Folha de S. Paulo
Lei de aumento de IR, como propôs o
ministro, seria derrubada, diz presidente
Jair Bolsonaro disse que pode vetar leis
propostas pelo seu governo. Caso o Congresso aprovasse o aumento
de impostos sobre empresas previsto pelo projeto de lei do ministério
da Economia, haveria veto presidencial. “Eu não tenho problema em vetar o que
nasceu de mim”, disse o “mito” de modo quase mítico-psicanalítico, como se ele
fosse o corpo do Estado castrando crocotós indesejáveis que o destino fez
brotar. Disse tais coisas em entrevista à rádio Itatiaia.
Mas até essa piada grotesca engrandece
Bolsonaro. Voltando à vaca fria de morta, Bolsonaro deu a entender mais uma vez
que não há governo e que ele está além ou aquém da governança. Se algo ainda
funciona, parasita o “sistema” que não o deixa fazer o que quer, aquele que se
propôs a destruir.
O ministério da Economia opera à maneira
bolsonarista. O projeto de mudança do Imposto de Renda era incompetente
e irresponsável, pois em uma semana foi possível virar do avesso tamanha
mudança da vida econômica. Ninguém no ministério, ministro inclusive, quis
assumir a paternidade do monstrengo.
Foi assim com o Orçamento de 2021. Foi também o caso do plano de criação de renda mínima, de agosto do ano passado, resultado de um acordo de ministros (do Planalto e da Economia) e de líderes do governo, anunciado na presença desse que formalmente preside a República. O projeto também ficou órfão, pois não caiu bem na boca do povo e foi castrado por Bolsonaro antes de tramitar. Está sendo assim com a reforma administrativa. Etc.
No fim das contas, o conflito habitual a
respeito de quase qualquer legislação se torna mera disputa selvagem na terra
do coliseu deliberativo bolsonarista, um pedaço de carniça lançado aos leões do
lobby, sem anteparo técnico, mediação de debate público ou publicidade. É
verdade que não raro a dentada mais forte leva o naco maior, seja qual for o
governante, mas sob Bolsonaro se faz menos e menos questão da hipocrisia do método
ou da discussão especializada e civil.
Essa baderna desceu ao nível da anarquia
facinorosa pelo menos no caso das vacinas. Sob certo aspecto (o aspecto certo)
ninguém no governo Bolsonaro propriamente negociava a compra de imunizantes.
Não negociou a Coronavac com o Butantan, recebeu a proposta da AstraZeneca da
Fiocruz, foi obrigado
a comprar as Pfizer sob
clamor nacional. Agora, todos tentam fugir da acusação de que confraternizavam
com Zé Manés ou que planejavam mumunhas com esses atravessadores de doses,
pastores, falangistas bolsonaristas e militares da fuzarca.
Dado que a vacinação avançou, apesar do
governo, Bolsonaro tentou faturar o progresso (“Brasil é um dos países que mais
vacina”). Como é fácil perceber, seu governo foi irresponsável também na saúde,
como no IR, no Orçamento ou do plano de auxílio emergencial (“três, quatro,
cinco bilhões” dão conta do coronavírus, dizia Paulo Guedes em março de 2020);
se dá certo ou parte da máquina estatal ainda funciona, o presidente parasita o
sucesso.
“Parasita” parece acusação menor quando se
trata de alguém que comete
crimes como ameaçar um golpe contra a eleição ou que diz
ter conhecimento de um crime sem denunciá-lo ao sistema de Justiça (a
votação para presidente de 2014 teria sido fraudada dentro do TSE). Que o país
não tenha governo e que esteja entregue a essa chusma de onagros deve ser mesmo
uma irrelevância, pois a maior parte de suas elites dá um jeito de normalizar
até a ameaça mais explícita de Bolsonaro contra a democracia.
Pelo próximo mês, o colunista vai tirar
férias dessas abjeções.
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