Folha de S. Paulo
Temos coisas mais urgentes a resolver
Acompanhei os recentes passeios ao espaço sem
entusiasmo. O primeiro motivo é apenas umbiguismo da minha parte. Não entendo a
pressa nessa corrida quando ainda não podemos ir até a esquina sem medo de
morrer de Covid.
O que mais me chamou a atenção realmente
foi o momento inapropriado. Quando o mundo tem coisas urgentes, como resolver a
pandemia em curso e encarar a desigualdade, que piorou justamente nos últimos
anos, entrar num foguete e dar um rolê de alguns minutos parece uma versão mais
sofisticada das motociatas promovidas por Jair Bolsonaro.
Ok que foi sem o mau gosto e a cafonice do bolsonarismo e, importante, sem o uso do dinheiro público do contribuinte brasileiro, mas uma demonstração de que, muitas vezes, a diferença entre meninos e homens é o preço do brinquedo. O leitor vai dizer que estou de má vontade e que deveria buscar informações sobre a importância dos programas espaciais. Tudo bem. Meu marido, ao ler este meu texto, não gostou.
Estou ciente de que, graças às explorações,
temos novas tecnologias, que vão do GPS a previsões meteorológicas acuradas.
Inúmeras pesquisas são conduzidas no espaço, aprendemos mais sobre asteróides e
cometas, tentamos achar outro lugar para viver se as coisas desandarem de vez
na Terra. E, claro, o ser humano tem o DNA de explorador.
Mas o fato é que, antes de pensar em ir ao
espaço, eu queria poder abraçar as pessoas. Há anos planejo mostrar os Lençóis
Maranhenses ao meu conje, um lugar tão inusitado e esplendoroso que parece
outro planeta. Quero ir ao Samba do Trabalhador, um evento que não conheço,
apesar de já morar há nove anos no Rio. Nunca estive em Ilha Grande... Acho que
passear de foguete pode esperar. Daí o meu desdém.
Entendo que esse pulinho ao espaço pode ser
mais um grande passo para a humanidade, mas por agora só gostaria de ir ao meu
boteco de estimação sem usar máscara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário