A decisão dessa semana do Supremo Tribunal Federal que determina a regulamentação da lei da renda básica coloca, na marra, a discussão do tema da responsabilidade social e fortalecimento dos programas do governo federal de transferência de renda para a população de baixa renda. Esse debate, que parecia ter deslanchado no ano passado, ficou perdido em 2021.
Nenhum
dos 11 ministros do Supremo votou contra a regulamentação da lei Suplicy após
17 anos da sua sanção, em 2004, inclusive Kassio Nunes Marques, indicado pelo
presidente Jair Bolsonaro. Deram todos um uníssono sim.
Lula,
Dilma Rousseff e Michel Temer não regulamentaram. Agora, o STF obriga o governo
Bolsonaro a fazer o que esses presidentes não fizeram apesar do comando legal.
Poucos sabem, mas a decisão partiu de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública da União no Rio Grande do Sul em nome de um morador de rua: Alexandre da Silva Portuguez, de 51 anos, com epilepsia, que recebe R$ 91 por mês do programa Bolsa Família.
No
voto, o ministro relator Marco Aurélio Mello assinalou: “Quem é espoliado no
mínimo existencial, indispensável ao engajamento político e à feição dos
direitos fundamentais à vida, à segurança, ao bem-estar e à própria dignidade,
vive em condições sub-humanas, sendo privado do status de cidadão”.
Após
a pandemia, há várias propostas circulando nos Legislativos no mundo inteiro,
como Estados Unidos, México e Coreia, para a criação de um modelo de renda
básica. Em alguns lugares, o Executivo (nacional ou subnacional) tem
protagonizado a renda básica, como em Ontário, Finlândia e a brasileira Maricá,
município do Estado do Rio de Janeiro.
No
Judiciário, essa é a primeira vez, porém, que há decisão da Suprema Corte, diz
o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira. Além de
ampliar recursos, será preciso redesenho dos benefícios para que atendam à
determinação de regulamentação do STF.
A
lei brasileira, esquecida na gaveta por quase duas décadas, institui por etapas
a renda básica de cidadania, começando pelos mais necessitados, até se tornar
universal. A expectativa agora é que o Executivo planeje as etapas seguintes
até chegar à renda básica universal e incondicional.
Se
o governo não se abrir para regulamentar, já há uma mobilização no Congresso
para fazê-lo, alterando a lei do Bolsa Família.
Os
valores do benefício terão de estar definidos em 2022. Esse ponto é central
para entender porque o governo não poderá fugir do problema. Ou regulamenta ou
tenta mudar a lei no Congresso. O governo pode até fazer uma regulamentação
tosca, mas terá de seguir a decisão do STF.
É
nesse contexto que o debate da responsabilidade social pode renovar fôlego,
inclusive nesse momento em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta a
retomada da tramitação da reforma tributária.
Com
o aumento da pobreza devido à pandemia da covid-19 e a perspectiva do fim do
auxílio emergencial, no ano passado, propostas para o fortalecimento da rede de
proteção social pipocaram no Congresso, inclusive com mudanças na área
tributária para taxar os mais ricos.
Durante
vários meses, governo e lideranças do Congresso acenaram com medidas para abrir
espaço no Orçamento a um programa social mais robusto que abarcasse os
“invisíveis” que a crise sanitária tinha revelado. Mas o foco depois foi um só:
aumentar o espaço no Orçamento para emendas parlamentares para obras
eleitoreiras.
Os
críticos do STF alegam que é ativismo da Corte. A procuradora do Ministério
Público de Contas de São Paulo, Élida Graziane, põe luz no debate: o Supremo
está mandando que se resguarde mais recursos para a agenda dos direitos
fundamentais.
Ou seja, o STF pauta o tamanho do Estado abaixo do qual não se admite que ele opere. “Estamos disputando o tamanho do Estado no Orçamento”, diz. Os últimos meses têm mostrado que essa briga tem sido cada vez mais feroz e desastrosa.
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