EDITORIAIS
Apoio à democracia é alento no Brasil sob
Bolsonaro
O Globo
Os brasileiros continuam a ser a fortaleza a dar sustentação à democracia. A
última pesquisa de opinião do Datafolha, feita em todo o país após as
manifestações golpistas do 7 de Setembro, dá a dimensão de como o sentimento
democrático tem crescido entre os brasileiros — um alento num país governado
por um presidente que já demonstrou repetidas vezes não ter muito apreço por
ele. Para 70% dos entrevistados entre os dias 13 e 15 deste mês, a democracia é
o melhor regime de governo para o país.
É o segundo maior percentual registrado
desde que o Datafolha começou a fazer a pergunta, em 1989. Quando Jair
Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2018, o apoio à democracia estava em 56%.
Num clássico exemplo de ação e reação, os discursos e atos antidemocráticos de
Bolsonaro levaram a ampla maioria dos brasileiros a valorizar ainda mais a
liberdade de escolher nas urnas eletrônicas quem governa o Brasil.
Na questão mais crítica para avaliar o apoio
ao regime democrático, caiu para 9% a parcela daqueles que acreditam que, em
certas circunstâncias, uma ditadura poderia ser melhor. É o nível mais baixo da
série histórica e quase metade do registrado nos primeiros meses do atual
governo. A maioria silenciosa não vai a protestos nas ruas, mas está atenta.
Para 51% há a chance de nova ditadura — e é justamente esse receio que
impulsiona a valorização da democracia.
Quando critica o voto eletrônico, Bolsonaro só quer criar um pretexto para questionar o resultado em caso de derrota em 2022, sob a falsa acusação de fraude. Mas a campanha autoritária bolsonarista, disfarçada de libertária, só engana os incautos. Dois terços acham que as manifestações e as mensagens nas redes sociais pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) ameaçam a democracia.
O brasileiro está hoje entre os povos com
maior sentimento democrático, revela outra pesquisa, feita em 53 países entre
fevereiro e abril, sob encomenda da Aliança de Democracias, com sede na
Dinamarca. O Brasil está no grupo de 17 países onde ao menos 85% da população
acredita que a democracia é importante. Também aparece entre as nações em que
mais de 50% deseja que a democracia aumente. Ao mesmo tempo, no relatório deste
ano do sueco Instituto V-Dem, o Brasil é destaque como um dos lugares onde o
cerceamento à democracia é mais dramático.
Logo depois das manifestações do 7 de
Setembro, Bolsonaro — mais por conveniência que convicção — deu uma guinada e,
numa iniciativa capitaneada pelo ex-presidente Michel Temer, divulgou uma carta
pregando paz entre as instituições. Apesar disso, 56% dos entrevistados pelo
Datafolha ainda apoiam um processo de impeachment do presidente. O apoio sobe
para 76% na eventualidade de Bolsonaro cumprir a promessa de não obedecer à
Justiça.
Quando pôs tanques na Praça dos Três Poderes, ele quis intimidar o Congresso. Quando orquestra sua milícia on-line contra as instituições, quer tê-las sob o seu domínio. Mas os desvarios de Bolsonaro só agradam aos fanáticos. A pesquisa Datafolha mostra, de forma incontestável, que as instituições não têm o respaldo somente da Constituição na defesa contra o golpismo do presidente. Estão amparadas num amplo e sólido apoio popular à ordem democrática.
Nova rodada de privatização de aeroportos
atrairá investimentos
O Globo
O governo levará hoje a consulta pública o edital da sétima e última fase da
privatização dos aeroportos brasileiros. Serão vendidos três blocos com 16
terminais, entre eles Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio.
Trata-se de notícia excelente. A venda atrairá os investimentos necessários
para modernizar a infraestrutura aérea, essencial ao desenvolvimento. Como em
toda privatização, porém, será necessário tomar cuidado com o modelo adotado
para evitar arrependimentos.
