domingo, 12 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Brasil precisa manter confiança nas instituições

O Globo

A nota de pacificação articulada pelo ex-presidente Michel Temer e emitida na quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro foi humilhante para ele. Dois dias depois das manifestações antidemocráticas e dos discursos golpistas do 7 de Setembro, Bolsonaro não teve saída senão recuar. Por um motivo simples: medo. A expressão “impeachment” e sua irmã gêmea “crime de responsabilidade” voltaram a circular por Brasília. Protestos marcados para hoje prometem manter o tema em pauta.

No dia seguinte às manifestações, a reação firme do Supremo Tribunal Federal (STF), de parlamentares e representantes de diversos partidos demonstrou o vigor da democracia e das instituições brasileiras. Dois Poderes da República — Judiciário e Legislativo — demonstraram não estar dispostos a aceitar nenhum tipo de ameaça de teor golpista do Executivo.

A nota de Bolsonaro pode ter arrefecido os ânimos. Mas ele é conhecido pela instabilidade. O “Jairzinho Paz e Amor”, todos sabem, tem prazo de validade. Diante do que já disse e fez, seu recuo não tem credibilidade. Cedo ou tarde, sobretudo depois da humilhação, tentará dar demonstrações de força diante de uma perspectiva eleitoral que se lhe anuncia, numa leitura generosa, desafiadora.

Dentre os cenários possíveis, o melhor sem dúvida é a realização de eleições no ano que vem, em que todos disputem num clima de paz e liberdade — e o vitorioso assuma seu mandato em janeiro de 2023, seja ele Bolsonaro ou qualquer outro. Se Bolsonaro, porém, continuar a agir contra a democracia, se ensaiar um golpe diante da perspectiva de derrota ou se contestar o resultado com base em teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas, será preciso detê-lo.

Até sexta-feira, repousavam sobre a mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), 131 pedidos de impeachment contra Bolsonaro — o mais vistoso, um “superpedido” com 23 acusações dos mais diversos tipos de crime de responsabilidade. A profusão de acusações contrasta com a indiferença de Lira, que já deu repetidos sinais de não estar disposto a levar a sério a hipótese do impedimento.

Pode haver razões escusas para isso, dada a simbiose do grupo político de Lira com o governo Bolsonaro. Mas há também razões sensatas. Como o brasileiro sabe, o impeachment é um processo traumático, que paralisa o país, acirra a polarização, gera rancor nos perdedores — para quem vira “golpe” —, mas traz também um travo amargo aos eventuais vencedores, cuja ascensão ao poder passa ao largo das urnas.

No clássico sobre o tema, o jurista gaúcho Paulo Brossard (1923-2015) comparava o impeachment a um “canhão de 100 toneladas, pesado, moroso, complicado”, a um “malho gigante de pilão” usado para quebrar uma noz. “Não há estrutura social capaz de suportar o cataclismo político que significa um processo dessa natureza contra a autoridade que concentra em suas mãos a maior soma de poderes na República”, escreveu.

Trata-se de um processo de natureza dupla: criminal e política. O sarrafo a superar é alto: dois terços dos votos na Câmara para apresentar a denúncia; dois terços no Senado para condenar o acusado. Não faltam crimes que possam ser imputados a Bolsonaro — o último, a ameaça de descumprir decisões judiciais. O que falta é, nas palavras do jurista Rafael Mafei, o “elemento político”.

Para barrar o processo, bastaria a Bolsonaro obter o apoio de 172 dos 513 deputados. Na votação mais sensível para ele até agora — a do voto impresso —, somou 229. A emenda foi rejeitada por não alcançar o patamar mínimo de três quintos, exigido pela Constituição, mas Bolsonaro demonstrou força política surpreendente. Mais um motivo para Lira evitar entrar num túnel cuja saída é, de antemão, desconhecida.

