EDITORIAIS
Brasil precisa manter confiança nas
instituições
O Globo
A nota de pacificação articulada pelo ex-presidente Michel Temer e emitida na
quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro foi humilhante para ele. Dois dias
depois das manifestações antidemocráticas e dos discursos golpistas do 7 de
Setembro, Bolsonaro não teve saída senão recuar. Por um motivo simples: medo. A
expressão “impeachment” e sua irmã gêmea “crime de responsabilidade” voltaram a
circular por Brasília. Protestos marcados para hoje prometem manter o tema em
pauta.
No dia seguinte às manifestações, a reação
firme do Supremo Tribunal Federal (STF), de parlamentares e representantes de
diversos partidos demonstrou o vigor da democracia e das instituições
brasileiras. Dois Poderes da República — Judiciário e Legislativo —
demonstraram não estar dispostos a aceitar nenhum tipo de ameaça de teor
golpista do Executivo.
A nota de Bolsonaro pode ter arrefecido os
ânimos. Mas ele é conhecido pela instabilidade. O “Jairzinho Paz e Amor”, todos
sabem, tem prazo de validade. Diante do que já disse e fez, seu recuo não tem
credibilidade. Cedo ou tarde, sobretudo depois da humilhação, tentará dar
demonstrações de força diante de uma perspectiva eleitoral que se lhe anuncia,
numa leitura generosa, desafiadora.
Dentre os cenários possíveis, o melhor sem
dúvida é a realização de eleições no ano que vem, em que todos disputem num
clima de paz e liberdade — e o vitorioso assuma seu mandato em janeiro de 2023,
seja ele Bolsonaro ou qualquer outro. Se Bolsonaro, porém, continuar a agir
contra a democracia, se ensaiar um golpe diante da perspectiva de derrota ou se
contestar o resultado com base em teorias da conspiração sobre as urnas
eletrônicas, será preciso detê-lo.
Até sexta-feira, repousavam sobre a mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), 131 pedidos de impeachment contra Bolsonaro — o mais vistoso, um “superpedido” com 23 acusações dos mais diversos tipos de crime de responsabilidade. A profusão de acusações contrasta com a indiferença de Lira, que já deu repetidos sinais de não estar disposto a levar a sério a hipótese do impedimento.
Pode haver razões escusas para isso, dada a
simbiose do grupo político de Lira com o governo Bolsonaro. Mas há também
razões sensatas. Como o brasileiro sabe, o impeachment é um processo
traumático, que paralisa o país, acirra a polarização, gera rancor nos
perdedores — para quem vira “golpe” —, mas traz também um travo amargo aos
eventuais vencedores, cuja ascensão ao poder passa ao largo das urnas.
No clássico sobre o tema, o jurista gaúcho
Paulo Brossard (1923-2015) comparava o impeachment a um “canhão de 100
toneladas, pesado, moroso, complicado”, a um “malho gigante de pilão” usado
para quebrar uma noz. “Não há estrutura social capaz de suportar o cataclismo
político que significa um processo dessa natureza contra a autoridade que
concentra em suas mãos a maior soma de poderes na República”, escreveu.
Trata-se de um processo de natureza dupla:
criminal e política. O sarrafo a superar é alto: dois terços dos votos na
Câmara para apresentar a denúncia; dois terços no Senado para condenar o
acusado. Não faltam crimes que possam ser imputados a Bolsonaro — o último, a
ameaça de descumprir decisões judiciais. O que falta é, nas palavras do jurista
Rafael Mafei, o “elemento político”.
Para barrar o processo, bastaria a
Bolsonaro obter o apoio de 172 dos 513 deputados. Na votação mais sensível para
ele até agora — a do voto impresso —, somou 229. A emenda foi rejeitada por não
alcançar o patamar mínimo de três quintos, exigido pela Constituição, mas
Bolsonaro demonstrou força política surpreendente. Mais um motivo para Lira
evitar entrar num túnel cuja saída é, de antemão, desconhecida.
