O Globo
A melhor forma de interditar um debate é
apontar falsamente intenções maléficas por parte de quem tenta fazê-lo de forma
honesta. Ou dizer de antemão que ele está fadado ao fracasso.
É o que o PT e Lula, de um lado, e o
presidente Jair Bolsonaro, de outro, vêm ensaiando em relação a qualquer
tentativa de articular uma alternativa à ideia segundo a qual, um ano e três
meses antes das eleições, já está dado o segundo turno entre os dois.
Propagar em tons cabalísticos essa
inevitabilidade é algo que contraria a lógica mais comezinha e despreza toda a
história das eleições no Brasil e no mundo. E só interessa aos dois.
Graças à manchete desta terça-feira do
GLOBO, reunindo declarações de ambos, dadas no mesmo dia, a respeito de uma
eventual terceira via em 2022, caiu o mundo no petismo: “falsa equivalência”,
“falso paralelismo”, passaram a gritar nas redes sociais os interessados em
desencorajar, pela intimidação, qualquer discussão a respeito de algo tão
basilar das democracias quanto a existência de nuances no espectro
político-partidário.
As eleições brasileiras desde 1989 sempre
tiveram uma plêiade de candidatos. Por que raios isso seria diferente em 2022?
Que haja um enxugamento dessa cartela, que partidos se unam previamente em
torno do objetivo de chegar mais fortes a uma disputa que, sim, já começará de
antemão com dois contendores fortes, é esperado e é racional.
Agora, querer evitar na base do grito
autoritário que qualquer opção, ainda que, vá lá, fadada ao fracasso, possa se
apresentar é histeria. E isso tem uma razão.
Lula e o PT sabem que ainda resiste na
sociedade um antipetismo vigoroso. Ele se mostrou nas eleições de 2020, mesmo
com a tragédia do governo Jair Bolsonaro já a pleno vapor e com o naufrágio
bolsonarista naquelas urnas.
Foram justamente as opções nem-nem que prosperaram em capitais importantes: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Curitiba, e por aí vai.
Sim, de lá para cá, foram anuladas as
condenações que tornavam Lula ficha-suja, e ele está de volta ao tabuleiro. É
um candidato fortíssimo, pelo recall e
pela comparação com o desastre bolsonaresco. Mas não é novo, e a anulação das
condenações não tem o condão de apagar no atacado todo o passivo de escândalos
relacionados a seus governos, nem o desastre econômico de Dilma Rousseff.
Qualquer um que tenha apreço pela
democracia, pela ciência, pela educação, pela cultura, pelos direitos humanos e
por tantos outros marcos civilizatórios sabe que a destruição bolsonarista não
tem precedentes em gravidade e risco ao país. Portanto, caso se cumpra a
profecia do embate entre Bolsonaro e Lula, muitos que foram críticos ao legado
petista farão uma escolha que não é muito difícil.
Mas, até que se chegue a esse segundo
turno, existe uma eternidade em tempo da política, e um sem-número de decisões,
acordos, conversas que não serão sustados por decreto, sob a alegação de que
buscar alternativas seja ou inútil ou sujo. Porque não é nem uma coisa nem
outra.
Ciro Gomes, para ficar em apenas um dos
candidatos nem-nem, já está com o bloco na rua. É ilegítima sua candidatura?
São infundadas as críticas que faz, pela esquerda, ao lulopetismo? Pode-se
concordar ou não com elas, com sua intensidade e seu timing, mas quem vai tirar dele o
direito de fazê-las? A quem interessa interditar o debate a mais de um ano da
eleição, que o presidente, aliás, já diz de antemão que será fraudada caso não
se dê pelas suas regras e, se possível, com sua vitória?
Bolsonaro tem todo o interesse em propagar o fantasma da volta de Lula, ao mesmo tempo que interessa ao ex-presidente se apresentar como o único capaz de nos livrar do flagelo da destruição bolsonarista. Pode ser que assim seja, mas o jogo não está nem de longe jogado.
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