Os investimentos exigidos para os próximos
30 anos somam R$ 8,8 bilhões (R$ 3,3 bilhões só em Congonhas). O lance mínimo
pago pela concessão é estimado em R$ 487 milhões para Congonhas e R$ 355
milhões para Santos Dumont. Para formar um bloco, cada um dos dois chamarizes
foi associado a terminais menos atraentes. Congonhas será vendido com os
aeroportos de Campo Grande, Corumbá, Ponta Porã, Altamira, Marabá, Santarém,
Parauapebas e o Campo de Marte. Santos Dumont, com os de Jacarepaguá, Uberlândia,
Montes Claros e Uberaba. O terceiro bloco é formado pelos de Belém e Macapá.
É correta a estratégia de reunir pedaços
que despertam maior e menor interesse. Quem levar Congonhas, cujo movimento
antes da pandemia superava 22 milhões de passageiros ao ano, estará encarregado
de modernizar os aeroportos da Região Norte. O governo também acertou ao
reduzir a discussão do edital de 100 para 70 dias, para realizar o leilão até
abril de 2022. O principal cuidado deve ser evitar inviabilizar os negócios para
quem arrematar a concessão.
O Brasil já dispõe de exemplos de sucesso e
insucesso para saber o que fazer. Entre os sucessos estão os aeroportos de
Cumbica/Guarulhos, na Grande São Paulo, e Brasília. Depois da privatização,
Cumbica ganhou um novo terminal e alcançou padrão equivalente ao de aeroportos
internacionais. Entre os insucessos estão Viracopos, no interior paulista, São
Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte (cujas concessões foram devolvidas)
e o Galeão, no Rio. Diante do movimento aquém do esperado, a empresa que levou
o Galeão suspendeu pagamentos em 2017 e ainda renegocia o contrato.
É fundamental que a Anac mantenha a vocação
do Santos Dumont como origem e destino de voos nacionais de menor extensão e
jatos executivos. Dada a localização privilegiada, obviamente seria mais
interessante para as empresas que o arrematarem operar voos para qualquer
destino. Mas não seria necessariamente melhor para a cidade ou mesmo para o
passageiro.
A pista curta limita o tamanho das aeronaves que podem operar lá, portanto os principais voos para o exterior continuarão no Galeão. Se o Santos Dumont ficar com os demais, o esvaziamento tornaria o Galeão inviável. Ao mesmo tempo, o crescimento da economia fluminense nas próximas décadas exigirá plena capacidade de ambos. O modelo adotado precisa levar tudo isso em conta, conciliando o valor do negócio para o investidor com as perspectivas para a cidade.
A contrarreforma administrativa
O Estado de S. Paulo
O monstrengo gestado pelas bases parlamentares governistas agravará o quadro fiscal, prejudicará a eficiência dos serviços e degradará a moralidade pública
Nada evidencia mais o patrimonialismo, o
corporativismo e o clientelismo entranhados no Poder Público quanto a
tramitação da reforma administrativa. A proposta do governo foi tardia e
limitada. As piores distorções não foram enfrentadas. Na Câmara, entre a
desarticulação do Planalto e as pressões corporativas, os poucos pontos
positivos foram dilapidados, avanços históricos foram revertidos e novas
distorções foram criadas. O texto final relatado pelo deputado Arthur Maia
(DEM-BA) é uma verdadeira contrarreforma.
Uma boa administração deve prosperar em uma
cultura de liderança orientada pelo espírito público, manifesto em valores como
imparcialidade, proatividade e inovação. Deve ser eficaz e confiável, premiando
o esforço, o talento e a iniciativa. E deve ser flexível e adaptável às
transformações sociais, por meio de canais transparentes e abertos de diálogo
entre servidores e servidos. As demandas excepcionais ao Poder Público
suscitadas pela crise pandêmica escancararam o abismo entre esse ideal e a
realidade.
O Estado brasileiro gasta muito e gasta
mal. Os servidores têm mais benefícios que seus pares na iniciativa privada, e
no próprio funcionalismo a desigualdade entre a elite e as bases é maior do que
no mercado privado. Os incentivos à produtividade e os prêmios ao mérito são
escassos e viciados. O resultado é uma máquina de gerar desigualdades, custosa,
ineficiente e vista com desconfiança pelo cidadão comum, o que desencadeia um
ciclo vicioso de vilanização dos servidores, retroalimentado pela sua
vitimização.
