O Globo
O presidente Bolsonaro fala hoje na
Assembleia Geral da ONU, mas o que os líderes mundiais ouvirão deve ser a
versão de uma realidade paralela, a dele. Isolado na comunidade internacional,
com a reputação tão em baixa lá fora quanto a popularidade aqui dentro, seu
discurso (se não foi o Temer, quem será que escreveu?) vai caprichar na
retórica.
Ele poderá afirmar que a vacinação avançou
nos últimos meses. Mas jamais informará que poderia estar muito melhor se o
governo não tivesse feito campanha contra (duvido que tenha coragem de
confessar que chegou a dizer que quem tomasse vacina corria o risco de virar
jacaré).
Os participantes da Assembleia também ficarão sem saber que, de negacionista, seu governo passou a “negocionista”. Para isso, precisariam ouvir uma citação do presidente da CPI da Covid. Impressionado com aquilo de que tomou conhecimento nestes cinco meses de apuração, o senador Omar Aziz desabafou longe dos microfones: “Se estivesse aqui, Al Capone ficaria corado de vergonha”. Como conhecem bem a fama do personagem citado, compreenderiam a situação do Brasil atual.
No relatório final da CPI da Covid, o
presidente aparecerá como autor de sete crimes, tipificados por um grupo de
importantes juristas. Entre as transgressões estão crimes contra a humanidade,
prevaricação, responsabilidade pelas violações de garantias individuais,
infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo (fez propaganda de
medicamentos ineficazes), incitação ao crime ao estimular a população a
aglomerar e a não usar máscara.
Bolsonaro foi eleito com a bandeira de
combate à corrupção e até hoje continua afirmando, sem corar, que no seu
governo ela não existe. Mas a cada dia um membro da família se encarrega de
desmenti-lo. Recentemente foi a vez de Ana Cristina Valle, sua ex-mulher, mãe
de Jair Renan, o Zero Quatro, filho caçula de Jair Messias, e ex-chefe de
gabinete de Carlos, o Zero Dois.
Os sigilos do vereador e dela foram
quebrados num inquérito que apura a existência de auxiliares-fantasmas no
gabinete do parlamentar, assim como a prática das famosas rachadinhas (se algum
repórter americano perguntar ao presidente o que é isso, ele responderá:
“pergunta à sua mãe”). Segundo um ex-funcionário da família — ou famiglia —, Ana Cristina
ficava com 80% do seu salário. Outra inconfidência é que a mansão em que ela
mora com o filho, numa área nobre de Brasília, está registrada em nome de um
laranja.
Imagina se chega à ONU a informação de que
o serviço de checagem Aos Fatos atualizou seus números em relação a Bolsonaro e
chegou a este resultado: em 990 dias como presidente, ele deu 3.886 declarações
falsas ou distorcidas. Ele não esconde sua simpatia: “Fake news faz parte de
nossa vida. Quem nunca contou uma mentirinha para a namorada?”. Estavam numa
solenidade no Planalto e, ao perceber a gafe, acrescentou, mentindo mais uma
vez: “Eu nunca menti para a dona Michelle”.
Além de tudo, o mito é mitômano.
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