Valor Econômico
Alternativa precisa sobreviver até a
próxima estação
Espetáculo conhecido por quem mora ou
frequenta a capital durante a seca, a floração dos ipês é o cenário que
Brasília reservou para as discussões sobre a construção de uma alternativa à
polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
O palco bipolar é o habitat perfeito para
ambos, que trabalharão incessantemente para mantê-lo até o dia da eleição. Para
as demais forças políticas, um ambiente hostil, como o cerrado durante a
estiagem.
As floradas costumam durar pouco tempo.
Ao fim desse período, os ipês produzem
frutos secos. As sementes, algumas liberadas a longas distâncias, aguardam o
próximo período de chuvas para tentar dar seguimento à história da
árvore-símbolo. Mas, algo diferente acontece neste ano.
Talvez o isolamento social imposto pela pandemia tenha deixado os ipês ainda mais bonitos, atraentes, um alento para quem pouco saiu de casa por tanto tempo. Basta circular pela cidade para ver alguém, com olhar encantado mirando o céu azul, abaixo de uma árvore com a copa tomada pela cor rosa. Fotos feitas, a imagem compartilhada nas redes sociais é sucesso garantido.
Multiplicam-se cenas como essa. E com esse
cenário multiplicam-se, também, os nomes que buscam se destacar no bosque de
possibilidades da chamada terceira via.
Até agora, a pré-campanha mais adiantada é
a de Ciro Gomes. Ele desfila com um projeto de país apresentado em formato de
livro e o discurso burilado pelo marqueteiro João Santana, ex-parceiro do PT e
entusiasta da terceira via.
Ciro traz consigo uma evolução em relação
ao bordão “ele não”, brandido pelo eleitorado feminino contra Bolsonaro na
campanha de 2018. Agora, aposta, seria o momento do “não a um e não ao outro”.
Em outras palavras, Ciro argumenta que não critica Lula pelas coisas boas que
fez, mas pelo que o petista diz que fez e não fez, fez de errado e tentou
esconder e, principalmente, pelo que ele diz que fará e não terá condições de
levar adiante. Lula não tem projeto claro nem novas propostas, alerta, tampouco
“energia sincera” para fazer o que vier a prometer. Em relação a Bolsonaro, o
discurso do pedetista é de que é preciso condenar o que, na sua visão, o
presidente representa: mentiras, traições contra o povo brasileiro, destruição,
atraso e tragédia.
O solo aparenta estar menos fértil em
outros terrenos. O PSDB, por exemplo, tenta novamente realizar um processo de
eleições primárias que tem se notabilizado mais por expor as fragilidades
internas de um partido que já comandou o Brasil do que pela capacidade de reconduzir
a legenda para o centro do tabuleiro político.
As prévias estão marcadas para 21 de
novembro, e as campanhas dos pré-candidatos tucanos começarão oficialmente em
setembro. Até lá, há tempo suficiente para uma intensificação do processo de
autofagia pelo qual passa o partido - algumas alas parecem ter mais disposição
de dificultar o caminho do governador de São Paulo, João Doria, do que retornar
ao poder.
Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da
Saúde, deixou a linha de frente do combate à pandemia rompendo com Bolsonaro e
imediatamente passou a ser visto como candidato. Em tese, seria alguém com
argumentos para confrontar o presidente em um debate franco sobre erros e
acertos no enfrentamento da crise sanitária. Mandetta foi sondado para deixar o
DEM, inclusive por emedemistas, mas até agora suas raízes não ganharam muita
aderência. Em junho, promoveu um almoço para reunir presidentes de partidos de
centro e discutir uma eventual aliança, mas alguns dos convidados enviaram
representantes de menor patente.
Dono de um potente fundo eleitoral e amplo
espaço na propaganda partidária, o PSL se movimentou recentemente e acolheu
José Luiz Datena. O apresentador já flertou diversas vezes com a possibilidade
de se candidatar a algum cargo eletivo e não levou o projeto para frente. Pode
servir mais ao partido se reduzir a margem de manobra dos parlamentares
bolsonaristas, que insistem em ter novamente o presidente da República nos
quadros da legenda.
A propósito, outro apresentador de TV
deixou a pista antes de a corrida começar. Luciano Huck.
Duas possibilidades chamam atenção, ambas
envolvendo o Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (MG), embora ainda
filiado ao DEM, teve seu nome colocado na praça pelo PSD. Pacheco ascendeu com
rapidez na política e terá que escolher se quer manter-se com legitimidade
entre seus pares, o que lhe facilitaria a recondução ao cargo na próxima
legislatura, ou se prefere utilizar o Senado como plataforma eleitoral rumo ao
Palácio do Planalto. Neste caso, manterá o Parlamento em tensão permanente com
Bolsonaro.
Já o MDB quer lançar a senadora Simone
Tebet (MS), parlamentar respeitada e respeitável, que logo de saída seria
provavelmente a única mulher na disputa. Sua pré-candidatura teria que ser bem
articulada dentro do partido, o “contrato” entre a senadora e a cúpula do MDB
deve ser claro. Ela precisa da segurança de que terá apoio real dos
correligionários. O partido também precisa se sentir à vontade de poder
encaminhá-la para outro projeto, caso sua postulação não decole como o
desejado. Tanto no caso de Pacheco quanto no de Simone, suas eventuais
candidaturas deixariam mais confortáveis governadores ou demais postulantes
locais que necessitam se descolar de um ou outro polo da disputa nacional.
No fim das contas, o que as demais
pré-candidaturas esperam é que Lula ou Bolsonaro enfrentem algum percalço e
decaiam. Isso abriria espaço para a tal terceira via. Até lá, cada partido
precisará decidir se ataca Bolsonaro, buscando um espaço à direita, ou Lula.
Avançando contra o petista, a estratégia
seria tentar enfrentar no segundo turno um presidente que concorre à reeleição
com um eleitorado cativo reduzido, desgastado por suas próprias escolhas
durante a pandemia. Ou então atacar os dois, como já vem fazendo Ciro. O risco
para os pré-candidatos é o abandono, como ocorre com os ipês que foram usados
de cenário para “selfies” e, depois de passada a floração, só serão lembrados
novamente no ano seguinte.
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