Valor Econômico
Lei do Mandante inspira solução para PL das
“fake news”
Mestre do malabarismo político, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mal começou a articular uma saída
para o impasse dos precatórios, e já se viu diante de outro imbróglio
espinhoso: o projeto de lei do Executivo que altera o Marco Civil da Internet
e, na prática, dificulta a remoção de conteúdos das redes sociais, enviado ao
Legislativo na sexta-feira.
O tema é candente, explosivo e o governo
tem pressa na matéria: enviou o projeto com urgência constitucional. Pela
regra, se não for votado em 45 dias, passa a trancar a pauta da Casa onde está
tramitando. Outro complicador é que a proposta é vista como um aceno do
presidente Jair Bolsonaro à sua militância digital, afetada pela remoção de
conteúdos que violariam as regras de plataformas das redes sociais.
O projeto já nasceu de uma controvérsia:
veio substituir a medida provisória (MP) sobre o mesmo tema, que o presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolveu ao Executivo no dia 14.
Pacheco registrou que a MP configurou um
“abalo” no desempenho das funções do Legislativo e gerou insegurança jurídica,
porque o Senado aprovou proposta semelhante no ano passado - o PL 2630, que
está em discussão na Câmara.
O tema é tão polêmico que a ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF) também havia suspendido a eficácia da MP, em uma ação que tramita na Corte.
Assim como a MP devolvida, o projeto do
Executivo não proíbe a retirada de conteúdo das redes sociais, mas cria novas
regras para que isso aconteça. Pelo texto, o projeto defende a “liberdade de expressão,
de comunicação e manifestação de pensamento” e garante “segurança jurídica” às
relações entre usuários e provedores de redes sociais.
O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) - que
também é presidente da CPI mista das “fake news” - pediu a Lira que apense a
proposta do Executivo ao PL 2630, que ele relatou no Senado. “Trata-se
praticamente da mesma matéria, quem legisla é o parlamento, temos que trabalhar
para manter essa autonomia”, argumentou.
Questionado pela coluna sobre como pretende
lidar com esse vespeiro, Lira minimizou o problema: “Com equilíbrio há resposta
para tudo”.
O primeiro passo será reunir-se com o grupo
de trabalho, que há oito meses promove audiências públicas e debates bilaterais
sobre o PL 2630. O colegiado é presidido pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) e
tem como relator o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Lira observa que um obstáculo para o
apensamento dos projetos é temporal. O grupo deve apresentar o relatório até o
fim de outubro, com calendário flexível, mas o prazo da urgência constitucional
é de um mês e meio para não trancar a pauta.
Lira acredita que, com diálogo, seria
possível dar ao tema o mesmo desfecho conferido a outra matéria polêmica, a Lei
do Mandante, que mudou as regras de direitos de transmissão de jogos da Lei
Pelé e foi sancionada ontem.
O governo inicialmente enviou uma medida
provisória para tratar do tema, o que irritou os parlamentares, levando a
matéria a perder a vigência sem votação. Diante da derrota, Lira sugeriu ao
governo que enviasse, então, um projeto de lei, que permitiria aos
parlamentares se aprofundarem no tema.
Como resultado da articulação, em apenas
dois meses, o governo enviou o projeto de lei para alterar a Lei Pelé, o texto
foi modificado pelos deputados, um acordo foi construído com os senadores, o
texto foi chancelado no Senado e seguiu para a sanção.
Lira está confiante em desfecho semelhante
para o projeto das “fake news”. Há duas saídas possíveis: ou a proposta é
apensada ao PL 2630, em debate no grupo de trabalho; ou Lira articula a
construção de um substitutivo a partir do projeto do Executivo e a matéria vai
ao plenário em, no máximo, um mês e meio.
Mas a disseminação de “fake news” é foco de
tensão infinitamente maior que a regulamentação de novas regras sobre a
transmissão de jogos de futebol. Basta lembrar a instalação da CPI mista das
“fake news” há dois anos: investigação que atormenta o Palácio do Planalto e
que Ângelo Coronel quer retomar o quanto antes.
Em paralelo, Supremo Tribunal Federal e
Tribunal Superior Eleitoral conduzem investigações sensíveis sobre propagação
de conteúdo falso nas redes. O presidente Bolsonaro se tornou formalmente
investigado no inquérito em curso no STF, conduzido pelo ministro Alexandre de
Moraes, após divulgar conteúdo falso sobre fraudes em urnas eletrônicas.
No começo da pandemia, Bolsonaro teve
publicações sobre o coronavírus excluídas de seus perfis no Twitter, Facebook e
Instagram.
Relator do PL 2630 no grupo de trabalho, o
deputado Orlando Silva defende que, antes de tudo, seja construído um acordo
com o Senado, casa de origem do projeto, para viabilizar ao fim a aprovação de
um texto de consenso entre deputados, senadores e o governo.
“Esse acordo tem que preservar a liberdade
de expressão, a privacidade e o interesse público”, defendeu. Orlando diz que
promover campanha contra a vacinação não pode ser considerado liberdade de
expressão porque isso é “ciência, não é opinião”. Ele ressalta que é preciso
construir ferramentas para combater a desinformação.
Ele acrescenta que a matéria foi amplamente
debatida na Câmara: teriam sido dez audiências públicas no ano passado e já
foram realizadas mais 13 neste ano. Foram promovidas conversas bilaterais, com
a União Europeia, que tem um marco avançado sobre o tema, e com o relator para
liberdade de expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em outra frente, o deputado Paulo Ganime
(Novo-RJ), que relatou o projeto na Comissão de Ciência e Tecnologia - antes da
criação do grupo de trabalho - vê prejuízos à liberdade de expressão no
projeto. “A gente não pode interferir na relação privada entre o usuário e a
plataforma de rede social, se não estaremos criando a figura do Estado censor”,
criticou.
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