Folha de S. Paulo
Os 100 anos da Semana contarão uma história
que, mais do que escrita, não para de ser reescrita
Que bom, já se escutam os fogos pelos cem
anos da Semana de
Arte Moderna de 1922, a se completarem em fevereiro. Mas será
possível completar essa história? Raro o dia em que não se acrescenta alguma
coisa à sua lenda —inclusive o que nunca aconteceu e é atribuído a ela. Nessa
história, que não para de ser escrita e reescrita, fatos e personagens entram e
saem magicamente, num permanente rearranjo para torná-la mais radical e
indispensável.
Para ampliar o papel de Mario e Oswald de Andrade, diminui-se ou se apaga a participação de outros protagonistas, como Di Cavalcanti, Ronald de Carvalho, Graça Aranha ou o próprio (decisivo para a Semana) Villa-Lobos, e incluem-se outros que não tiveram a ver, como Tarsila (em Paris naquela época, estudando arte acadêmica) ou Pagu (então com 12 anos e ainda brincando de roda). Note bem, estamos falando da Semana de 1922, não do que se deu no resto da década. Há uma marota tendência a misturar as duas coisas e botar tudo na conta da Semana.
Por essa conta, o Brasil de 1922 era um
atraso geral de que a Semana veio nos salvar. Pena que essa versão não confira
com os depoimentos de tantos intelectuais do resto do país, que já estavam em
busca de alguma espécie de novo em seus burgos e levariam anos para saber que a
Pauliceia desvairara. Além do que acontecia na única cidade brasileira que
podia ser chamada de metrópole —o Rio, com seu
1,2 milhão de habitantes e intensos mercado e vida cultural.
Quando se sabe que Alvaro e Eugenia
Moreyra, Ismael Nery, Lima Barreto, Roquette-Pinto, Bertha Lutz, Orestes
Barbosa, Julia Lopes de Almeida, Cecília Meirelles, Gilka Machado, Theo-Filho,
Sinhô, Donga, Bidú Sayão, J. Carlos, Pixinguinha e muitos outros já estavam
produzindo exuberantemente no Rio em 1922, pergunta-se por que não foram
convidados a participar da Semana. Não seriam modernistas o
suficiente?
Não. Nem precisavam. Já eram modernos.
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