domingo, 12 de setembro de 2021

Eliane Cantanhêde - Recuo: blefe e fake news

O Estado de S. Paulo

Estratégia de Bolsonaro parece de paz pelo País, mas é de guerra pela própria sobrevivência

A semana começa com a comissão de juristas da CPI da Covid, liderada pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, entregando um parecer implacável sobre os crimes em que o presidente Jair Bolsonaro poderá ser enquadrado por ações, e sobretudo inações, durante a pandemia. O mais grave deve ser o de homicídio comissivo em série – justamente por não agir quando deveria e agir errado quando não deveria.

Os caminhos da CPI e das oposições se cruzam no momento mais tenso do País e do presidente. A comissão entra na reta final e finaliza seu relatório devastador enquanto uma dúzia de partidos tenta se acertar, atabalhoadamente, com o Vem Pra Rua e o MBL, para uma onda de atos pelo impeachment – que, aliás, terão a presença de integrantes da CPI, como Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania).

O final de ano terá protestos neste domingo, 12/9, em outubro, pelo aniversário da Constituição, e em novembro, na Proclamação da República. A CPI caminhará lado a lado, com o relatório final, a interação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Câmara e o Supremo.

É por esse horizonte, mas também pela miséria e o fracasso na economia, que Bolsonaro adota uma estratégia que parece de paz, mas é de guerra. Com o “Manifesto à Nação”, ele não está realmente recuando e assumindo a moderação e a responsabilidade. É blefe, como a convocação do Conselho da República, e fake news, como fraude nas urnas eletrônicas.

Seria ótimo, se fosse verdade, mas é só estratégia mesmo, porque, como avalia o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Bolsonaro tem um “formidável senso político”. O que, aliás, é o que se diz também do ex-presidente Lula. Nos dois casos, o sinônimo é bem mais simples: esperteza.

O fato é que Bolsonaro sentiu a água no pescoço e temeu as ondas: guinada nos meios empresariais, financeiros e do agronegócio, mudança de tom no Congresso, nos partidos e particularmente nas cúpulas da Câmara e Senado, união no Supremo e desgaste na opinião pública, num acirramento geral de ânimos. Além do pé atrás das Forças Armadas.

Esses movimentos conduzem a duas expressões que tiram o sono de um presidente que já não dorme mesmo, acossado por muitos e complexos fantasmas: impeachment e crime de responsabilidade. Um está na mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira. Logo, do PP e do Centrão. O outro depende da PGR, onde o chefe Augusto Aras parece em busca de autonomia.

O recuo presidencial deveu-se, ainda, ao estrago na Bolsa e no câmbio com sua ameaça de descumprir ordem da Justiça e os riscos dos caminhoneiros para a economia e a estabilidade. Bolsonaro é o único presidente do planeta Terra capaz de alimentar greve de caminhoneiros (como, aliás, de alardear que ganhou uma eleição fraudada). “Sensacional! Ele criou uma greve de caminhoneiros para derrubar o próprio governo”, ironizou Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI.

Bolsonaro acreditava que o movimento era contra o ministro Alexandre de Moraes e ele não tinha nada a ver com isso, mas o professor Michel Temer ensinou: “Eu já passei por isso, presidente. Essa greve vai cair diretamente no seu colo”. E, como me contou, lembrou do desabastecimento, do aumento de preços, da queda do PIB e do mau humor da população.

Bolsonaro teve de fazer “meia volta, volver” para apagar os incêndios que ele próprio cria. Daí a nota de moderação, ponte com Alexandre de Moraes e vídeo para os caminheiros. Ninguém acreditou na moderação nem na ponte, mas o tragicômico foi os caminhoneiros não acreditarem no vídeo! Bem, se o presidente é investigado no STF por fake news... Só continuam acreditando em tudo os que se agarram à “genialidade política do mito”, como ovelhas que correm atrás da onça.

 

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