Folha de S. Paulo
Sem apoio dos 'caras com armas', instituições brasileiras resistirão menos que as americanas
A
despeito dos recuos, pseudo-recuos e desrecuos, não há dúvida de que Bolsonaro vai
coroar suas investidas
contra a democracia com uma tentativa de melar a eleição de 2022, tal
como fez seu ídolo Donald Trump.
Será que ele consegue concretizar o golpe que escapou pelos dedos do americano?
Trump passou meses disseminando
dúvidas sobre a integridade do sistema eleitoral, numa espécie de golpe
preventivo. Quando a derrota nas urnas foi tomando forma, em novembro de 2020,
ele turbinou ainda mais o ecossistema de desinformação que conseguiu convencer
os republicanos de que o pleito tinha sido fraudado.
Mas os militares não embarcaram. Após a
eleição, com Trump insuflando seus apoiadores com a farsa do “Stop the steal”,
Mark Milley, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, começou a se preparar
para a tentativa de golpe.
“Eles podem tentar, mas não conseguirão (dar
um golpe)”, teria dito em conversas relatadas na imprensa. “Ninguém consegue
fazer isso sem os militares, sem a CIA e o FBI. Nós somos os caras com as
armas.”
No Brasil, a turma do “deixa disso”, também conhecida como pessoal do “as
instituições estão funcionando”, insiste em que o alto escalão fardado jamais
pressionaria por intervenção militar. Talvez.
Mas dá para enxergar figuras como o general Heleno, do GSI, e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, tentando impedir Bolsonaro de contestar as eleições? Se o presidente disser que houve fraude e que não sai do Planalto nem amarrado, quem vai tirá-lo? O diretor da PF e outros “caras com as armas”?
Nos EUA, aliados de Trump entraram com mais
de 50 ações contestando o resultado eleitoral em vários estados. Não venceram
nem um único processo —e muitos foram decididos por juízes indicados por Trump.
E no Brasil, juízes bolsonaristas teriam a mesma isenção?
Ah, no Brasil não há perigo de acontecer
isso, diz a turma. Aqui, quem julga essas ações é a Justiça Eleitoral, muito
menos sujeita a aparelhamento. Fato. Mas e se ajuizarem ações populares pedindo
recolhimento das urnas eletrônicas, argumentando que lesam o patrimônio público
por serem sujeitas a fraudes? Isso poderia ser analisado por um juiz de
primeira instância. Algo parecido quase aconteceu em 2018. Essas ações
acabariam na Justiça Eleitoral, diz o advogado Fernando Neisser. Mas, antes,
causariam um bom tumulto.
Como ensinou Steve Bannon, o objetivo é “inundar a área com m...” —causar incerteza para que as pessoas não saibam em que acreditar. Isso mantém a militância mobilizada e pode gerar um episódio como a invasão do Capitólio. Sem apoio dos “caras com armas” e da Justiça, as instituições daqui podem ter um destino mais trágico que o das americanas.
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