Valor Econômico
Há risco fiscal para União, Estados e
municípios
Tem sido tão ampla a reação das empresas
contra a reforma do Imposto de Renda que já há integrantes do governo admitindo
o risco de o resultado final ser zero. O que, na opinião de alguns
especialistas, não seria má ideia.
Porém, ainda é cedo para fazer qualquer
afirmação sobre o destino da proposta. No momento, o relator, deputado Celso
Sabino (PSDB-PA), tem dialogado com os mais diferentes setores para construir
seu relatório final. O ministro da Economia, Paulo Guedes, criou grupos de
empresários para debater e fazer ajustes. Mas só em agosto, com o fim do
recesso parlamentar, a reforma ganhará mais dinamismo.
Grande empregador e impulsionador da
atividade econômica, o setor de construção civil já foi atendido com algumas
modificações no texto. Porém, não está satisfeito. Falta encontrar uma forma
para reduzir a taxação sobre as empresas que declaram o Imposto de Renda pelo
regime de lucro presumido, disse o presidente da Câmara Brasileira da Indústria
da Construção (CBIC), José Carlos Martins.
Há perto de 850 mil empresas no regime de lucro presumido e essas terão um aumento “brutal” de carga tributária, avalia o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Basicamente, porque a redução da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) é menor do que sua medida compensatória: a taxação sobre dividendos.
Ele faz as contas: na proposta original, a
redução de carga seria de 1,6 ponto percentual no IRPJ, para uma taxação de 20%
nos dividendos. No que ele chama de “variante”, o relatório preliminar de
Sabino, a redução seria de 4 pontos no IRPJ, para os mesmos 20% nos dividendos.
As empresas do setor de construção estão
praticamente todas no lucro presumido, diz Martins. Mas ele afirma que não está
sozinho. Todo o comércio está nessa mesma situação, lembra. Avalia que, sem uma
alteração profunda nesse ponto, será impossível ao governo superar a oposição
desses setores no Congresso Nacional e a proposta não passará.
Também estão nesse grupo os profissionais
liberais: médicos, advogados, engenheiros. Entidades representativas desses
grupos já protestaram contra a proposta.
A reclamação das empresas que estão no
lucro presumido não deixa de ter razão de ser, disse o assessor especial do
Ministério da Economia Isaías Coelho. Na visão do governo, elas hoje pagam
pouco imposto. Assim, o propósito era mesmo tributá-las mais. E a reação
contrária era de se esperar.
Mas há outros grupos contra. Secretários
estaduais de Fazenda estão pedindo aos respectivos governadores que pressionem
no Congresso contra o relatório de Sabino, informou o presidente do Comitê de
Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael
Fonteles. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) afirmou em nota que a
conta da reforma ficará majoritariamente com os entes subnacionais e pediu sua
reprovação.
Esse não é um problema pequeno. Por
exemplo: só a redução da alíquota do IRPJ reduzirá as receitas de Curitiba em
R$ 76 milhões ao ano. Corresponde a um ano de operação tapa-buraco nas ruas da
cidade, ou meio ano de serviços de coleta de lixo, informa o secretário de
Fazenda, Vitor Puppi.
Se o prejuízo é desse tamanho para uma
cidade grande como a capital do Paraná, é de se imaginar o impacto nas
prefeituras menores. Menos arrecadação no Imposto de Renda significa menos
dinheiro para ser distribuído por meio do Fundo de Participação dos Municípios
(FPM). A repartição do fundo é feita de forma a favorecer as cidades mais
pobres. Para 88%, é a principal fonte de renda. As prefeituras vão perder
também o Imposto de Renda retido na fonte que recolhem dos salários de seus
funcionários.
Receitas menores, por sua vez, vão limitar
a capacidade fiscal dos municípios. A saúde financeira deles - e, por
consequência, a possibilidade de tomar empréstimos com aval da União, por
exemplo - é medida por indicadores como os gastos salariais em comparação com
as receitas. Se o denominador é menor, os resultados pioram.
Isaías Coelho não estranha o fato de
ninguém, exceto o governo, se posicionar a favor da proposta. Há teorias a esse
respeito, diz. Quem ganha com a proposta muitas vezes nem se dá conta disso. Os
benefícios são difusos. Já os ônus são bem delimitados, por isso a oposição é
barulhenta.
Nas conversas com empresários, Guedes já
ouviu que o momento para a apresentação da proposta não foi o mais adequado.
Trouxe ruídos no momento da retomada. Além disso, mexe no IRPJ, justamente o
tributo que lidera o crescimento da arrecadação.
O propósito, porém, foi aproveitar a última
janela de oportunidade antes das eleições para avançar com a reforma
tributária. Todo o bombardeio sobre a proposta ocorre na Câmara, onde o
ambiente é mais favorável ao governo. Depois, a proposta ainda precisa passar
pelo Senado, onde a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid mina o
capital político do presidente Jair Bolsonaro.
Em live com o Valor, o ministro da Economia
afirmou que, na falta de consenso entre as empresas e a Receita em pontos da
proposta, arbitrará a favor do setor privado.
O saldo desse diálogo é algo que preocupa
integrantes da equipe econômica. Por enquanto, a conta está em R$ 30 bilhões em
desfavor do governo. O ministro aceitou esse buraco porque a arrecadação
federal tem se recuperado com muita intensidade. Uma tese controversa, pois o
crescimento se baseia num momento positivo para as commodities.
As mudanças propostas trazem um risco
fiscal evidente não só para a União, como para Estados e municípios, avaliou o
diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.
Essa discussão complexa, diz ele, precisa
de muito mais cuidado técnico para avançar. “Se for para ter retrocesso, melhor
ficar parado.”
A pouco mais de um ano das eleições, são grandes as tentações populistas. É preciso grandeza para não comprometer as contas públicas, nem a retomada.
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