O Estado de S. Paulo
Estratégia de Bolsonaro parece de paz pelo
País, mas é de guerra pela própria sobrevivência
A semana começa com a comissão de juristas
da CPI da Covid, liderada pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior,
entregando um parecer implacável sobre os crimes em que o presidente Jair
Bolsonaro poderá ser enquadrado por ações, e sobretudo inações, durante a pandemia.
O mais grave deve ser o de homicídio comissivo em série – justamente por não
agir quando deveria e agir errado quando não deveria.
Os caminhos da CPI e das oposições se
cruzam no momento mais tenso do País e do presidente. A comissão entra na reta
final e finaliza seu relatório devastador enquanto uma dúzia de partidos tenta
se acertar, atabalhoadamente, com o Vem Pra Rua e o MBL, para uma onda de atos
pelo impeachment – que, aliás, terão a presença de integrantes da CPI, como
Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania).
O final de ano terá protestos neste domingo, 12/9, em outubro, pelo aniversário da Constituição, e em novembro, na Proclamação da República. A CPI caminhará lado a lado, com o relatório final, a interação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Câmara e o Supremo.
É por esse horizonte, mas também pela
miséria e o fracasso na economia, que Bolsonaro adota uma estratégia que parece
de paz, mas é de guerra. Com o “Manifesto à Nação”, ele não está realmente
recuando e assumindo a moderação e a responsabilidade. É blefe, como a
convocação do Conselho da República, e fake news, como fraude nas urnas
eletrônicas.
Seria ótimo, se fosse verdade, mas é só
estratégia mesmo, porque, como avalia o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete
de Segurança Institucional (GSI), Bolsonaro tem um “formidável senso político”.
O que, aliás, é o que se diz também do ex-presidente Lula. Nos dois casos, o
sinônimo é bem mais simples: esperteza.
O fato é que Bolsonaro sentiu a água no
pescoço e temeu as ondas: guinada nos meios empresariais, financeiros e do
agronegócio, mudança de tom no Congresso, nos partidos e particularmente nas
cúpulas da Câmara e Senado, união no Supremo e desgaste na opinião pública, num
acirramento geral de ânimos. Além do pé atrás das Forças Armadas.
Esses movimentos conduzem a duas expressões
que tiram o sono de um presidente que já não dorme mesmo, acossado por muitos e
complexos fantasmas: impeachment e crime de responsabilidade. Um está na mesa
do presidente da Câmara, Arthur Lira. Logo, do PP e do Centrão. O outro depende
da PGR, onde o chefe Augusto Aras parece em busca de autonomia.
O recuo presidencial deveu-se, ainda, ao
estrago na Bolsa e no câmbio com sua ameaça de descumprir ordem da Justiça e os
riscos dos caminhoneiros para a economia e a estabilidade. Bolsonaro é o único
presidente do planeta Terra capaz de alimentar greve de caminhoneiros (como,
aliás, de alardear que ganhou uma eleição fraudada). “Sensacional! Ele criou
uma greve de caminhoneiros para derrubar o próprio governo”, ironizou Randolfe
Rodrigues, vice-presidente da CPI.
Bolsonaro acreditava que o movimento era
contra o ministro Alexandre de Moraes e ele não tinha nada a ver com isso, mas
o professor Michel Temer ensinou: “Eu já passei por isso, presidente. Essa
greve vai cair diretamente no seu colo”. E, como me contou, lembrou do
desabastecimento, do aumento de preços, da queda do PIB e do mau humor da
população.
Bolsonaro teve de fazer “meia volta,
volver” para apagar os incêndios que ele próprio cria. Daí a nota de moderação,
ponte com Alexandre de Moraes e vídeo para os caminheiros. Ninguém acreditou na
moderação nem na ponte, mas o tragicômico foi os caminhoneiros não acreditarem
no vídeo! Bem, se o presidente é investigado no STF por fake news... Só
continuam acreditando em tudo os que se agarram à “genialidade política do
mito”, como ovelhas que correm atrás da onça.
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