A mesma força política funciona a favor de Bolsonaro para deter o segundo mecanismo constitucional que permitiria afastá-lo: uma acusação por crime comum. Ele responde a quatro inquéritos no Supremo, e qualquer um poderia resultar em denúncia. Outra possibilidade seria uma acusação por improbidade administrativa, pelo uso de helicópteros e avião do Estado para participar de evento político. Sem falar nas novas investigações que poderão emergir do relatório final da CPI da Covid.

Acusações por crime comum cabem ao Ministério Público, em especial à Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras, que não tem demonstrado empenho nos processos contra interesses do presidente. Qualquer denúncia que resultasse em afastamento teria, porém, de ser aceita por dois terços da Câmara, onde os mesmos 172 deputados seriam suficientes para barrá-la. Faltaria, novamente, o “elemento político”. Há, por fim, as acusações por crime eleitoral já apresentadas diante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outras que podem surgir, por campanha antecipada. “É difícil o TSE condená-lo por antecipar campanha”, diz o jurista Gustavo Binenbojm. “Não houve lançamento oficial de candidaturas. A jurisprudência do tribunal é muito conservadora.”

Em “O impeachment”, Brossard faz uma descrição que parece ter profetizado Bolsonaro: “Podem os fatos, certos, documentados, notórios, cercados de circunstâncias acabrunhadoras, autorizar, reclamar a acusação de um presidente que, de mil formas, avilta a nação, intranquiliza a sociedade, semeia a insegurança, promove a desordem, desorganiza o trabalho, desestimula a produção, subverte as instituições, causa o pânico”.

Bolsonaro é tudo isso e, decididamente, não é confiável. As instituições, em contrapartida, são, como demonstraram o Supremo e partidos políticos na última semana. Nenhum dos caminhos que elas oferecem para detê-lo ou depô-lo seria indolor. E nenhum teria a legitimidade de uma derrota dele nas urnas, a cada dia mais provável segundo as pesquisas. Mas a mera existência desses caminhos se mostra suficiente para incutir nele o medo e fazê-lo recuar. É nessas instituições — Congresso, Supremo, PGR, TSE e todo o resto — que o brasileiro precisa depositar sua confiança para superar as novas crises que certamente hão de vir.

Mais que barulho

Folha de S. Paulo

Golpismo e desgoverno de Bolsonaro têm efeito direto em inflação e desemprego

Se já era difícil recuperar empregos em meio à desconfiança geral com os rumos da política econômica, qualquer chance de melhora nas condições sociais fica ainda mais prejudicada pela baderna institucional patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Desde que o governo foi ao ataque na agenda populista com vistas às eleições, o risco de descontrole das finanças públicas já levava o dólar e os juros às alturas e alimentava a inflação.

Até poucos meses atrás, a perspectiva de superação da pandemia e reabertura consistente indicava que 2022 poderia ser um ano positivo. Entretanto as expectativas se deterioraram rapidamente.

As projeções atuais para a alta do Produto Interno Bruto no ano eleitoral, na casa de já sofríveis 2%, devem cair mais com o aperto nas condições financeiras e o risco de racionamento de energia.

O problema da inflação, hoje, é gravíssimo. Mesmo sob condições dramáticas no mercado de trabalho, com taxa de desemprego na casa dos 14%, a inflação nos 12 meses encerrados em agosto chegou a 9,68%, demasiado acima da meta de 3,75% fixada para este 2021.

Os preços de alimentos, energia e combustíveis disparam e oneram principalmente os mais pobres.

A necessidade de resposta do Banco Central indica que a taxa básica de juros chegará a 8% no final do ano, mas em prazos mais longos o custo do dinheiro supera 10%. Esse é o canal que interrompe investimentos e joga novamente o país no risco recessivo.

A desconfiança do setor privado aumentava mesmo antes dos arroubos presidenciais do Dia da Independência. Além da tentativa de expandir gastos, a desarticulação do governo levou à aprovação na Câmara dos Deputados de uma péssima mudança do Imposto de Renda, e soluções temerárias para os precatórios estão em discussão.

