Folha de S. Paulo
Bolsonaro se desfaz como pessoa, pelas
mentiras desavergonhadas, pela covardia, rasteja em fuga como um inseto
repugnante
Uma intervenção insuspeitada levou
Bolsonaro a modificar, quase de última hora, o pronunciamento destinado a
incitar a multidão da av. Paulista, no 7 de Setembro, com insinuações
para insurgência.
A exibição na manhã de Brasília, com
cerimonial de posse em novo poder presidencial, e, já à tarde, a visão da massa
que se aglomerava na avenida agravaram preocupações militares com o ato
paulistano.
Se a exaltação degenerasse, a PM não
bastaria para conter a multidão desatinada e as Forças Armadas seriam chamadas
a agir, com decorrências muito graves para todos os lados.
Um exemplo de situação dramática, se a
manifestação degenerasse, poderia ser a insurgência violenta com a condição,
para desmobilizar-se, da renúncia de Alexandre
de Moraes no Supremo. Como desejado por Bolsonaro.
Na fala em São Paulo, evaporaram as ameaças
do "creio que chegou a hora, no dia 7, de nós nos tornarmos independentes
pra valer", "nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão
importante quanto esse nosso 7 de setembro", "agora o povo vai ter
liberdade pra valer".
O povo foi devolvido à exclusão histórica. E Bolsonaro mal conseguiu repetir frases esparsas, com acréscimo só de citações pessoais. Ao que se seguiu o encerramento abrupto, com a fisionomia aflita por não encontrar outras frases. Houve até certa demora para a percepção geral do encerramento.
O
recuo primordial de Bolsonaro não foram as negações do que disse, tantas
vezes, contra o Supremo, contra o Tribunal Superior Eleitoral, contra os
ministros Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, com a sobra de um
ultimato para Luiz Fux. O recuo surgiu na fala em São Paulo.
O
que está considerado como o (segundo) recuo é, na verdade, uma saída
traiçoeira do desastre, sob a forma de carta ao país. Michel Temer e o
marqueteiro Elsinho Mouco, seus autores, ou foram perversos ou se comprovaram
no limite intelectual de Bolsonaro.
Antes que se questionasse a validade da
moderação escrita, já no início a carta ofereceu a resposta: "nunca tive
nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é
vontade minha (...)". A mentira é enriquecida pelo mau texto que confessa
a repulsa à harmonia entre os Poderes.
No mais, a carta não é de moderação, vista
na sempre precipitada interpretação midiática. É de humilhação.
Bolsonaro se desfaz como pessoa, pelas
mentiras desavergonhadas, pela covardia, rasteja em fuga como um inseto
repugnante. Michel
Temer levou Bolsonaro para a beira do abismo, chamado agora de traidor e
frustrante por apoiadores de todos os momentos até então.
E, com a ideia do telefonema ao ministro
Alexandre de Moraes, Temer não atenuou a indignação no Supremo com os ataques
de Bolsonaro. Tornou ainda mais insultuosa a agressão ao tribunal e seus
integrantes. O telefonema foi de pedido de desculpas a um ministro, mas os
ataques, como disse a ministra Cármen Lúcia, foram a todos. Até por isso, além
do protocolo, o telefonema providenciado por Temer deveria ser a Luiz Fux,
presidente do tribunal.
Mas, traidor por traidor, Bolsonaro-Temer
fazem boa dupla. Tal como Rodrigo Pacheco-Arthur Lira, que usam as cadeiras de
presidentes do Senado e da Câmara. Não viram nem ouviram nenhuma transgressão
de Bolsonaro, limitando-se a notas perfumadas, com corações pressentíveis nas
entrelinhas. Faltam mulheres no Congresso. E faltam homens também.
Mas nenhuma pusilanimidade excederá a de
Augusto Aras. Viu, e o disse ao lado de Luiz Fux no plenário do Supremo, uma
"festa cívica" nos pedidos de fechamento dos tribunais superiores e
do Congresso, de intervenção militar, de prisão de magistrados e
impulsionadores da CPI da Covid, de volta ao sistema eleitoral fraudulento.
Augusto Aras, procurador dos piores meios de alcançar objetivos pessoais. Como
um lugar no Supremo a que também agride com sua festa cínica.
É preciso registrar que Luiz Fux fez um
pronunciamento enfim firme, em defesa da Constituição e do Judiciário. Mas Luis
Roberto Barroso, que brinda as ideias com um estilo valioso, deu ainda mais do
que o devido.
Na loucura trágica do país, uma verdade nos
põe ao lado de Bolsonaro. Falta de governo, golpismo, aumento da pobreza,
corrupção, pandemia, violência: estamos todos na beira do abismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário