alguns bons resultados,
nos últimos anos. No entanto, em uma
velocidade que fica muito a desejar, considerando a atual realidade educacional,
os impactos causados pela própria Pandemia e os desafios econômicos, sociais e
ambientais da sociedade brasileira e o imperativo de colocar a educação como
fundamento estratégico de afirmação da sociedade brasileira frente à sociedade
mundial.
A
inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) dificulta e muito uma visão mais abrangente da educação brasileira
a curto, médio e longo prazos. Embora previsto já na Constituição de 1988 e no
artigo 13 da Lei que institui o PNE, o SNE - que deveria ser constituído até
2016 - ainda não foi instalado.
Assim,
as demandas e as contradições da educação básica foram se acumulando nas
últimas décadas, hoje desnudadas com a Pandemia, impondo mudanças urgentes
frente à realidade educacional brasileira. Como não destacar, por exemplo, uma
dessas nossas maiores contradições: em geral, as melhores Escolas de Educação Básica
no Brasil são privadas e as melhores Universidades são públicas - uma parcela significativa dos estudantes de
Escola Pública, do ensino básico, vão estudar à noite, em faculdades privadas,
muitos sem direito a diploma no final do curso, pela simples razão destas
faculdades não serem reconhecidas pelo Ministério da Educação.
Portanto,
é urgente a criação de um Sistema Nacional de Educação como espaço
institucional de diálogo com todos os atores políticos, econômicos e sociais
que nos leve à equidade educacional como política de Estado e de toda a
Sociedade, no caminho de otimização dos recursos materiais e da inteligência
nacional em prol de uma educação pública de qualidade no Brasil.
A
federalização, com foco nas regiões de menor IDEB, é uma estratégia a ser considerada. Os estados e municípios com
menor IDEB devem ter uma atenção
especial do governo federal, inclusive avaliar a possibilidade de federalização
destas escolas municipais e estaduais, no caminho de uma melhoria efetiva da
educação básica.
Neste
processo de transição para a construção de uma educação básica de excelência no
Brasil, com foco nas regiões de menor Índice de Desenvolvimento de Educação
Básica (IDEB), a área federal teria um papel de destaque. A estratégia de
federalização da educação pública brasileira aconteceria em função das
prioridades destacadas no próprio PNE, criando as condições para a melhoria do
IDEB em níveis e conteúdos educacionais de excelência, compatíveis com as
demandas sociais e econômicas dos municípios, considerando a realidade regional
onde estão inseridos.
O
governo federal deveria também assegurar, de maneira permanente, os recursos
financeiros, a viabilidade técnica e pedagógica do planejamento e da gestão das
demandas estaduais e municipais que alavancariam os municípios de menor IDEB,
em cooperação com o estado e os municípios da região em questão. Aqui as
experiências educacionais bem sucedidas das Fundações, ONGs e Organizações
privadas seriam avaliadas a nível federal e, quando aprovadas, incorporadas neste
esforço nacional de melhoria da educação pública brasileira.
O
conceito de sustentabilidade social, econômica e ambiental nos ajuda nesta
construção. Deve nortear de uma maneira transversal todo o processo de elaboração
e viabilização de uma política de educação básica no Brasil, considerando as
distintas realidades sociais, econômicas e ambientais nos planos nacional,
estadual e municipal, como instrumento de transformação da vida de cada uma das
crianças e da juventude brasileira, em todo o território nacional.
Atualmente,
o governo federal avalia a educação pública e privada no Brasil pelo IDEB. São avaliados os resultados obtidos pelos
alunos de cada escola, pública ou privada, em português e matemática, relacionando
os investimentos realizados e o aprendizado por aluno e as metas atingidas a
partir das diretrizes do PNE.
Os
resultados educacionais, a serem ainda divulgados já neste segundo ano de Pandemia,
devem reverter a tendência de melhora gradativa da educação básica brasileira,
como vinha acontecendo nos últimos anos, de acordo com o relatório do IDEB, publicado
em 2020. A publicação já registrou a diminuição de investimentos na educação
básica, desde 2017, comparado com os investimentos anteriores. O relatório faz também uma análise da
situação das redes pública e privada, de cada município em relação à educação
do estado a que pertence, analisando o avanço, a estagnação e/ou o retrocesso
da educação básica municipal e estadual.
Destaque-se
ainda, a nível federal, a existência de um Fundo de Manutenção da Educação que
substituiu o antigo FUNDEF. O fundo passou a garantir mais recursos para a
educação básica, inclusive com uma maior participação dos estados e municípios,
obrigados a aplicarem anualmente um percentual mínimo de suas receitas, com
pelo menos 60% destas receitas aplicadas ao pessoal do magistério. Importante
observar que o IDEB não avalia o cotidiano da vida escolar, nas suas relações
na própria escola, com a família dos alunos e a realidade social onde a escola
e os alunos estão inseridos.
Portanto,
o IDEB deve ser considerado como ponto de partida nas mudanças necessárias e
urgentes a serem realizadas na educação básica brasileira, na perspectiva de
criar um novo PNE em sintonia com as reais demandas educacionais da sociedade,
considerando os resultados alcançados nos últimos anos e as gigantescas
demandas ainda existentes, ampliadas com a Pandemia.
O
governo federal, dialogando com as diversas representações existentes na área
de educação estatal, do mercado e da sociedade civil em geral, deve com a urgência
devida realizar uma ouvidoria da realidade atual da educação básica brasileira,
diagnosticando os avanços e limites do atual PNE.
A
partir do conhecimento desta realidade pode-se construir, em discussão com a
sociedade, um Sistema Nacional de Educação
que venha a implementar um Plano de Metas Educacionais para o horizonte dos
próximos 5, 10, 20, 30 anos.
Neste
caminho de uma nova política de educação básica para o Brasil deve-se avaliar a
realidade educacional atual, a instabilidade vivida pelo próprio Ministério de Educação,
sem uma política nacional clara para enfrentar os complexos desafios da
realidade educacional brasileira, funcionando sem a devida integração com os
estados e municípios, demonstrando como o governo federal enfrentou e está
enfrentando a situação educacional já no segundo ano de Pandemia. As perdas de aprendizado, individuais e
coletivas, são significativas e ainda estão por ser devidamente avaliadas. Esta situação tem atingido diretamente os(as)
trabalhadores(as), os(as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas
públicas que continuam sem as condições de estudar à distância, em suas casas, desorientando-os(as)
e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e
preocupante realidade.
Finalmente,
a agenda nacional da área de educação a ser pactuada pela sociedade brasileira
deve enfrentar os reais problemas educacionais agravados com a Pandemia:
realizar as reformas educacionais pensando a educação brasileira no presente e
no futuro imediato, considerando as suas especificidades e os desafios regionais.
A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência
e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrado a um
projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da
juventude dos brasileiros e brasileiras com uma atenção devida aos(às)
professores(as) e trabalhadores(as) da área de educação.
Seremos
Capazes?
*George Gurgel de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, da Oficina da Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia.
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