Não há coordenação política digna desse nome, e os técnicos da pasta da Economia se limitam a minimizar danos —os vindos do Congresso e também os decorrentes da desorientação gerencial do ministro Paulo Guedes.

A claudicante agenda de reformas e privatizações dá origem a projetos de má qualidade, como se viu na preparação da venda do controle da Eletrobras.

Nesta sexta-feira (10), Guedes enfim reconheceu o óbvio —que o “barulho” produzido por Bolsonaro pode prejudicar a economia do país. Em bom português, o presidente não apenas atenta contra a democracia como faz com que mais brasileiros permaneçam na pobreza e no desemprego.

A próxima guerra

Folha de S. Paulo

Saída do Afeganistão fecha 20 anos de conflitos do 11/9; mundo continua perigoso

Efemérides raramente suscitam algo mais do que uma oportunidade para reflexão, mas os devastadores ataques do 11 de Setembro, por decisão política e alguma ironia histórica, encontram neste 2021 um incomum fecho real de ciclo.

A retirada norte-americana do Afeganistão, atabalhoada como foi, coroou a derrota para o Talibã, construída quando uma punição justa a um regime que protegia terroristas tornou-se uma guerra permanente e difusa.

O combate à ameaça justificou uma degradação nas liberdades que lançou o mundo em uma era de conflito perene acerca da inviolabilidade individual —da tesoura que não podemos carregar num avião a leis de proteção de dados, tudo remonta ao impacto daquele atentado 20 anos atrás.

Incluam-se efeitos sistêmicos na indústria energética, a partir da farsa da Guerra do Iraque sob pretexto de combate ao terrorismo.

Essas eram tendências que provavelmente se materializariam de uma forma ou de outra, mas são raros os fatos com dia e hora na história a marcar tais transições.

As guerras do 11 de Setembro tiveram enorme custo: talvez 800 mil vidas em todos os países nelas envolvidos, fora os US$ 8 trilhões aferíveis apenas em gastos diretos americanos, segundo estudo da Universidade Brown (EUA).

No retrovisor geopolítico, a ofensiva foi desastrosa para Washington. Enquanto se engalfinhavam em uma luta para a qual não tinham sido preparadas, as forças da maior potência militar da história viram sombras se avolumarem.

A ascensão da China a ameaça estratégica número 1 aos EUA, nas palavras do presidente Joe Biden, não passou despercebida.

Mas o desengajamento do poderio aplicado ao Afeganistão em favor de uma estratégia de contenção asiática, proposto em 2011 por Barack Obama, só agora começa a andar, girando em torno de aliados como Japão, Índia e Austrália.

Na Europa, a saliência militar da Rússia é tema cotidiano, com potencial para converter-se em questão global se a relação entre o Kremlin e a China se aprofundar.

Biden tenta operar com realismo, o que leva ao abandono do conceito de “guerra justa”, criado quando os inimigos eram nazistas e aplicado ao bel-prazer do Ocidente nas intervenções a partir dos anos 1990.

Os EUA buscam requalificar a ideia de uma guerra, deixando o termo para conflitos entre potências. Enquanto isso, seguirá atacando terroristas e adversários, e esses permanecerão como parte da paisagem. O mundo continua um lugar perigoso, talvez ainda mais.

Retrato do patrimonialismo

O Estado de S. Paulo

Se o cidadão, enquanto contribuinte, deseja um processo orçamentário em que se veja representado, precisa se valer de seus poderes de eleitor em 2022

O patrimonialismo tem muitas faces. A mais corrosiva é, tautologicamente, a corrupção, que degrada cronicamente a credibilidade da classe política com a população, criando as condições para a ascensão das ameaças mais agudas à democracia: os populismos e autoritarismos. Mas, além desse elemento criminal, há as formas institucionalizadas do patrimonialismo, como a cooptação de órgãos de Estado a serviço dos interesses dos governantes de turno ou a normalização de privilégios corporativos, como regalias trabalhistas ao funcionalismo ou subsídios e isenções fiscais a grupos empresariais.

