O Estado de S. Paulo
Era dos juros mais baixos na história ficou para
trás em vários mercados emergentes
O Chile juntou-se, na semana
passada, ao Brasil, à Rússia e a outros cincos bancos
centrais de países emergentes a elevar os juros básicos neste ano, num processo
de aperto monetário sincronizado diante de crescentes pressões inflacionárias e
de depreciação cambial. Ficou definitivamente para trás a era dos juros mais
baixos na história de vários mercados emergentes.
E a liquidez internacional não seguirá tão
abundante. Isso porque alguns países desenvolvidos já começaram a retirar parte
dos estímulos emergenciais adotados durante a pandemia de covid, reduzindo o
tamanho dos seus programas de compras de ativos, como títulos públicos. É um
primeiro passo para o aumento dos juros.
Também na semana passada, o BC da Nova Zelândia encerrou seu
programa de compra de ativos e o do Canadá reduziu o valor das suas
compras pela segunda vez consecutiva. Na Noruega, a autoridade monetária já
sinalizou que deverá elevar os juros duas vezes neste ano, começando
provavelmente em setembro. Seria o primeiro país desenvolvido a aumentar a taxa
básica.
Muitos dizem que esses países desenvolvidos
estariam se antecipando ao eventual início da retirada de estímulos monetários
pelo Federal Reserve
(Fed, o banco central americano) nos EUA,
o que certamente levará os investidores globais a migrar de volta para ativos
em dólar, enxugando a liquidez mundial.
É cada vez maior a aposta de que o Fed deverá começar a reduzir o seu programa de compras de ativos antes do previsto, em dezembro deste ano ou no início de 2022, no máximo. Ainda há o risco de a primeira alta dos juros americanos ocorrer antes do que foi sinalizado recentemente, até o fim de 2023.
Nos países emergentes, o Brasil é o que
está mais avançado no processo de normalização monetária, após o BC ter elevado a taxa Selic em
2,25 pontos porcentuais, para 4,25%, nas últimas três reuniões do Copom.
Espera-se que, no curto prazo, a autoridade monetária de outros países
emergentes sigam o mesmo caminho. No Coreia do Sul, o presidente do BC
sinalizou que uma primeira alta acontecerá ainda neste ano. E, na Colômbia, o mercado espera aperto
monetário em setembro.
Há duas razões para o processo de
normalização monetária estar mais avançado nos países emergentes do que nos
desenvolvidos, diz Marcelo
Fonseca, economista-chefe do fundo Opportunity Total. A
primeira decorre da diferença no comportamento da inflação entre os dois
grupos. O peso dos alimentos e demais matérias-primas é muito maior nos índices
de preços ao consumidor nos mercados emergentes, o que explica por que a alta
da inflação foi muito mais pronunciada nesses países.
A segunda explicação tem relação com a
questão da credibilidade da política monetária, diz Fonseca. “Os bancos
centrais emergentes gozam de uma capacidade muito menor de administrar as
expectativas de inflação, que é um elemento crítico para garantir o controle do
processo inflacionário no médio prazo diante de um choque de preços relativos
da magnitude ao que assistimos”, argumenta. “Por sua vez, a ancoragem robusta
das expectativas em economias avançadas permite que os BCs desses países tratem
esse choque como um evento transitório, e foquem sua atenção apenas nos efeitos
permanentes do processo, os quais ainda são largamente desconhecidos.”
Falta aos emergentes essa margem de
manobra. “Choques de preços, ainda que transitórios, são largamente
transmitidos para as expectativas, seja porque os agentes econômicos não
depositam tanta confiança nas credenciais anti-inflacionárias daqueles BCs,
seja porque ainda permanecem vivos os mecanismos de indexação de preços e
salários, legados de um passado de descontrole inflacionário", diz
Fonseca. “Isso obriga os BCs a atuarem rapidamente, a fim de evitarem que o
choque de preços venha se enraizar na forma de um processo crônico.”
Todavia, muitos países do Sudeste Asiático,
cujas economias ainda não se recuperaram do impacto negativo causado pela
pandemia, estão longe de elevar os juros, mesmo que a inflação tenha começado a
incomodar em alguns casos. Outra surpresa veio da China, que fez um inesperado
corte da taxa do compulsório bancário diante da desaceleração mais forte da sua
economia no segundo trimestre deste ano.
Na rabeira do processo de normalização monetária estão, por enquanto, os três pesos pesados da economia mundial: Fed, Banco Central Europeu e Banco do Japão. Quando esses três se mexerem, o ambiente externo para os países emergentes será bem mais desafiador.
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