domingo, 12 de setembro de 2021

Patricia Campos Mello – O Golpe preventivo

Folha de S. Paulo

Sem apoio dos 'caras com armas', instituições brasileiras resistirão menos que as americanas

A despeito dos recuos, pseudo-recuos e desrecuos, não há dúvida de que Bolsonaro vai coroar suas investidas contra a democracia com uma tentativa de melar a eleição de 2022, tal como fez seu ídolo Donald Trump. Será que ele consegue concretizar o golpe que escapou pelos dedos do americano?

Trump passou meses disseminando dúvidas sobre a integridade do sistema eleitoral, numa espécie de golpe preventivo. Quando a derrota nas urnas foi tomando forma, em novembro de 2020, ele turbinou ainda mais o ecossistema de desinformação que conseguiu convencer os republicanos de que o pleito tinha sido fraudado.

Mas os militares não embarcaram. Após a eleição, com Trump insuflando seus apoiadores com a farsa do “Stop the steal”, Mark Milley, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, começou a se preparar para a tentativa de golpe.

 “Eles podem tentar, mas não conseguirão (dar um golpe)”, teria dito em conversas relatadas na imprensa. “Ninguém consegue fazer isso sem os militares, sem a CIA e o FBI. Nós somos os caras com as armas.”

No Brasil, a turma do “deixa disso”, também conhecida como pessoal do “as instituições estão funcionando”, insiste em que o alto escalão fardado jamais pressionaria por intervenção militar. Talvez.

Mas dá para enxergar figuras como o general Heleno, do GSI, e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, tentando impedir Bolsonaro de contestar as eleições? Se o presidente disser que houve fraude e que não sai do Planalto nem amarrado, quem vai tirá-lo? O diretor da PF e outros “caras com as armas”?

Nos EUA, aliados de Trump entraram com mais de 50 ações contestando o resultado eleitoral em vários estados. Não venceram nem um único processo —e muitos foram decididos por juízes indicados por Trump. E no Brasil, juízes bolsonaristas teriam a mesma isenção?

Ah, no Brasil não há perigo de acontecer isso, diz a turma. Aqui, quem julga essas ações é a Justiça Eleitoral, muito menos sujeita a aparelhamento. Fato. Mas e se ajuizarem ações populares pedindo recolhimento das urnas eletrônicas, argumentando que lesam o patrimônio público por serem sujeitas a fraudes? Isso poderia ser analisado por um juiz de primeira instância. Algo parecido quase aconteceu em 2018. Essas ações acabariam na Justiça Eleitoral, diz o advogado Fernando Neisser. Mas, antes, causariam um bom tumulto.

Como ensinou Steve Bannon, o objetivo é “inundar a área com m...” —causar incerteza para que as pessoas não saibam em que acreditar. Isso mantém a militância mobilizada e pode gerar um episódio como a invasão do Capitólio. Sem apoio dos “caras com armas” e da Justiça, as instituições daqui podem ter um destino mais trágico que o das americanas.

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