O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro, do Brasil, é o único
presidente do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) que não tomou
nenhuma dose contra a covid-19, empurrou ministros a se vacinarem escondido e
recorre aos seus “sentimentos” para induzir o ministro da Saúde, Marcelo
Queiroga, a suspender a imunização de adolescentes, conclamando pais e mães a
não vacinarem seus filhos. Um espanto!
Mais espantoso ainda pode ser o discurso de Bolsonaro hoje, na abertura da Assembleia-geral da ONU, em Nova York: o mesmo presidente que se recusa a se vacinar e faz campanha contra imunização de adultos e de adolescentes vai fazer oba-oba com os números da vacinação no Brasil? E acenar com exportação de vacinas para a América Latina?
Não está claro que personagem prevalecerá
ali, falando para o mundo. O Jair, obstinado guerreiro contra vacinas, máscaras
e isolamento social, alvo de uma CPI entupida de provas, documentos, relatos,
vídeos e fotos e capaz de dizer as maiores barbaridades sobre tudo? Ou o
Bolsonaro que lê, balbuciante e a contragosto, discursos que assessores e
diplomatas escrevem, assim como assinou um manifesto escrito por Michel Temer,
propondo trégua e equilíbrio?
O Brasil racional e os governos relevantes
ao redor do mundo já conhecem de cor e salteado os “sentimentos” do presidente
e certamente saberão separar o que é real e o que é empurrado para Bolsonaro
ler, mas quem já frequentou o “cercadinho” do Alvorada, gritando “mito, mito”,
fazendo selfies e apoiando a baboseira pode ficar confuso. Quem é esse na ONU?
Deve ser o do “manifesto do Temer”, pensarão.
Se haverá dois Bolsonaros no púlpito da
ONU, serão também dois Brasis. Um será o do discurso do presidente, gabando-se
da aplicação de 222 milhões de doses de vacina do País e 80,5 milhões de pessoas
totalmente imunizadas, discorrendo sobre o combate ao desmatamento e a
preservação da Amazônia, relatando maravilhas sobre a recuperação econômica, o
auxílio emergencial e o “novo” Bolsa Família.
O outro Brasil, o real, é um bocado
diferente: a vacinação só começou por pressão popular e competição com o
governador de São Paulo, só 38,1% da população recebeu duas doses ou a dose
única da Janssen, o desmatamento e as queimadas na Amazônia batem recorde sobre
recorde, as reservas indígenas são constantemente ameaçadas e a economia… Bem,
quedas seguidas nas projeções de crescimento, disparada de inflação e juros,
desemprego desesperador, miséria desoladora.
Se os dois presidentes e os dois Brasis têm
apoios para um lado e para o outro, isso também ocorre com a própria comitiva
de Bolsonaro em sua terceira ida a Nova York para abrir a assembleia anual da
ONU. Diplomatas e os “pragmáticos” (até onde exista essa espécime no governo)
insistem e torcem para ele incorporar o Jair do manifesto e falar com moderação,
realismo e elegância. Assessores diretos e os “ideológicos”, ao contrário,
atiçam para ele chutar o pau da barraca, coerente com o do “cercadinho”. E seja
o que Deus quiser.
Já os vexames são um caso à parte.
Bolsonaro disse aos jornalistas que faria o
discurso “em braile” (formato de texto para deficientes visuais) e ninguém
entendeu nada. Será que ele confundiu com braile com libras (linguagem para
deficientes auditivos)? Ou foi só mais uma brincadeirinha de mau gosto, no
lugar errado e na hora errada?
E que tal o presidente da República comendo
pizza de pé na calçada com ministros e subordinados, porque não se vacinou e
não pode entrar em restaurante nenhum? Há quem ache o máximo um presidente que
usa copo de geleia para receber autoridade estrangeira, come sozinho no
bandejão de Davos, não põe máscara e conta piadas de quinta em audiências com
chefes de Estado. Mas há controvérsias. E o fato é que cada país tem o
presidente que merece.
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