A mesma força política funciona a favor de
Bolsonaro para deter o segundo mecanismo constitucional que permitiria
afastá-lo: uma acusação por crime comum. Ele responde a quatro inquéritos no
Supremo, e qualquer um poderia resultar em denúncia. Outra possibilidade seria
uma acusação por improbidade administrativa, pelo uso de helicópteros e avião
do Estado para participar de evento político. Sem falar nas novas investigações
que poderão emergir do relatório final da CPI da Covid.
Acusações por crime comum cabem ao
Ministério Público, em especial à Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada
por Augusto Aras, que não tem demonstrado empenho nos processos contra
interesses do presidente. Qualquer denúncia que resultasse em afastamento
teria, porém, de ser aceita por dois terços da Câmara, onde os mesmos 172
deputados seriam suficientes para barrá-la. Faltaria, novamente, o “elemento
político”. Há, por fim, as acusações por crime eleitoral já apresentadas diante
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outras que podem surgir, por campanha
antecipada. “É difícil o TSE condená-lo por antecipar campanha”, diz o jurista
Gustavo Binenbojm. “Não houve lançamento oficial de candidaturas. A
jurisprudência do tribunal é muito conservadora.”
Em “O impeachment”, Brossard faz uma
descrição que parece ter profetizado Bolsonaro: “Podem os fatos, certos, documentados,
notórios, cercados de circunstâncias acabrunhadoras, autorizar, reclamar a
acusação de um presidente que, de mil formas, avilta a nação, intranquiliza a
sociedade, semeia a insegurança, promove a desordem, desorganiza o trabalho,
desestimula a produção, subverte as instituições, causa o pânico”.
Bolsonaro é tudo isso e, decididamente, não
é confiável. As instituições, em contrapartida, são, como demonstraram o
Supremo e partidos políticos na última semana. Nenhum dos caminhos que elas
oferecem para detê-lo ou depô-lo seria indolor. E nenhum teria a legitimidade
de uma derrota dele nas urnas, a cada dia mais provável segundo as pesquisas.
Mas a mera existência desses caminhos se mostra suficiente para incutir nele o
medo e fazê-lo recuar. É nessas instituições — Congresso, Supremo, PGR, TSE e
todo o resto — que o brasileiro precisa depositar sua confiança para superar as
novas crises que certamente hão de vir.
Mais que barulho
Folha de S. Paulo
Golpismo e desgoverno de Bolsonaro têm
efeito direto em inflação e desemprego
Se já era difícil recuperar empregos em
meio à desconfiança geral com os rumos da política econômica, qualquer chance
de melhora nas condições sociais fica ainda mais prejudicada pela baderna
institucional patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Desde que o governo foi ao ataque na agenda
populista com vistas às eleições, o risco de descontrole das finanças públicas
já levava o dólar e os juros às alturas e alimentava a inflação.
Até poucos meses atrás, a perspectiva de
superação da pandemia e reabertura consistente indicava que 2022 poderia ser um
ano positivo. Entretanto as expectativas se deterioraram rapidamente.
As projeções atuais para a alta do Produto
Interno Bruto no ano eleitoral, na casa de já sofríveis 2%, devem cair mais com
o aperto nas condições financeiras e o risco de racionamento de energia.
O problema da inflação, hoje, é gravíssimo.
Mesmo sob condições dramáticas no mercado de trabalho, com taxa de desemprego
na casa dos 14%, a inflação nos 12 meses encerrados em agosto chegou a 9,68%,
demasiado acima da meta de 3,75% fixada para este 2021.
Os preços de alimentos, energia e
combustíveis disparam e oneram principalmente os mais pobres.
A necessidade de resposta do Banco Central
indica que a taxa básica de juros chegará a 8% no final do ano, mas em prazos
mais longos o custo do dinheiro supera 10%. Esse é o canal que interrompe
investimentos e joga novamente o país no risco recessivo.
A desconfiança do setor privado aumentava
mesmo antes dos arroubos presidenciais do Dia da Independência. Além da
tentativa de expandir gastos, a desarticulação do governo levou à aprovação na
Câmara dos Deputados de uma péssima mudança do Imposto de Renda, e soluções
temerárias para os precatórios estão em discussão.
