Valor Econômico
Crescimento sustentado depende de as
autoridades protegerem o capitalismo dos capitalistas
Para quem dá aula, as férias de meio de ano
são uma janela para colocar a leitura em dia. Desta vez tive sorte e peguei
para ler o ótimo livro de Phillipe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel,
"The Power of Creative Destruction: Economic Upheaval and the Wealth of
Nations". O livro versa sobre o impacto econômico da inovação, que resulta
da combinação de empreendedorismo com atividades de pesquisa e desenvolvimento
(P&D).
O assunto não é novo, mas três aspectos do
livro o tornam especialmente interessante. Um, os autores se atêm a um modelo
analítico bem definido, o paradigma Schumpteriano da destruição criativa. Dois,
com base nesse paradigma, eles analisam diversos temas do debate econômico
atual. Ainda que o foco seja o crescimento econômico, o livro também trata de
assuntos tão variados como política industrial e distribuição de renda. Três, a
análise é (quase) toda baseada em evidências empíricas obtidas em estudos
diversos, de forma que o livro também é uma espécie de resenha bibliográfica da
literatura acadêmica recente sobre os impactos econômicos da inovação,
apresentada em linguagem não técnica, acessível ao público não especializado.
Os autores estruturam o paradigma da destruição criativa em cima de três pilares. Primeiro, a ideia de que o crescimento econômico resulta, principalmente, da inovação cumulativa, que depende da difusão do conhecimento, de forma “que cada inovador “se apoia sobre os ombros de gigantes” que o precederam”. A invenção da imprensa por Gutenberg foi, portanto, decisiva. Mas o que dizer, então, do gigantesco salto dado pela internet em permitir a ampla difusão do conhecimento? Esse é um dos motivos por que os autores se mostram relativamente otimistas sobre as perspectivas de crescimento global, questionando a tese da estagnação secular, tema tratado em um dos capítulos do livro.
Segundo, como atividade empresarial de
risco, o investimento em buscar a inovação, em especial a atividade de P&D,
depende de incentivos, do retorno que o empreendedor espera ter em caso de
sucesso. E este depende da devida proteção aos direitos de propriedade
intelectual - por exemplo, patentes. A ideia não é nova, argumentam os autores,
que a remetem ao Estatuto de Monopólios aprovado, em 1624, pelo Parlamento
Inglês, que dava ao “verdadeiro e primeiro” inventor um monopólio de 14 anos na
exploração de sua invenção.
O mais interessante e discutido pilar,
porém, é o terceiro, o da destruição criativa, de acordo com o qual as novas
invenções tornam obsoletas as inovações antigas, que são aquelas em uso quando
as novas surgem. Ora, isso tem duas implicações não triviais, tratadas em
detalhe no livro.
Uma, que o crescimento baseado na inovação
é disruptivo, gera atritos recorrentes, pois coloca pressão sobre as empresas,
ou implica em sua substituição, com o consequente deslocamento de trabalhadores
de suas funções, que precisam de novo treinamento e recolocação. O livro cita,
por exemplo, a recusa da rainha Elizabeth I em conceder a patente à invenção de
uma máquina para cozer meias, em 1589: “Considere o que essa invenção pode
fazer aos meus pobres súditos. Ela poderia com certeza trazer ruína, os privando
de trabalho, dessa forma os transformando em mendigos”. Esse segue um tema
atual e que, para muitos, está por trás da expansão do populismo.
Dois, que os empresários que utilizam as
tecnologias existentes, em especial seus inventores, que podem ainda deter o
monopólio da exploração de suas invenções, vão se opor com unhas e dentes ao
surgimento e exploração dessas novas invenções. Isso pois estas irão corroer
seus lucros, os quais muitas vezes foram exatamente o incentivo que levou à
nova invenção. Para isso esses empresários tendem a se aliar a seus
funcionários e fornecedores para pressionar os políticos a criarem barreiras
legais à entrada dessas invenções, ou a tolerarem práticas anticoncorrenciais
que os permitam “perpetuamente bloquear ou adiar a entrada de novos
concorrentes em seus setores”. Por exemplo, comprando esses potenciais
concorrentes quando ainda empresas pequenas.
Assim, observam os autores, há “um conflito
permanente entre o velho e o novo”, em que os lucros altos são necessários para
motivar os inovadores, mas eles depois servem de incentivo e meio para que
esses busquem impedir novas inovações. O que leva à interessante conclusão de
que o crescimento sustentado depende - para usar o título do livro de Raghuram
Rajan e Luigi Zingales (Salvando o Capitalismo dos Capitalistas) citado pelos
autores - de que as autoridades protejam o capitalismo dos capitalistas. Uma
atuação que, argumentam Aghion, Antonin e Bunel, tem faltado no caso das “Big
Techs” de hoje, o que explicaria o baixo crescimento da produtividade desde o
início do século.
É imediato perceber que o paradigma da
criação destrutiva ajuda, e muito, a entender a estagnação brasileira - e
latino americana, em geral - das últimas quatro décadas, que o livro trata
ligeiramente sob o rótulo da “armadilha da renda média”. Como o espaço é curto,
e o tema, penso eu, importante para pensarmos em como sair dessa armadilha, vou
tratar dele em minha próxima coluna (6 de agosto).
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
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