O Globo
O relator da reforma tributária, Celso
Sabino, tem sugerido várias mudanças na proposta da Receita Federal. Sobra
improviso onde deveriam prevalecer técnica e cautela. É um trabalho para
neurocirurgião, não açougueiro.
Uma das propostas é reduzir o imposto de
renda das empresas, o que colocaria o Brasil mais alinhado à experiência
mundial do pós crise global de 2008. Há, porém, muitos fatores que requerem
atenção.
O assunto é complexo. Para começar, a
incidência legal (quem recolhe) de um imposto difere da incidência econômica
(quem é onerado de fato). O imposto de renda corporativo acaba recaindo sobre
indivíduos - acionistas recebendo menos retornos, consumidores pagando preços
mais elevados e trabalhadores recebendo menores salários; ou uma combinação
desses três.
Dependendo das condições e estruturas dos mercados afetados, a redução de alíquotas terá diferentes resultados na economia.
A relação entre tributação corporativa e
crescimento econômico não é clara o suficiente na literatura. O efeito da
mudança de alíquotas pode ser inclusive assimétrico: a alta prejudicar a
economia e o corte se mostrar pouco efetivo para acelerar o crescimento –
especialmente em um país onde falta confiança na ação estatal.
Aparentemente, não haverá compensação plena
à perda de receita do governo, o que é inadequado diante do rombo das contas
públicas, e pode levar à maior alta dos juros pelo Banco Central, devido ao
efeito do risco fiscal sobre a inflação.
O argumento de que as surpresas recentes na
arrecadação dispensam compensações é frágil, pois os ganhos decorrem, em parte,
de fatores transitórios – como a elevada inflação no atacado.
Dentre as possíveis medidas compensatórias,
o aumento da tributação de dividendos não parece a mais apropriada. Convém
proceder com cautela.
Desde a década de 1970, os economistas
discutem o impacto desse imposto na economia, sem chegar a um consenso. Na
pesquisa empírica, no entanto, prevalecem as evidências de que prejudica o
investimento produtivo.
Afetaria especialmente pequenos e novos
negócios que dependem de financiamento de terceiros e não conseguem captar no
exterior.
Para muitos, a taxação de dividendos seria
uma questão de justiça social. Ao contrário da intuição, as regras tributárias
têm limitada capacidade para reduzir a desigualdade de renda - é o caso da
tributação de dividendos, especialmente a medida em discussão.
Isso é particularmente válido para países
emergentes, onde há elevada informalidade. A recomendação principal é
direcionar gastos públicos para os vulneráveis, por exemplo, na educação de
qualidade.
O papel do sistema tributário em países
emergentes seria muito mais arrecadatório, para financiar políticas sociais
robustas, do que redistributivo. E o imposto de renda corporativo seria um
melhor instrumento do que a taxação de dividendos, pois esta produz
relativamente mais distorções - pode elevar artificialmente a retenção de
lucros e estimular investimentos de baixa produtividade nas empresas, e
prejudicar o fluxo de recursos para o investimento agregado.
É necessário, porém, promover a isonomia
tributária (tratamento igual entre as pessoas em situação semelhante), por
exemplo, revendo regimes especiais de tributação. É o caso do regime de lucro
presumido para médias e pequenas empresas, que muitas vezes têm sócios ricos
que acabam sendo menos tributados.
Trata-se de uma injustiça em relação a
indivíduos menos abastados que detêm ações de corporações - por exemplo, via
fundos de pensão - que recolhem pelo lucro real (tributação mais alta).
A melhor abordagem seria uma taxação
moderada e estável sobre a renda das empresas - todas elas. Convém ainda evitar
mudanças abruptas nas regras, pois podem ser vistas como insustentáveis e
temporárias – diante do frágil quadro fiscal –, reduzindo ainda mais as chances
de elevar investimentos.
Promover a neutralidade do sistema
tributário – quando os tributos não afetam a alocação de recursos - deveria ser
a prioridade, combatendo a complexidade do sistema, que onera as empresas e
prejudica a produtividade; eliminando a cumulatividade de impostos, que reduz a
competitividade de cadeias mais longas; e reduzindo benefícios tributários
ineficientes e custosos ao erário.
Todos esses fatores silenciosamente destroem a economia. Melhor chamar o médico.
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