Não há coordenação política digna desse
nome, e os técnicos da pasta da Economia se limitam a minimizar danos —os
vindos do Congresso e também os decorrentes da desorientação gerencial do
ministro Paulo Guedes.
A claudicante agenda de reformas e
privatizações dá origem a projetos de má qualidade, como se viu na preparação
da venda do controle da Eletrobras.
Nesta sexta-feira (10), Guedes enfim
reconheceu o óbvio —que o “barulho”
produzido por Bolsonaro pode prejudicar a economia do país. Em
bom português, o presidente não apenas atenta contra a democracia como faz com
que mais brasileiros permaneçam na pobreza e no desemprego.
A próxima guerra
Folha de S. Paulo
Saída do Afeganistão fecha 20 anos de
conflitos do 11/9; mundo continua perigoso
Efemérides raramente suscitam algo mais do
que uma oportunidade para reflexão, mas os devastadores
ataques do 11 de Setembro, por decisão política e alguma ironia
histórica, encontram neste 2021 um incomum fecho real de ciclo.
A retirada norte-americana do Afeganistão,
atabalhoada como foi, coroou a derrota para o Talibã, construída quando uma
punição justa a um regime que protegia terroristas tornou-se uma guerra
permanente e difusa.
O combate à ameaça justificou uma
degradação nas liberdades que lançou o mundo em uma era de conflito perene
acerca da inviolabilidade individual —da tesoura que não podemos carregar num
avião a leis de proteção de dados, tudo remonta ao impacto daquele atentado 20
anos atrás.
Incluam-se efeitos sistêmicos na indústria
energética, a partir da farsa da Guerra do Iraque sob pretexto de combate ao
terrorismo.
Essas eram tendências que provavelmente se
materializariam de uma forma ou de outra, mas são raros os fatos com dia e hora
na história a marcar tais transições.
As guerras do 11 de Setembro tiveram enorme
custo: talvez 800 mil vidas em todos os países nelas envolvidos, fora os US$ 8
trilhões aferíveis apenas em gastos diretos americanos, segundo estudo da
Universidade Brown (EUA).
No retrovisor geopolítico, a ofensiva foi
desastrosa para Washington. Enquanto se engalfinhavam em uma luta para a qual
não tinham sido preparadas, as forças da maior potência militar da história
viram sombras se avolumarem.
A ascensão da China a ameaça estratégica
número 1 aos EUA, nas palavras do presidente Joe Biden, não passou
despercebida.
Mas o desengajamento do poderio aplicado ao
Afeganistão em favor de uma estratégia de contenção asiática, proposto em 2011
por Barack Obama, só agora começa a andar, girando em torno de aliados como
Japão, Índia e Austrália.
Na Europa, a saliência militar da Rússia é
tema cotidiano, com potencial para converter-se em questão global se a relação
entre o Kremlin e a China se aprofundar.
Biden tenta operar com realismo, o que leva
ao abandono do conceito de “guerra justa”, criado quando os inimigos eram
nazistas e aplicado ao bel-prazer do Ocidente nas intervenções a partir dos
anos 1990.
Os EUA buscam requalificar a ideia de uma guerra, deixando o termo para conflitos entre potências. Enquanto isso, seguirá atacando terroristas e adversários, e esses permanecerão como parte da paisagem. O mundo continua um lugar perigoso, talvez ainda mais.
Retrato do patrimonialismo
O Estado de S. Paulo
Se o cidadão, enquanto contribuinte, deseja um processo orçamentário em que se veja representado, precisa se valer de seus poderes de eleitor em 2022
O patrimonialismo tem muitas faces. A mais
corrosiva é, tautologicamente, a corrupção, que degrada cronicamente a
credibilidade da classe política com a população, criando as condições para a
ascensão das ameaças mais agudas à democracia: os populismos e autoritarismos.
Mas, além desse elemento criminal, há as formas institucionalizadas do
patrimonialismo, como a cooptação de órgãos de Estado a serviço dos interesses
dos governantes de turno ou a normalização de privilégios corporativos, como
regalias trabalhistas ao funcionalismo ou subsídios e isenções fiscais a grupos
empresariais.