Desde o início, as promessas do governo
eram limitadas ao liberalismo de fancaria do ministro da Economia, Paulo
Guedes. Cortar gastos, reduzir quadros excessivos e eliminar privilégios são
condições necessárias para sanear a administração, mas não são suficientes nem
as mais importantes para modernizá-la.
Mesmo esses objetivos, contudo, se
perderam. O presidente Jair Bolsonaro, historicamente ligado aos interesses do
funcionalismo, nunca se empenhou em aprovar as propostas de seu Ministério da
Economia e manobrou para privilegiar suas bases, como as forças de segurança.
O texto final foi tão pervertido, que o
Centro de Lideranças Públicas (CLP), que tem uma atuação consistente em prol da
modernização do Estado e vinha subsidiando os parlamentares, considerou o
projeto irremediável e retirou o apoio à reforma.
Entre as distorções, o CLP aponta a
declaração de inconstitucionalidade de qualquer emenda que inclua membros da
Justiça, justamente os que mais acumulam privilégios. O texto também abre
brechas constitucionais para burlar a lei de supersalários. Se a matéria for
aprovada, a avaliação de desempenho, que poderia ser regulada com mais
agilidade e flexibilidade por leis ordinárias, será constitucionalizada. Ao
mesmo tempo, as regras propostas inviabilizam o desligamento por insuficiência,
já que ela seria julgada no interior das corporações. O único gatilho fiscal da
reforma, o mecanismo de redução de jornada e remuneração por adesão voluntária,
foi eliminado.
Mais escandalosos são os afagos às forças
de segurança: não só foram restaurados antigos privilégios eliminados na
reforma da Previdência, como foram criados novos, como o foro especial para
delegados; a inclusão das guardas municipais e polícias legislativas no rol de
carreiras exclusivas de Estado; a nova pensão por morte; ou a retirada da cassação
de aposentadoria como sanção administrativa.
Como constatou o presidente do CLP, Luiz
Felipe d’Avila: “As mudanças só têm um sentido: melar a reforma. Eles não
querem fazer a reforma, então fazem um parecer absurdo, que é óbvio que vai ser
derrubado. E, se for aprovado, é um enorme problema para o País, que já gasta
13% do PIB com máquina pública e vai gastar ainda mais”.
O monstrengo gestado pelas bases
parlamentares governistas agravará o quadro fiscal, prejudicará a eficiência
dos serviços e degradará a moralidade pública. A conclusão é incontornável: “O
meu resumo”, disse D’Avila, “é que esse parecer tem de ser jogado na lata de
lixo”.
Um governo opaco
O Estado de S. Paulo
Por motivos políticos, governo Bolsonaro se recusa a cumprir a Lei de Acesso à Informação
Segundo a narrativa bolsonarista, uma das
características do governo Bolsonaro seria sua interlocução direta com a
sociedade. Jair Bolsonaro não precisaria de intermediários, seja em campanha
eleitoral, seja no governo. Com seu jeito despojado de falar, teria colocado o
Palácio do Planalto em inédito patamar de proximidade e transparência com a
população. As lives semanais do presidente – com direito a sanfonas,
orações e piadas de mau gosto – seriam exemplo dessa nova comunicação.
Todo esse discurso, no entanto, mais se
assemelha a uma cortina de fumaça. Jair Bolsonaro colocou o Executivo federal
num patamar de opacidade inédita na experiência democrática brasileira. Por
exemplo, seu governo tem se recusado a cumprir, por motivos políticos, a Lei de
Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/11). Ou seja, Bolsonaro não faz sequer sua
obrigação, desobedecendo aos parâmetros mínimos de comunicação com a população
exigidos pela lei.
