Correio Braziliense / Estado de Minas
Um governo bonapartista em
choque com a Constituição de 1988 tornou-se uma ameaçam ao Estado democrático.
Estamos vivendo uma espécie de “apagão liberal”
Desde a redemocratização, com a eleição de
Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985, o Brasil avançou com políticas
democráticas e progressistas, de governos que implementaram a agenda da
redemocratização. Houve, nesse processo, dois traumas: os impeachments de
Collor de Mello e de Dilma Rousseff. Mesmo desastrosos, não podemos dizer que
os dois governos passaram batidos, também deixaram seus legados. Mesmo aos
trancos e barrancos, o Brasil avançou.
Um resumo brevíssimo: José Sarney legou-nos a Constituição de 1988; Collor de Mello, a abertura da economia; Itamar Franco, a estabilização econômica; Fernando Henrique Cardoso, a consolidação do Real e as privatizações; Luiz Inácio Lula da Silva, transferência de renda e combate à pobreza; Dilma Rousseff, os programas de infraestrutura e energia; Michel Temer, a blindagem das empresas públicas e a reforma trabalhista; Jair Bolsonaro, a reforma da Previdência, mas perdeu o rumo e namora o caos. Agora, estamos num impasse.
O progressismo mudou de endereço, nosso
desenvolvimentismo não dá respostas para os novos problemas da economia e da
sociedade. Herdeiro de educadores do naipe de Anísio Teixeira, Paulo Freire e
Darcy Ribeiro, para o ex-senador Cristovam Buarque, por exemplo, o eixo do
desenvolvimento do país deve ser a educação de qualidade para todos.
Entretanto, não existe a menor possibilidade de revolucionar a educação no
Brasil sem crescimento econômico e redistribuição de renda. Muito menos, sem
democracia, a ameaça que agora nos ronda.
Alguns problemas são mais importantes do
que outros. Assim como a inflação inercial precisava ser superada para a
retomada do crescimento, é evidente que a crise fiscal é o atual gargalo da
economia. Ou seja, o Estado não tem como financiar suas atividades. Até para o
sucesso de uma reforma tributária, precisa modernizar a máquina pública. Sair
dessa sinuca fiscal é o desafio para a atual geração de economistas.
Outro problema é a concentração de renda
absurda que existe no Brasil. A erradicação da miséria e a redução da pobreza
são prioridades, mas como resolver? Esse é o velho conflito distributivo da
renda nacional, porém, não encontramos o caminho do crescimento sustentável,
que pressupõe reverter a perda de complexidade industrial e apostar na economia
de baixo carbono. A chave não está no velho nacional-desenvolvimentismo nem no
agrarismo reacionário.
Exceção e inimigo
E a crise ética? Sua origem era o velho
modelo de financiamento da política, o caixa dois eleitoral. O que distinguia o
político honesto do desonesto era a formação de patrimônio. Esse modelo estava
esgotado desde a Constituição de 1988, mas permaneceu sendo praticado, até
implodir com a Operação Lava-Jato, que desmoralizou todo o sistema político. O
fim do financiamento dos partidos por empresas, porém, não acabou com o estigma
da corrupção na política, que continua forte no imaginário popular.
A guerra fria acabou, mas não as
influências da política mundial. Após os atentados terroristas às Torres
Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, o ultraconservadorismo
norte-americano resgatou as ideias do jurista e filósofo alemão Carl Schmitt
(1888-1985), que se disseminaram pelo mundo novamente. Crítico do liberalismo e
teórico do “Estado de exceção” (Ernstfail), fundamento jurídico tanto do Estado
nazista quanto do nosso regime militar, segundo Schmitt, o Estado liberal foi
concebido para lidar com situações normais, não com as mudanças inesperadas na
História. Nas crises, um presidente serviria melhor para guardar a Constituição
de um país do que a sua Suprema Corte. É dele a tese de que, nas
excepcionalidades, o presidente se torna um soberano acima das leis, apto a
legislar e mobilizar a população contra o “inimigo”. Tiremos nossas conclusões.
São ideias alimentadas pelo presidente Jair
Bolsonaro, que deixam o país à beira da ruptura institucional, como aconteceu
no Sete de Setembro. A existência de um governo bonapartista em choque com a
Constituição de 1988 tornou-se uma ameaça ao Estado democrático. Boa parte do
fracasso do governo Bolsonaro decorre do corporativismo, do desmonte de
políticas públicas e, sobretudo, de ideias prisioneiras de um passado
imaginário. Não da oposição, nem das instituições. Estamos vivendo uma espécie
de “apagão liberal”, como aconteceu após a Revolução de 1930 e o golpe de
Estado de 1964, com a diferença de que isso até agora não se consumou num
regime autoritário, como no Estado Novo e após o AI-5, respectivamente.
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