Outra faceta, que se alastra pelo Legislativo, é a captura do orçamento público por meio de emendas parlamentares para servir prioridades eleitorais e paroquiais dos congressistas. A metástase foi radiografada em artigo dos economistas Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi para a revista Conjuntura Econômica.

Até 2015, a execução de emendas parlamentares individuais dependia da disponibilidade de recursos. Então, foi constitucionalizada uma cota mínima de 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) para essas emendas. Em 2019, a dose de emendas obrigatórias foi ampliada em uma cota de 1% da RCL para as bancadas estaduais. No mesmo ano, permitiu-se o uso de emendas individuais para transferir diretamente dinheiro para Estados e municípios sem vinculação a projetos predeterminados.

O maior retrocesso veio em 2020, quando foi ressuscitada a “emenda de relator” – que serviu aos “anões do Orçamento”, em 1993 –, dando ao relator do Orçamento poder para alterar grandes parcelas das dotações. Finalmente, o Orçamento de 2021 conferiu às bancadas estaduais a possibilidade das transferências diretas – o chamado “orçamento secreto”.

Idealmente, apontam os autores, as emendas deveriam respeitar três requisitos: “1) não comprometer a qualidade do Orçamento; 2) atender a uma lógica coletiva; e 3) ser objeto de escrutínio público. Nenhuma das condições está sendo obedecida atualmente”.

Hoje, as emendas abarcam 15% das despesas não obrigatórias da União e 51% de todos os seus investimentos. Dos R$ 34 bilhões reservados às emendas, metade é do relator. “Isso configura um enorme poder discricionário, na mão de um grupo muito reduzido de parlamentares, representando uma certa ‘casta’.”

Sob alegação de falta de recursos, não foram incluídas no Orçamento de 2021 políticas públicas como o Censo Demográfico, quando seu custo seria apenas 6% do valor das emendas. Investimentos de menor apelo eleitoral, mas cruciais para a produtividade e o crescimento, como em infraestrutura ou ciência e tecnologia, são preteridos em favor de alocações pulverizadas, arbitrárias e quase impossíveis de fiscalizar.

O poder de elaboração orçamentária do Parlamento é essencial ao processo de negociação política entre os poderes eleitos. Mas a pilhagem do Orçamento por carteis parlamentares, em especial o do relator do Orçamento, é um simulacro pernicioso do que deveria ser essa transação. Embriagados por seus votos, tanto Dilma Rousseff quanto Jair Bolsonaro se recusaram a montar um governo de coalizão que refletisse a representação conferida pelos eleitores às bancadas do Congresso. Mas tão logo a credibilidade de seus governos foi derretida pela sua inépcia e escândalos de corrupção, eles passaram a lotear sofregamente as prerrogativas orçamentárias do Executivo para se sustentar no Planalto.

Apesar de tudo, a cultura política nacional tem reservas suficientes para afirmar que o interesse público não está desamparado ante a voracidade patrimonialista. Nas últimas décadas, o País institucionalizou diversas ferramentas de qualificação da gestão fiscal, notadamente o teto de gastos. Tal como a recente degradação dos instrumentos orçamentários resultou de más escolhas eleitorais, ela pode ser revertida nas urnas. Se os cidadãos, enquanto contribuintes, desejam um processo orçamentário em que se vejam representados e informados, precisam se valer de seus poderes enquanto eleitores em 2022.

A afoiteza da Câmara

O Estado de S. Paulo

Tal como foi aprovado, novo Código de Processo Eleitoral é um desserviço à Nação

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 9 passado o texto-base do Projeto de Lei Complementar 112/2021, que institui o Código de Processo Eleitoral. A pretexto de reunir em um só diploma legal uma miríade de normas esparsas que regulamentam desde a divulgação de pesquisas eleitorais até a prestação de contas dos partidos políticos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o projeto, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), virou um calhamaço de mais de 900 artigos que passou longe, muito longe, da tramitação responsável que um tema dessa envergadura requer.