Outra faceta, que se alastra pelo
Legislativo, é a captura do orçamento público por meio de emendas parlamentares
para servir prioridades eleitorais e paroquiais dos congressistas. A metástase
foi radiografada em artigo dos economistas Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio
Giambiagi para a revista Conjuntura Econômica.
Até 2015, a execução de emendas
parlamentares individuais dependia da disponibilidade de recursos. Então, foi
constitucionalizada uma cota mínima de 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) para
essas emendas. Em 2019, a dose de emendas obrigatórias foi ampliada em uma cota
de 1% da RCL para as bancadas estaduais. No mesmo ano, permitiu-se o uso de
emendas individuais para transferir diretamente dinheiro para Estados e
municípios sem vinculação a projetos predeterminados.
O maior retrocesso veio em 2020, quando foi
ressuscitada a “emenda de relator” – que serviu aos “anões do Orçamento”, em
1993 –, dando ao relator do Orçamento poder para alterar grandes parcelas das
dotações. Finalmente, o Orçamento de 2021 conferiu às bancadas estaduais a
possibilidade das transferências diretas – o chamado “orçamento secreto”.
Idealmente, apontam os autores, as emendas
deveriam respeitar três requisitos: “1) não comprometer a qualidade do
Orçamento; 2) atender a uma lógica coletiva; e 3) ser objeto de escrutínio
público. Nenhuma das condições está sendo obedecida atualmente”.
Hoje, as emendas abarcam 15% das despesas
não obrigatórias da União e 51% de todos os seus investimentos. Dos R$ 34
bilhões reservados às emendas, metade é do relator. “Isso configura um enorme
poder discricionário, na mão de um grupo muito reduzido de parlamentares,
representando uma certa ‘casta’.”
Sob alegação de falta de recursos, não
foram incluídas no Orçamento de 2021 políticas públicas como o Censo
Demográfico, quando seu custo seria apenas 6% do valor das emendas.
Investimentos de menor apelo eleitoral, mas cruciais para a produtividade e o
crescimento, como em infraestrutura ou ciência e tecnologia, são preteridos em
favor de alocações pulverizadas, arbitrárias e quase impossíveis de fiscalizar.
O poder de elaboração orçamentária do
Parlamento é essencial ao processo de negociação política entre os poderes
eleitos. Mas a pilhagem do Orçamento por carteis parlamentares, em especial o
do relator do Orçamento, é um simulacro pernicioso do que deveria ser essa
transação. Embriagados por seus votos, tanto Dilma Rousseff quanto Jair
Bolsonaro se recusaram a montar um governo de coalizão que refletisse a
representação conferida pelos eleitores às bancadas do Congresso. Mas tão logo
a credibilidade de seus governos foi derretida pela sua inépcia e escândalos de
corrupção, eles passaram a lotear sofregamente as prerrogativas orçamentárias
do Executivo para se sustentar no Planalto.
Apesar de tudo, a cultura política nacional
tem reservas suficientes para afirmar que o interesse público não está
desamparado ante a voracidade patrimonialista. Nas últimas décadas, o País
institucionalizou diversas ferramentas de qualificação da gestão fiscal, notadamente
o teto de gastos. Tal como a recente degradação dos instrumentos orçamentários
resultou de más escolhas eleitorais, ela pode ser revertida nas urnas. Se os
cidadãos, enquanto contribuintes, desejam um processo orçamentário em que se
vejam representados e informados, precisam se valer de seus poderes enquanto
eleitores em 2022.
A afoiteza da Câmara
O Estado de S. Paulo
Tal como foi aprovado, novo Código de Processo Eleitoral é um desserviço à Nação
A Câmara dos Deputados aprovou no dia 9
passado o texto-base do Projeto de Lei Complementar 112/2021, que institui o
Código de Processo Eleitoral. A pretexto de reunir em um só diploma legal uma
miríade de normas esparsas que regulamentam desde a divulgação de pesquisas
eleitorais até a prestação de contas dos partidos políticos ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), o projeto, relatado pela deputada Margarete Coelho
(PP-PI), virou um calhamaço de mais de 900 artigos que passou longe, muito
longe, da tramitação responsável que um tema dessa envergadura requer.