Conforme revelou o Estado, servidores
do Palácio do Planalto orientaram ministérios a avaliar o “risco político” e
omitir informações nas respostas a pedidos solicitados por meio da LAI. Por
exemplo, no dia 15 de junho, Danillo Assis da Silva Lima, assessor da
Secretaria de Governo, editou uma resposta do Ministério da Saúde a um pedido
de informação do jornal, alegando preocupação com a entrega dos dados
requisitados. Eis o que Silva Lima argumentou, ipsis litteris: “Acho que não
seria o caso de exemplificar, pois se informar um ofício deverá informar todos
(avaliar se os ofícios oferecem algum risco político)”.
O Estado tinha pedido o nome dos
deputados e senadores que solicitaram e obtiveram no Ministério da Saúde
repasses com emendas do relator-geral. Eram, portanto, informações relativas a
uso de recursos públicos, sobre as quais não deve recair nenhum sigilo.
Vale lembrar que a Lei 12.527/11 apenas
regulamenta um direito previsto na Constituição. “Todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”, diz o art. 5.º, inciso XXXIII da
Constituição.
Os termos constitucionais são precisos. A
população tem o direito de receber a informação, exceto se o sigilo for
“imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Esconder uma informação
sob o pretexto de que ela pode prejudicar politicamente o governo é
precisamente o que a Constituição e a LAI vieram coibir.
A Lei 12.527/11 qualifica como conduta
ilícita do agente público “recusar-se a fornecer informação requerida nos
termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la
intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa” (art. 32, I). Os
documentos obtidos pelo Estado revelam que, ao responder a um pedido
de informação previsto na Constituição, o governo Bolsonaro escondeu dados com
base em critérios políticos, descumprindo a lei.
O caso é mais uma demonstração de que o governo
Bolsonaro tem uma concepção equivocada, inteiramente inconstitucional, a
respeito da informação pública. Os dados relativos ao poder público não são de
titularidade do governo, como se coubesse ao governante definir o que divulga e
o que não divulga – ou seja, como se o governante tivesse o direito de esconder
o que lhe traz risco político. A informação é, ao contrário, um direito da
sociedade.
No início do ano passado, o governo
Bolsonaro extinguiu as sessões, quase diárias, nas quais o então porta-voz da
Presidência da República, general Otávio do Rêgo Barros, respondia a perguntas
da imprensa. Depois, em outubro de 2020, o cargo de porta-voz foi desativado.
Bolsonaro exonerou Rêgo Barros da função e não colocou ninguém no lugar.
É no mínimo estranho que um governo que se
diz próximo da população esteja tão preocupado em dificultar o acesso à
informação. Ao esconder dados sobre seu governo, Jair Bolsonaro revela descaso
com os deveres da função pública e com os direitos do cidadão. A Constituição exige
transparência.
O desmanche da ciência
O Estado de S. Paulo
Redução de recursos para o Ipen compromete a produção de remédios contra o câncer
Com a informação de que suspenderá
temporariamente a importação de insumos para a produção de medicamentos utilizados
em diagnóstico e tratamento de câncer por falta de recursos orçamentários, o
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) é mais uma vítima da
asfixia financeira que o governo Bolsonaro vem promovendo na área de ciência,
pesquisa e educação desde sua posse.
A informação foi divulgada pelo Ipen menos
de dois meses após dois acontecimentos lamentáveis. O primeiro foi o colapso da
Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), que reúne informações sobre trabalhos realizados por todos
os pesquisadores brasileiros. O segundo acontecimento foi a advertência feita
pela comunidade científica brasileira para o risco de um apagão, também
decorrente de cortes orçamentários, das atividades do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), que atua na área de tecnologias de exploração
espacial e meio ambiente, de desenvolvimento de programas de previsão
meteorológica por meio de satélites e de monitoramento de queimadas e emissão
de alertas climáticos.
No caso do Ipen, a paralisia de suas
atividades e serviços de medicina nuclear afetará não só a fabricação de
remédios contra o câncer, mas, também, a elaboração de estudos e diagnósticos
de diversas outras doenças, num momento em que o País enfrenta uma das mais
graves crises de saúde pública de sua história. A paralisia também dificultará
o funcionamento de hospitais e clínicas especializadas e causará problemas em
famílias que têm algum de seus membros fazendo quimioterapia. Segundo previsões
da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), a suspensão na distribuição
dos radiofármacos do Ipen prejudicará cerca de 1,5 milhão de pessoas.
