terça-feira, 21 de setembro de 2021

Carlos Andreazza - O imposto Guedes

O Globo

Paulo Guedes disse que o advento da reeleição consistira no “maior erro político do país”. O desejo por continuidade criaria uma “fixação”. Está certo.

O ministro domina a dinâmica engessadora dos quatro anos, cujo efeito paralisante — acresço — será agravado pela incompetência. O primeiro ano, vento a favor, aquele em que se poderia fazer algo. O segundo, atrapalhado pelas eleições municipais, especialmente fatal — acrescento — para os improvisadores. O terceiro, achatado, seria o do acúmulo, de promessas e de frustrações, um represamento do que não se materializou pressionado pela projeção do quarto ano, o das eleições, em que nada se produz.

Guedes sabia onde entrava. Saberia também, não fosse expoente de uma espécie de liberal exclusivamente econômico, da impossibilidade política de realizar — ainda que fosse capaz de formular políticas públicas, negociá-las e executá-las (e não é) — sob Bolsonaro, um gerador contínuo de instabilidades que, em campanha constante por permanecer no poder, abriu 2022 já em 2019.

Isso nunca o impediu de prometer, o que resultaria na erosão corrente de sua palavra — sujeito desprovido de experiência em administração pública, de súbito posto a comandar ministério que reunira cinco pastas. Um ministro da Economia que, se avaliando competente, avaliou ser possível reformar estruturalmente o Estado sobre um chão imprevisível cuja inconstância é produto do presidente da República. Produto: gasolina a 7 guedes.

Diga-se que Guedes nem sempre considerou ruim a perspectiva de reeleição. Em maio, declarou à Folha: “Agora vem eleição? Nós vamos para o ataque”. Pretendia atacar. Projetava um segundo semestre de 2021 excelente, quem sabe com o crescimento em V, este duende, afinal sorrindo ao trabalhador, em que estariam plantadas as condições para bancar a reeleição. O ímpeto era por dirigir a agenda do ministério de todo para a campanha do chefe.

O mundo real, porém, impôs-se. Ele — que celebrava o imposto inflacionário — viu que não seria tão fácil, o BC independente (mas cujo presidente participa de encontros de Bolsonaro com empresários), talvez acreditando nas palestras do ministro, errando a mão... A inflação de meados do ano, a que aumentaria o pé-direito do teto de gastos, sendo a mesma que, ao não ceder, comeria o espaço fiscal festejado de véspera. (Celebração precoce derivada da mesma ciência — talvez obra de Osmar Terra — que fizera essa galera técnica decretar que a peste entraria em 2021 com efeitos arrefecidos; leitura que resultou no fim do auxílio emergencial a partir de janeiro e por quatro, os piores, meses.)

O mundo real se impôs. O medo agora sendo de a tia do zap, ao sair da próxima manifestação golpista, encontrar o tomate a 20 guedes. E então aquela radiografia detalhada do tempo do mandato, com a natureza tortuosa de cada ano, mas que não impediria Guedes de atacar, virou desculpa. Para o mercado e para Bolsonaro. Antes fosse apenas o novo Bolsa Família. A conta pactuada abarca o conjunto de gastos discricionários que — prometido para o ano eleitoral — amarra a sociedade do governo com Ciro Nogueira e seus liras.

Surgem os meteoros. O ministro pego de surpresa, como se não houvesse os alertas dos órgãos de advocacia da União. Os R$ 90 bilhões em precatórios — e a impossibilidade, meu pai Fux!, de um orçamento sob tal mordida, como se em curso não estivesse (e garantida para 22) a pirataria do orçamento secreto. Vêm as chantagens: sem o calote nas dívidas, não haveria dinheiros para o salário dos servidores; sem o calote nas dívidas, faltariam os recursos para comprar novas doses de vacina. (Com ou sem calote, assegurada está a ilha dos militares.)

Afinal, a jogada mais recente: o golpe do IOF, estabelecimento de fato consumado (à custa do cidadão ferrado cujo crédito será encarecido) que, se escudando no cumprimento da regra eleitoral, empurra toda a carga de responsabilidades futuras para Congresso e Supremo.

O Planalto resolve 2021, ano em que há margem no teto, daí por que a única pendência seria respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal: definir a contrapartida para a nova despesa; medida que se pôde baixar sem precisar de atividade parlamentar. Pronto. E então se terá, a partir de novembro, o Bolsa Família turbinado, com base maior e valor ampliado — condição assegurada para dois meses.

Programa que, tudo o mais constante, avançaria para 2022 sem espaço fiscal — e sem fonte pagadora — para existir. Em janeiro, pois, o apagão... O Ministério da Economia botando, sem constrangimento, a faca no pescoço de Judiciário e Legislativo para que, sob o risco de ser os que tiram dos mais pobres, resolvam o problema que Guedes e turma não foram capazes de solucionar.

O ministro está no ataque, emparedando os outros à paternidade da gambiarra. Se não for a PEC do Calote, que seja um teto para precatórios sob o teto solar de gastos. O “barulho Guedes” compõe o custo Bolsonaro. É com atraso que os economistas praticam a “rolagem da desgraça”. A galera precifica o 7 de Setembro permanente. A desgraça que se rola é esse arranjo conservador-liberal, expressão do casamento entre ordem e progresso — o fiscal condenado, o povo abaixo de todos.

 

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