A afoiteza da tramitação do projeto na
Câmara, que custou tão caro ao bom debate democrático, pode ser explicada por
duas razões, uma umbilicalmente ligada à outra. A aprovação de uma nova
legislação eleitoral que afrouxasse os mecanismos de responsabilização dos
parlamentares e dos partidos políticos foi uma promessa feita pelo deputado
Arthur Lira (PP-AL) a seus pares durante a campanha que, por fim, o alçou à
presidência da Casa, em fevereiro deste ano. E Lira só a fez, por óbvio, porque
conhece muito bem o seu eleitorado e sabe que a matéria tem o apoio da maioria
das legendas. Basta ver que o regime de urgência para tramitação do Código de
Processo Eleitoral foi aprovado por 322 votos a 139. Já o texto-base, por
margem ainda mais folgada: 378 votos a 80.
Os deputados agora analisam os chamados
destaques, alterações pontuais que são propostas ao projeto original. Prevê-se
que a Câmara vote estes destaques no decorrer da próxima semana, quando, ao
fim, o projeto seguirá para deliberação do Senado. Essas duas próximas etapas
são fundamentais para o resguardo do melhor interesse público. O novo Código de
Processo Eleitoral tem muitos pontos a serem corrigidos, ou até mesmo
eliminados do projeto, seja pelos próprios deputados, durante a votação dos
destaques, seja pela revisão da Câmara Alta.
Um dos pontos mais nocivos ao interesse
público, sem dúvida, é a autonomia inaudita que os partidos políticos terão
sobre os bilionários recursos do Fundo Partidário, que nem sequer deveria
existir. O texto-base não só submete o uso de recursos públicos à absoluta
discricionariedade das lideranças partidárias, como dificulta, e muito, a
análise da prestação de contas pelo TSE. Com o dinheiro do Fundo Partidário,
por exemplo, partidos políticos poderão comprar bens móveis e imóveis, além de
realizar “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do
partido”. Vago como se lê, esse dispositivo pode significar qualquer coisa. O
que, afinal, é de “interesse partidário”. E quem, ao fim e ao cabo, diz que é?
Os próprios interessados.
Não bastasse a liberdade para gastar os
bilhões do Fundo Partidário, a prestação de contas à Justiça Eleitoral também
sofrerá enormes reveses caso o Código de Processo Eleitoral entre em vigor tal
como consta no texto-base. Os deputados reduziram de cinco para dois anos o
prazo do TSE para analisar as contas partidárias, “sob pena de extinção do
processo”. A bem da verdade, o TSE já falha miseravelmente em cumprir o prazo
de cinco anos. A redução para dois anos significa, portanto, tornar letra morta
a obrigatoriedade de prestação de contas pelos partidos políticos.
O Código de Processo Eleitoral também
representa um abrandamento da Lei da Ficha Limpa. O prazo de inelegibilidade
dos condenados com base na lei permanece em oito anos, mas o tempo passa a ser
contado a partir da data da condenação, e não mais do término do cumprimento da
pena.
Um dos poucos pontos positivos da nova
legislação eleitoral, a quarentena de cinco anos para que militares das Forças
Armadas e das Polícias Militares, promotores de Justiça e juízes possam
disputar eleições, a partir do pleito de 2026, foi derrubado em um dos
destaques já votados. É de suma importância manter cargos de Estado a salvo de
interesses de natureza político-eleitorais.
Para valer em 2022, o projeto precisa ser
aprovado pelo Senado e sancionado por Jair Bolsonaro até outubro. Talvez não
haja tempo para isso. O prazo exíguo é aliado da sociedade, mas será muito
importante que o projeto não entre em vigor tal como está não pelo decurso do
prazo, mas pela ação do Senado como Casa revisora.
Sem potencial para crescer
O Estado de S. Paulo
Insegurança criada por Bolsonaro torna difícil aumentar a capacidade produtiva
Sem governo, sem segurança econômica e sem
investimento produtivo, o Brasil está condenado a repetir o desempenho pífio
dos últimos anos, alternando a rotina da estagnação com alguns voos de galinha.
