quarta-feira, 21 de julho de 2021

Lu Aiko Otta - Pode acontecer tudo, inclusive nada

Valor Econômico

Há risco fiscal para União, Estados e municípios

Tem sido tão ampla a reação das empresas contra a reforma do Imposto de Renda que já há integrantes do governo admitindo o risco de o resultado final ser zero. O que, na opinião de alguns especialistas, não seria má ideia.

Porém, ainda é cedo para fazer qualquer afirmação sobre o destino da proposta. No momento, o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), tem dialogado com os mais diferentes setores para construir seu relatório final. O ministro da Economia, Paulo Guedes, criou grupos de empresários para debater e fazer ajustes. Mas só em agosto, com o fim do recesso parlamentar, a reforma ganhará mais dinamismo.

Grande empregador e impulsionador da atividade econômica, o setor de construção civil já foi atendido com algumas modificações no texto. Porém, não está satisfeito. Falta encontrar uma forma para reduzir a taxação sobre as empresas que declaram o Imposto de Renda pelo regime de lucro presumido, disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins.

Há perto de 850 mil empresas no regime de lucro presumido e essas terão um aumento “brutal” de carga tributária, avalia o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Basicamente, porque a redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) é menor do que sua medida compensatória: a taxação sobre dividendos.

Ele faz as contas: na proposta original, a redução de carga seria de 1,6 ponto percentual no IRPJ, para uma taxação de 20% nos dividendos. No que ele chama de “variante”, o relatório preliminar de Sabino, a redução seria de 4 pontos no IRPJ, para os mesmos 20% nos dividendos.

As empresas do setor de construção estão praticamente todas no lucro presumido, diz Martins. Mas ele afirma que não está sozinho. Todo o comércio está nessa mesma situação, lembra. Avalia que, sem uma alteração profunda nesse ponto, será impossível ao governo superar a oposição desses setores no Congresso Nacional e a proposta não passará.

Também estão nesse grupo os profissionais liberais: médicos, advogados, engenheiros. Entidades representativas desses grupos já protestaram contra a proposta.

A reclamação das empresas que estão no lucro presumido não deixa de ter razão de ser, disse o assessor especial do Ministério da Economia Isaías Coelho. Na visão do governo, elas hoje pagam pouco imposto. Assim, o propósito era mesmo tributá-las mais. E a reação contrária era de se esperar.

Mas há outros grupos contra. Secretários estaduais de Fazenda estão pedindo aos respectivos governadores que pressionem no Congresso contra o relatório de Sabino, informou o presidente do Comitê de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) afirmou em nota que a conta da reforma ficará majoritariamente com os entes subnacionais e pediu sua reprovação.

Esse não é um problema pequeno. Por exemplo: só a redução da alíquota do IRPJ reduzirá as receitas de Curitiba em R$ 76 milhões ao ano. Corresponde a um ano de operação tapa-buraco nas ruas da cidade, ou meio ano de serviços de coleta de lixo, informa o secretário de Fazenda, Vitor Puppi.

Se o prejuízo é desse tamanho para uma cidade grande como a capital do Paraná, é de se imaginar o impacto nas prefeituras menores. Menos arrecadação no Imposto de Renda significa menos dinheiro para ser distribuído por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A repartição do fundo é feita de forma a favorecer as cidades mais pobres. Para 88%, é a principal fonte de renda. As prefeituras vão perder também o Imposto de Renda retido na fonte que recolhem dos salários de seus funcionários.

Receitas menores, por sua vez, vão limitar a capacidade fiscal dos municípios. A saúde financeira deles - e, por consequência, a possibilidade de tomar empréstimos com aval da União, por exemplo - é medida por indicadores como os gastos salariais em comparação com as receitas. Se o denominador é menor, os resultados pioram.

Isaías Coelho não estranha o fato de ninguém, exceto o governo, se posicionar a favor da proposta. Há teorias a esse respeito, diz. Quem ganha com a proposta muitas vezes nem se dá conta disso. Os benefícios são difusos. Já os ônus são bem delimitados, por isso a oposição é barulhenta.

Nas conversas com empresários, Guedes já ouviu que o momento para a apresentação da proposta não foi o mais adequado. Trouxe ruídos no momento da retomada. Além disso, mexe no IRPJ, justamente o tributo que lidera o crescimento da arrecadação.

O propósito, porém, foi aproveitar a última janela de oportunidade antes das eleições para avançar com a reforma tributária. Todo o bombardeio sobre a proposta ocorre na Câmara, onde o ambiente é mais favorável ao governo. Depois, a proposta ainda precisa passar pelo Senado, onde a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid mina o capital político do presidente Jair Bolsonaro.

Em live com o Valor, o ministro da Economia afirmou que, na falta de consenso entre as empresas e a Receita em pontos da proposta, arbitrará a favor do setor privado.

O saldo desse diálogo é algo que preocupa integrantes da equipe econômica. Por enquanto, a conta está em R$ 30 bilhões em desfavor do governo. O ministro aceitou esse buraco porque a arrecadação federal tem se recuperado com muita intensidade. Uma tese controversa, pois o crescimento se baseia num momento positivo para as commodities.

As mudanças propostas trazem um risco fiscal evidente não só para a União, como para Estados e municípios, avaliou o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.

Essa discussão complexa, diz ele, precisa de muito mais cuidado técnico para avançar. “Se for para ter retrocesso, melhor ficar parado.”

A pouco mais de um ano das eleições, são grandes as tentações populistas. É preciso grandeza para não comprometer as contas públicas, nem a retomada.

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