A afoiteza da tramitação do projeto na Câmara, que custou tão caro ao bom debate democrático, pode ser explicada por duas razões, uma umbilicalmente ligada à outra. A aprovação de uma nova legislação eleitoral que afrouxasse os mecanismos de responsabilização dos parlamentares e dos partidos políticos foi uma promessa feita pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) a seus pares durante a campanha que, por fim, o alçou à presidência da Casa, em fevereiro deste ano. E Lira só a fez, por óbvio, porque conhece muito bem o seu eleitorado e sabe que a matéria tem o apoio da maioria das legendas. Basta ver que o regime de urgência para tramitação do Código de Processo Eleitoral foi aprovado por 322 votos a 139. Já o texto-base, por margem ainda mais folgada: 378 votos a 80.

Os deputados agora analisam os chamados destaques, alterações pontuais que são propostas ao projeto original. Prevê-se que a Câmara vote estes destaques no decorrer da próxima semana, quando, ao fim, o projeto seguirá para deliberação do Senado. Essas duas próximas etapas são fundamentais para o resguardo do melhor interesse público. O novo Código de Processo Eleitoral tem muitos pontos a serem corrigidos, ou até mesmo eliminados do projeto, seja pelos próprios deputados, durante a votação dos destaques, seja pela revisão da Câmara Alta.

Um dos pontos mais nocivos ao interesse público, sem dúvida, é a autonomia inaudita que os partidos políticos terão sobre os bilionários recursos do Fundo Partidário, que nem sequer deveria existir. O texto-base não só submete o uso de recursos públicos à absoluta discricionariedade das lideranças partidárias, como dificulta, e muito, a análise da prestação de contas pelo TSE. Com o dinheiro do Fundo Partidário, por exemplo, partidos políticos poderão comprar bens móveis e imóveis, além de realizar “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido”. Vago como se lê, esse dispositivo pode significar qualquer coisa. O que, afinal, é de “interesse partidário”. E quem, ao fim e ao cabo, diz que é? Os próprios interessados.

Não bastasse a liberdade para gastar os bilhões do Fundo Partidário, a prestação de contas à Justiça Eleitoral também sofrerá enormes reveses caso o Código de Processo Eleitoral entre em vigor tal como consta no texto-base. Os deputados reduziram de cinco para dois anos o prazo do TSE para analisar as contas partidárias, “sob pena de extinção do processo”. A bem da verdade, o TSE já falha miseravelmente em cumprir o prazo de cinco anos. A redução para dois anos significa, portanto, tornar letra morta a obrigatoriedade de prestação de contas pelos partidos políticos.

O Código de Processo Eleitoral também representa um abrandamento da Lei da Ficha Limpa. O prazo de inelegibilidade dos condenados com base na lei permanece em oito anos, mas o tempo passa a ser contado a partir da data da condenação, e não mais do término do cumprimento da pena.

Um dos poucos pontos positivos da nova legislação eleitoral, a quarentena de cinco anos para que militares das Forças Armadas e das Polícias Militares, promotores de Justiça e juízes possam disputar eleições, a partir do pleito de 2026, foi derrubado em um dos destaques já votados. É de suma importância manter cargos de Estado a salvo de interesses de natureza político-eleitorais.

Para valer em 2022, o projeto precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado por Jair Bolsonaro até outubro. Talvez não haja tempo para isso. O prazo exíguo é aliado da sociedade, mas será muito importante que o projeto não entre em vigor tal como está não pelo decurso do prazo, mas pela ação do Senado como Casa revisora.