Não há crescimento firme e prolongado sem expansão e modernização do parque de
máquinas e equipamentos, sem novas construções, sem melhora da infraestrutura e
sem formação de mão de obra competente, produtiva e capaz de se atualizar. Mas
o maior obstáculo ao fortalecimento econômico do Brasil está no Executivo
federal. Incompetente, irresponsável e insistentemente golpista, o presidente
Jair Bolsonaro gera instabilidade, assusta os mercados, torna o horizonte
nebuloso e condena o País à estagnação.
Empresários aplicam dinheiro em máquinas,
equipamentos e obras quando esperam prosperidade, lucros e novas oportunidades
para multiplicar seu capital. Nesse movimento, o emprego se expande, mais
salários são pagos, o consumo cresce e aumentam os estímulos à produção. Nada
parecido com isso tem surgido no horizonte do Brasil. Se nenhum novo tropeço
ocorrer, o Brasil terminará este ano fora do buraco onde afundou em 2020. Para
2020 a expectativa é de mísero crescimento de 1,93%, segundo o boletim Focus
divulgado na segunda-feira. Mas essa divulgação ocorreu um dia antes da
movimentação golpista de 7 de setembro, quando mais insegurança foi espalhada pelo
presidente antidemocrata.
A ressaca no mercado de capitais foi severa
na quarta-feira. Até o meio-dia o Ibovespa havia caído 2,92% e chegou a
114.427,74 pontos, enquanto o dólar à vista subira 2,55%, batendo em R$ 5,308,
tudo isso em meio a manifestações dos Poderes Legislativo e Judiciário,
ameaçados no dia anterior pelo presidente e por seus apoiadores.
O susto foi grande, mas episódios desse
tipo têm sido frequentes. O comportamento presidencial, governado por
interesses pessoais e familiares, tem sido um fator constante de insegurança
econômica, de instabilidade financeira, de tensão no mercado cambial e de
pressão inflacionária. O quadro piora quando seguidores do presidente cometem
barbaridades, como ocorreu ainda na quarta-feira, quando bolsonaristas tentaram
invadir o Ministério da Saúde e ameaçaram jornalistas.
Eventos externos, ligados às bolsas do
mundo rico, ao mercado de commodities e à política dos grandes bancos centrais,
também afetam as cotações no Brasil, mas os sustos são produzidos principalmente
por autoridades nacionais, com destaque para o presidente da República.
É difícil perceber, nesse quadro de
confusão, incompetência e insegurança, um estímulo suficiente para elevar o
investimento produtivo a algum nível superior à mediocridade habitual. Com o
início da retomada econômica, o investimento em capital fixo – máquinas,
equipamentos, obras e outros ativos físicos – voltou a 18,2% no primeiro
semestre deste ano, mas no segundo recuou para 15,1% do Produto Interno Bruto
(PIB). A média a partir do ano 2000 tem sido próxima de 18%.
Na zona do euro a média tem sido próxima de
21%. Em muitas economias emergentes, supera 25%. Na China, tem superado 40% do
PIB. Na Índia, em torno de 28%. Nos Estados Unidos, tem oscilado na faixa de
20% a 22%. Nos países mais desenvolvidos a taxa é normalmente menor que nos
emergentes. As economias avançadas, no entanto, já operam a partir de uma base
material e tecnológica muito superior à da maior parte das emergentes e em
desenvolvimento.
Ainda falta um longo percurso para o Brasil
atingir o investimento mínimo necessário para dinamizar sua economia. A meta
governamental tem sido, há muito tempo, algo próximo de 25%. Seria o ponto de
passagem para um novo padrão de crescimento econômico.
Mas ficou mais complicado, há alguns anos,
investir em infraestrutura. As contas oficiais pioraram, a poupança pública
diminuiu e o governo se tornou mais dependente do capital privado para seus
programas. Tornou-se necessário um novo estilo de planejamento e de gestão. A
mudança continua incompleta e seria irrealista esperar novos avanços com
Bolsonaro na Presidência.
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