Atualmente, o órgão produz 25 diferentes
radiofármacos, o que corresponde a 85% do fornecimento nacional. Além disso, os
remédios produzidos pelo Ipen representam cerca de 10% dos medicamentos usados
para tratar diversas doenças graves. “A crise do Ipen causará um apagão no
tratamento do câncer no País”, adverte o presidente da Associação Brasileira
para Desenvolvimento de Atividades Nucleares, Celso Cunha. “O Ipen é produtor
quase exclusivo no Brasil dos isótopos radioativos que são utilizados na
medicina nuclear. Por exemplo, no diagnóstico de cintilografia óssea para
procurar metástase óssea em pacientes com câncer e na cintilografia miocárdica
para avaliar pacientes infartados e com doenças coronarianas”, afirma o
presidente da SBMN, George Coura Filho.
Há duas semanas, o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada publicou um estudo chamando a atenção para o preço que o País
está pagando pelo desprezo demonstrado pelo governo Bolsonaro à ciência e à
pesquisa. O estudo mostrou que, no ano passado, a União investiu em ciência um
volume de recursos inferior ao que destinou em 2009. Apesar da importância das
pesquisas num período de pandemia, em 2020 foram repassados R$ 7,2 bilhões,
ante R$ 18 bilhões em 2009, em valores corrigidos pela inflação. Entre outros
órgãos, além do Ipen, do Inpe e do CNPq, essa redução prejudicou o Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, o Centro de Pesquisa em Energia e Materiais, a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Empresa Brasileira de Pesquisa e
Inovação Industrial e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior.
No campo econômico, a asfixia orçamentária
da ciência acarreta perda de competitividade do País, num momento em que as
disputas no âmbito de um comércio globalizado são cada vez mais acirradas. No
campo político, o menosprezo pela produção do conhecimento dificulta a formação
de uma política científica capaz de subsidiar um projeto de futuro para o País,
ao mesmo tempo que o torna um mero figurante nas discussões nas relações
internacionais e na geopolítica mundial.
Esse é o preço que o Brasil está pagando por ter um governo incapaz de compreender que ciência é progresso e poder.
Baralho paulista
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra força de nomes conhecidos,
mas candidaturas estão indefinidas
A pesquisa
Datafolha sobre a disputa eleitoral paulista registra o bom
desempenho de atores de um elenco já conhecido pelo eleitorado:
ex-governadores, ex-prefeitos e ex-candidatos bem votados. O que não se sabe,
entretanto, é quais desses nomes estarão de fato no palco de estreia da
campanha.
O quase eterno Geraldo Alckmin se mostra o
preferido do eleitorado, com 26% das intenções de voto, com força especialmente
no interior e entre os mais pobres. Hoje sem cargo público, o médico governou o
estado por quase 12 anos e meio, em quatro mandatos.
Está de saída do PSDB, provavelmente para o
PSD de Gilberto Kassab. Nesse cenário eleitoral do Datafolha, Alckmin ainda
aparece como nome do PSDB e, pois, não enfrenta Rodrigo Garcia, tucano noviço e
vice de João Doria.
Na prática, é quase certo que Alckmin e
Garcia se enfrentem nas urnas. Garcia, no DEM até este ano, ex-deputado,
ex-secretário estadual de governos tucanos e gerente-geral do governo Doria,
ainda é um desconhecido do eleitorado.
No cenário em que disputa o governo (que
exclui Alckmin), Garcia marca 5%. Mas é razoável imaginar que possa tirar votos
de Alckmin no eleitorado de centro ou centro-direita que desde 1994 tem
colocado o PSDB no governo estadual.
De volta ao cenário com Alckmin na disputa,
o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) aparece em segundo lugar, com
17%, na prática empatado com Márcio França (PSB), com 15%. Em seguida, com 11%,
surge Guilherme Boulos (PSOL), coordenador do MTST, que chegou ao segundo turno
da eleição para prefeito, em 2020.
