terça-feira, 21 de setembro de 2021

Maria Clara R. M. do Prado - Inflação ou emprego?

Valor Econômico

Não há muita margem de manobra para atuar sobre o câmbio, que tem puxado a inflação para cima

À medida que a pandemia da covid-19 começa a dar sinais de arrefecimento, com a queda no nível dos contágios, os bancos centrais deparam-se com um crucial dilema: o que priorizar nesta fase de transição em que as economias ainda não recuperaram as taxas de crescimento anteriores a 2020, o estímulo ao emprego ou o combate à inflação?

A dúvida surgiu nos últimos meses quando o mundo se deparou com um rápido e intenso aumento nos preços de produtos que afetam o bolso dos consumidores, em especial dos desempregados. A questão tomou conta dos debates entre acadêmicos, ganhou a manchete dos jornais e está intimamente inserida nas reflexões dos dirigentes dos bancos centrais.

Em alguns circuitos, tem sido revisitada a crise econômica que afetou o mundo entre meados da década de 60 e início dos anos 80, a partir do significativo aumento nos preços do petróleo, com reflexos na inflação, associada a altos níveis de desemprego. Tenta-se com isso estabelecer algum tipo de comparação com o que tem ocorrido hoje.

Naquela época, os Estados Unidos passaram por uma severa estagflação, provocada por grandes equívocos na condução da política econômica no governo Nixon. “A grande inflação”, como ficou conhecida, saiu de uma taxa inflacionária de 1% e desemprego de 5% em 1964, para uma inflação acima de 12% e desemprego de mais de 7% em 1974. Em meados de 1980, a inflação americana anual chegou a 14,5%, enquanto que o desemprego excedia a taxa de 7,5%. Os preços só cederam com o arrocho monetário colocado em prática a partir de 1979, quando Paul Volcker assumiu a presidência do Fed.

Quem quiser conhecer em detalhes os acontecimentos daquele período, deve ler o paper “The Great Inflation” 1965 - 1982, de Michael Bryan. Pode ser encontrado na página federalreservehistory.org

No mundo pós-pandemia, a inflação mostra suas garras por vários motivos, desde o aumento dos preços do petróleo e do gás, que afeta os preços dos transportes, da energia e dos alimentos, até a interrupção no fornecimento de insumos, peças e equipamentos que demora em se recompor.

Com índice de preços ao consumidor (CPI) integral (contempla todos os produtos) na faixa de 5,3% em agosto, no acumulado de doze meses, e uma taxa de desemprego da ordem de 5,2%, a economia dos Estados Unidos está bastante pressionada. O núcleo do CPI (descontados os efeitos dos preços dos alimentos e da energia) ficou em 4%, o dobro da meta do Fed de 2% de inflação ao ano, ao longo do tempo.

Do mesmo modo, a economia na zona do euro tem sofrido o impacto dos preços do gás que triplicaram na região, agravado pelos baixos estoques de energia. Alguns analistas já projetam inflação anual, integral, ao redor de 4%.

Também no Reino Unido, os preços estão em alta. Em agosto, o CPI usado de referencial para a meta de inflação (2%) subiu 3,2%, medido em doze meses. Foi o maior aumento do índice anual captado em um mês em comparação com o anterior (em julho, o CPI variou em 2,1%) da história das estatísticas nacionais desde janeiro de 1997.

O Fed, o BCE e o Bank of England têm falado a mesma língua, a de que o atual aumento da inflação é um fenômeno temporário. O BIS, Banco Internacional de Compensação, o banco central dos bancos centrais, na sua revista trimestral divulgada ontem, entrou no debate. No paper dedicado ao tema - “Monetary Policy, Relative Prices and Inflation Control: Flexibility born out of Success” - diz que o aumento de preços não está disseminado e destaca a flexibilidade da política monetária para lidar com situações transitórias de alta da inflação.

O ponto básico seria a credibilidade dos bancos centrais no manejo das expectativas. Ainda mais no momento em que as autoridades monetárias estão sentadas em pilhas de ativos adquiridos no mercado para estimular a economia a partir da crise de 2008, uma política reforçada no ano passado com a pandemia.

Em algum momento, enquanto avaliam o trade-off entre emprego e inflação, terão de definir um futuro para a política de estímulo monetário. Por enquanto, parecem priorizar o crescimento.

No Brasil, o tema da inflação ganha contornos muito específicos. Com o real sob pressão e os juros de curto prazo em ritmo de alta, o Banco Central do país tem uma árdua tarefa pela frente para manter a variação de preços dentro das margens da meta em uma conjuntura que reúne acontecimentos nefastos e uma perspectiva nada promissora.

Por enquanto, está bem longe de garantir a meta de 3,75% com tolerância até 5,25% por ano. No acumulado de doze meses, até agosto, o IPCA alcançou alta de 9,68%, com as projeções do mercado mantendo-se no viés pessimista. Em comparação com os seus colegas do Hemisfério Norte, o presidente do BC brasileiro tem uma tarefa ainda mais árdua pela frente, uma vez que não dispõe de bala na agulha para operar em sintonia fina o dilema entre emprego e inflação.

Emissor de uma moeda não conversível, que funciona atrelada ao dólar, não há muita margem de manobra para atuar sobre o câmbio, que tem puxado a inflação para cima, em conjugação com a alta do petróleo que alimenta o preço da energia elétrica e pesa em todos os principais produtos do IPCA. Além disso, há o azar da seca que drena os reservatórios e afeta as lavouras, além do infortúnio de trabalhar em um governo que gosta de estimular a crise política. Pelo menos, tem hoje a liberdade para aumentar as taxas de juros quando necessário, uma vantagem fundamental assegurada pela lei de independência do BC, finalmente sancionada no início deste ano.

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