Sem potencial para crescer

O Estado de S. Paulo

Insegurança criada por Bolsonaro torna difícil aumentar a capacidade produtiva

Sem governo, sem segurança econômica e sem investimento produtivo, o Brasil está condenado a repetir o desempenho pífio dos últimos anos, alternando a rotina da estagnação com alguns voos de galinha. Não há crescimento firme e prolongado sem expansão e modernização do parque de máquinas e equipamentos, sem novas construções, sem melhora da infraestrutura e sem formação de mão de obra competente, produtiva e capaz de se atualizar. Mas o maior obstáculo ao fortalecimento econômico do Brasil está no Executivo federal. Incompetente, irresponsável e insistentemente golpista, o presidente Jair Bolsonaro gera instabilidade, assusta os mercados, torna o horizonte nebuloso e condena o País à estagnação.

Empresários aplicam dinheiro em máquinas, equipamentos e obras quando esperam prosperidade, lucros e novas oportunidades para multiplicar seu capital. Nesse movimento, o emprego se expande, mais salários são pagos, o consumo cresce e aumentam os estímulos à produção. Nada parecido com isso tem surgido no horizonte do Brasil. Se nenhum novo tropeço ocorrer, o Brasil terminará este ano fora do buraco onde afundou em 2020. Para 2020 a expectativa é de mísero crescimento de 1,93%, segundo o boletim Focus divulgado na segunda-feira. Mas essa divulgação ocorreu um dia antes da movimentação golpista de 7 de setembro, quando mais insegurança foi espalhada pelo presidente antidemocrata.

A ressaca no mercado de capitais foi severa na quarta-feira. Até o meio-dia o Ibovespa havia caído 2,92% e chegou a 114.427,74 pontos, enquanto o dólar à vista subira 2,55%, batendo em R$ 5,308, tudo isso em meio a manifestações dos Poderes Legislativo e Judiciário, ameaçados no dia anterior pelo presidente e por seus apoiadores.

O susto foi grande, mas episódios desse tipo têm sido frequentes. O comportamento presidencial, governado por interesses pessoais e familiares, tem sido um fator constante de insegurança econômica, de instabilidade financeira, de tensão no mercado cambial e de pressão inflacionária. O quadro piora quando seguidores do presidente cometem barbaridades, como ocorreu ainda na quarta-feira, quando bolsonaristas tentaram invadir o Ministério da Saúde e ameaçaram jornalistas.

Eventos externos, ligados às bolsas do mundo rico, ao mercado de commodities e à política dos grandes bancos centrais, também afetam as cotações no Brasil, mas os sustos são produzidos principalmente por autoridades nacionais, com destaque para o presidente da República.

É difícil perceber, nesse quadro de confusão, incompetência e insegurança, um estímulo suficiente para elevar o investimento produtivo a algum nível superior à mediocridade habitual. Com o início da retomada econômica, o investimento em capital fixo – máquinas, equipamentos, obras e outros ativos físicos – voltou a 18,2% no primeiro semestre deste ano, mas no segundo recuou para 15,1% do Produto Interno Bruto (PIB). A média a partir do ano 2000 tem sido próxima de 18%.

Na zona do euro a média tem sido próxima de 21%. Em muitas economias emergentes, supera 25%. Na China, tem superado 40% do PIB. Na Índia, em torno de 28%. Nos Estados Unidos, tem oscilado na faixa de 20% a 22%. Nos países mais desenvolvidos a taxa é normalmente menor que nos emergentes. As economias avançadas, no entanto, já operam a partir de uma base material e tecnológica muito superior à da maior parte das emergentes e em desenvolvimento.

Ainda falta um longo percurso para o Brasil atingir o investimento mínimo necessário para dinamizar sua economia. A meta governamental tem sido, há muito tempo, algo próximo de 25%. Seria o ponto de passagem para um novo padrão de crescimento econômico.

Mas ficou mais complicado, há alguns anos, investir em infraestrutura. As contas oficiais pioraram, a poupança pública diminuiu e o governo se tornou mais dependente do capital privado para seus programas. Tornou-se necessário um novo estilo de planejamento e de gestão. A mudança continua incompleta e seria irrealista esperar novos avanços com Bolsonaro na Presidência.

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