França, vice de Alckmin e governador por
alguns meses em 2018, talvez não seja candidato. Pode vir a ser um aliado de
Alckmin, o que em parte depende da definição de alianças nacionais do PSB,
partido que analisa um acordo com o PDT de Ciro Gomes ou mesmo com o PT.
A candidatura de Boulos, por sua vez,
também é passível de se tornar objeto de negociação em um acordo entre seu
partido e o PT a respeito da eleição presidencial.
A definição na esquerda, além do mais,
depende de um cálculo sujeito a outras hipóteses: sem França na disputa, caso
Alckmin mantenha seu eleitorado e caso Garcia decole, há o risco de que a
esquerda dividida não chegue ao segundo turno.
Como se não faltasse névoa no cenário
paulista, ainda é preciso saber das perspectivas presidenciais de João Doria,
sua capacidade de diminuir a má avaliação de seu governo e, assim, de levantar
a candidatura de seu vice, Garcia.
Por ora, a pesquisa revela o valor das
cartas que os jogadores receberam na primeira rodada. A situação ainda está
embaralhada.
Eleições à russa
Folha de S. Paulo
Fossilização do sistema político do país
sob Putin avança com pleito parlamentar
Um dos elementos da vida política na Rússia
de Vladimir Putin, figura dominante no país desde 1999, era a busca constante
de um legalismo formal por parte do presidente. Eleições e respeito ao
regramento constitucional, por ilusórios que fossem, eram a regra.
Parte disso decorria do imperativo de
popularidade para legitimar seu poder ante a elite, situando Putin num time de
autocratas à parte de tiranetes mais vulgares.
Mas o cenário está mudando. A fossilização
do sistema político sob o presidente deu largos passos quando Putin operou em
2020 uma mudança constitucional para ficar no poder até 2036. O dissenso, que
nunca encontrou viabilidade orgânica num ambiente partidário controlado, passou
a ser reprimido de forma implacável.
O ativista Alexei Navalni virou símbolo
dessa realidade. Tendo mobilizado multidões inauditas contra o Kremlin desde
2017, ele passou a apostar em uma guerrilha. Seus aliados promoveriam quaisquer
candidatos de partidos com chances de derrotar nome do Rússia Unida, a sigla do
putinismo.
Deu certo pontualmente. No ano passado,
Navalni acabou envenenado e teve de ser tratado na Alemanha, acusando Putin
pelo crime. O mandatário deu de ombros, como em outros episódios de morte de
rivais. Assim que o ativista voltou ao país, em janeiro, foi preso.
O que se viu depois foi uma campanha
sistemática de repressão em reação a gigantescos protestos pró-Navalni. Focos
de independência na mídia foram tachados de agentes estrangeiros, desculpa para
multas pesadas e arbitrárias.
Em preparação à eleição
parlamentar nacional finalizada domingo, dezenas de candidatos de
oposição foram proibidos de concorrer por filigranas legais.
Para coroar o processo, foi implantada em
Moscou e outras regiões a opção de voto online, um teórico avanço que, segundo
a oposição consentida dos comunistas, promoveu uma fraude maciça.
Após atraso de 14 horas na tabulação dos
votos, o Rússia Unida venceu na capital, usualmente mais refratária a Putin. O
partido segue comandando a Duma (Câmara baixa do Parlamento), com 324 de 450
cadeiras.
O processo sugere o fim da era em que Putin
edulcorava seu jugo com alguns temperos democráticos, mas também mostra que o
presidente talvez já não confie tanto no apoio que claramente ainda reúne na
sociedade russa.
Novos e velhos desafios fiscais esperam
Estados e municípios
Valor Econômico
Movimentos recentes do governo federal
jogam contra os regionais e representam problemas adicionais a serem
administrados
Recentemente o Tesouro Nacional alertou os
governos regionais para não se animarem com os bons resultados fiscais que
apresentaram em 2020 e seguem mostrando neste ano. Os números são positivos,
mas atípicos e consequência de acontecimentos excepcionais derivados da
pandemia, que vão afetar os dados fiscais até o fim deste ano e não se
repetirão a partir de 2022. Pagamento de dívidas, ajuste das folhas de
pagamento e aposentadoria dos funcionários são alguns dos temas espinhosos a
serem enfrentados pelos governos regionais, além da retomada dos investimentos.
