O Globo
Uma crise internacional é tudo que o Brasil
não precisa neste momento. E foi isso que se vislumbrou ontem, quando mercados
do mundo inteiro despencaram pelo temor do efeito de contágio de uma gigante
imobiliária. O centro do problema fica exatamente no país do qual o Brasil mais
depende, a China. A equipe econômica tem planos de nos próximos meses vender a
Eletrobras — e sonha arrecadar R$ 100 bilhões com ela — leiloar 16 aeroportos e
privatizar os Correios. Tudo ao mesmo tempo. O Brasil é um país em crise
institucional, risco fiscal elevado e um presidente visto como uma aberração,
como se viu ontem em Nova York. A cotação de uma das commodities que o Brasil
exporta, o minério de ferro, caiu de US$ 222 a tonelada para US$ 95, em apenas
dois meses.
O problema da Evergrande é o seu tamanho e
dispersão na economia chinesa, como explica o economista Gilberto Cardoso, CEO
da Tarraco Commodities Solutions e analista da plataforma OHMResearch.
— Evergrande é um conglomerado industrial, com foco no mercado imobiliário, mas também em máquinas, baterias, carro elétrico. Acredito que está em iminente falência. Um contágio direto seria sobre os credores, bancos ou outras instituições chinesas. A empresa é controlada por uma pessoa, sócio que tem 70% das ações. E os minoritários são bancos, fundos, empresas chinesas — disse.
Por que o Estado chinês não a resgataria
para evitar um mal maior? Essa é a pergunta que se faz:
— As pessoas que compraram apartamentos
através da Evergrande, ou investiram, já foram para as portas dos edifícios da
empresa para protestar. Preocuparia a ditadura chinesa ter uma convulsão
social. Por isso acho que vão tentar uma saída meio mercado, meio Estado.
Mesmo se houver o resgate, não se sabe para
onde vai a economia chinesa. As maiores agências de risco rebaixaram para nível
“especulativo” o rating da Evergrande. Ontem foi feriado na China, a Bolsa de
Shangai não funcionou, na de Hong Kong, as suas ações viraram pó com queda de
mais de 80% este ano. Segundo a Fitch, um dos temores é o de que ativos da
construtora tenham que ir a leilão, para o pagamento de dívidas, e isso
provoque também uma forte desvalorização no preço dos imóveis.
O risco chinês poderia afetar o Brasil de
várias formas. É a segunda maior economia do mundo, haveria um aumento da
aversão ao risco global. Os investidores ficariam mais seletivos e passariam a
cobrar juros mais altos de países com problemas, como é o caso do Brasil. Um
dos efeitos mais diretos desse cenário é a alta do dólar sobre as moedas de
emergentes, como o real, o que teria impacto na nossa inflação. Os juros já
estão em alta, amanhã por exemplo o Copom deve subir um ponto percentual. Na
bolsa brasileira, a Vale, por ser grande exportadora de minério de ferro, teve
queda de 29% em menos de dois meses, mesmo tendo reportado um lucro de R$ 40
bilhões no segundo trimestre.
Os investidores já vinham temendo o aumento
do risco fiscal no Brasil. Aqui, o Orçamento está com contas que não fecham, há
projetos que elevam os gastos e o cenário de queda gradual da dívida bruta já
está sendo abandonado. O economista-chefe da Genoa Capital, Igor Velecico,
explica que um dos pontos de preocupação é que os projetos no Congresso que
provocam aumento de despesas ou renúncias fiscais estão sendo apresentados e
apoiados pelos próprios líderes do governo.
— O conjunto de medidas em discussão pode
gerar um déficit grande nos próximos 10 anos, entre R$ 500 bilhões, num cenário
otimista, e R$ 1,5 trilhão, num cenário pessimista. São pessoas alinhadas ao
governo pautando essa agenda de menos receitas e de mais gastos. Se uma parte
disso virar medidas econômicas, vamos ter aumento do déficit muito grande
—explicou.
Na lista do economista do que aumenta o
risco fiscal está a reforma do Imposto de Renda, PEC dos precatórios, vale-gás,
Refis, desoneração da folha, subsídio ao diesel, fundo social de privatizações.
O governo tem planos que precisam da
confiança dos credores, mas tem uma gestão econômica confusa, uma gestão
política conflituosa, e agora aparece uma ameaça de crise na China, da qual o
Brasil precisa como destino da maioria dos bens que exporta. Uma crise
internacional, mesmo que seja mitigada pelo governo chinês, aumentará muito o
grau de risco do Brasil.
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