O Boletim de Finanças dos Entes
Subnacionais, elaborado pelo Tesouro, mostrou que 2020 foi um ano atípico
também nas finanças públicas. Estados e municípios, e suas estatais, tiveram o
maior resultado primário da história, de R$ 42,9 bilhões. Por outro lado, o
governo federal teve o maior déficit já registrado, de R$ 745,9 bilhões.
O padrão se repete neste ano. Dados mais
recentes do Banco Central contabilizaram superávit primário de R$ 7,3 bilhões
para Estados e municípios em julho, e R$ 54,4 bilhões no ano. Enquanto isso, o
governo central (excluindo estatais) registrou déficit de R$ 16,8 bilhões em
julho e de R$ 234,7 bilhões no ano.
Estados e municípios conseguiram os bons
resultados de 2020 graças ao recebimento de recursos da União para atender as
despesas extraordinárias para enfrentar a pandemia do novo coronavírus e
compensar a perda de receitas. O auxílio emergencial ajudou a manter a demanda
em alguns segmentos, gerando receita tributária. Além disso, o crescimento das
despesas foi contido pelas limitações impostas ao reajuste de contas como o
pagamento de salários e às contratações. Com isso, as receitas aumentaram mais
do que as despesas.
O Tesouro argumenta, porém, que a maior
arrecadação do ICMS não foi consequência do crescimento do número de bens
transacionados, mas sim da elevação dos preços, puxados pela inflação. O
relatório pontua que elevados níveis de benefícios fiscais, ampliados ainda mais
por alguns Estados durante a pandemia, constituem um problema. Segundo o
relatório, a renúncia fiscal média dos Estados é de 18,2% do ICMS. Mas o
percentual sobe a 50,3% no caso do Amazonas por conta da Zona Franca de Manaus.
Aumentaram o benefício São Paulo e o Paraná. Lembra ainda que a limitação ao
reajuste de algumas despesas, como a com pessoal, vale até o fim deste ano, e é
praticamente certo que haverá pressão por uma recomposição.
Embora o aumento de benefício fiscal possa
representar alguma margem de manobra para a recuperação de receita, não há
garantia de manutenção ou incremento dos resultados dada a perspectiva de
crescimento menor da economia em 2022. O aumento da inflação, o aperto da
política monetária, a preocupação fiscal e a tensão política são fatores que
fortalecem as recomendações de cautela.
Alguns temas espinhosos ficaram em suspenso
e deverão agora ser encarados. Um deles é padronização dos cálculos para
apuração do limite de despesa com pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
que ganharam novas regras no início deste ano. Outra questão é a adesão aos
programas de ajuste sob patrocínio federal. Há ainda o desafio estrutural
constante do déficit da previdência, embora o relatório do Tesouro registre que
18 Estados fizeram reformas.
O relatório não faz referência, mas alguns
movimentos recentes do governo federal jogam contra os regionais e representam
problemas adicionais a serem administrados. Um deles é a proposta de reforma do
Imposto de Renda (IR), que deve acarretar perda de quase R$ 20 bilhões na
arrecadação. Além disso, o governo retomou o projeto do IVA dual, que agora tem
apoio dos Estados, mas é rejeitado pelos municípios. Outra questão é o
adiamento do pagamento de precatórios: Estados e municípios têm a receber R$ 17
bilhões dos R$ 89 bilhões que a União precisa pagar em 2022, mas pretende
postergar.
Algumas lições obtidas por Estados e
municípios durante a pandemia não deveriam ser esquecidas. Diante do
negacionismo do governo federal em relação às vacinas e aos problemas
climáticos, os governos regionais souberam se organizar em comitês e consórcios
para debater os assuntos e, no mínimo, influenciar a decisão federal. Assim, as
vacinas começaram a chegar e se construíram pontes pra negociar com o exterior
sobre questões ambientais.
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