quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Zeina Latif - Dois erros não fazem um acerto

O Globo

No pós-pandemia, o Brasil terá desemprego estrutural. E a solução não virá de um presidente que estimula a cizânia e ataca a democracia

A pandemia da Covid-19 não gerou apenas o aumento do desemprego no mundo, mas, provavelmente, também a elevação do desemprego estrutural — aquele que persiste mesmo quando a economia funciona bem ou está em seu equilíbrio. Esse conceito está, em parte, associado à qualidade da mão de obra: um país com baixo capital humano em relação às exigências tecnológicas tende a ter desemprego estrutural mais elevado.

O isolamento social estimulou o uso de tecnologias digitais e de automação. Muitas delas não aumentam a produtividade do trabalho, mas sim substituem a mão de obra, principalmente a de baixa qualificação. A consequência é que, passada a pandemia, a taxa de desemprego não voltará ao patamar pré-crise.

A perspectiva de que o setor de serviços será um grande propulsor do emprego, com o fim do isolamento social, tende a se mostrar otimista, mesmo que sua volta seja rápida — o que tem sido fonte de questionamento, aqui e no mundo, pois as mudanças de hábito tendem a encolher as atividades que dependem de aglomeração.

A situação é mais desfavorável em países emergentes, com menor capital humano. Os impactos sociais também são maiores, pois atividades de menor qualificação são oportunidade e porta de entrada para muitos no mercado de trabalho.

Vale ainda considerar a tendência de consolidação de muitos setores na pandemia, com fusões e aquisições, ou simplesmente o fechamento de pequenos negócios. Segundo a KPMG, as transações domésticas de fusão e aquisição tiveram alta de 1,6% em 2020, atingindo mais um recorde em meio à queda de 4% do PIB.

Promove-se ganho de produtividade, mas também a redução de vagas de menor qualificação no curto prazo.

A acumulação de capital humano também é afetada pela pandemia, por conta da deterioração de habilidades durante períodos extensos de desemprego — no Brasil, 6,5% da força de trabalho são pessoas desocupadas há mais de um ano — e da entrada tardia de jovens no mercado de trabalho, agravado pelo longo fechamento de escolas — notadamente no Brasil.

Trocando em miúdos: de um lado, a demanda por mão de obra (abertura de vagas) tende a crescer mais lentamente e, de outro, a oferta efetiva é limitada, pois há um contingente de pessoas que estão despreparadas. Como consequência do elevado desemprego, a capacidade de recuperação da economia tende a ser mais modesta.

O quadro no Brasil é ainda mais difícil, pois, apesar da rápida volta da economia, o PIB ainda está 3% abaixo do patamar do 1º trimestre de 2014 — o pico antes da recessão que se seguiu. A taxa de desemprego acima de 14% ainda não exibiu inflexão (quando descontados os fatores sazonais), diferentemente do observado em boa parte do mundo.

E a taxa de subutilização total está na casa de 29% (inclui pessoas subocupadas e desalentadas, que desistiram de procurar emprego).

O quadro seria possivelmente pior não fossem as reformas conduzidas no governo Temer: a de terceirização e a trabalhista.

É preciso avançar na formação e no treinamento da mão de obra e reduzir encargos que incidem sobre as remunerações mais baixas. É desejável a revisão adicional das relações trabalhistas, buscando o equilíbrio entre a proteção de grupos vulneráveis e a flexibilidade necessária para não inviabilizar contratações, especialmente em situações de crise e em um país em que a produtividade do trabalho é tão baixa que, muitas vezes, sequer compensa o custo do salário mínimo.

Nesse sentido, a minirreforma trabalhista proposta pelo governo tinha méritos.

Além das medidas associadas à extensão do Benefício Emergencial (BEm), importante instrumento criado na pandemia, o texto incluiu dois programas de inclusão de jovens e mais velhos, com redução de benefícios.

As medidas iam na direção correta. Os ajustes necessários poderiam ter sido feitos, com diálogo, assim como na tramitação da reforma de 2017.

Não foi o que ocorreu. O erro começou pelo instrumento utilizado, uma medida provisória — o mais adequado seria projeto de lei. Na Câmara, o texto foi inchado sem o necessário debate, e o Senado o derrubou sem debate algum.

Faltou empenho de um governo despreparado e fraco, e sobraram açodamento e superficialidade ao Congresso.

Perdem todos, ainda mais quem não poderia. E a solução não virá de um presidente indiferente ao quadro econômico, que estimula a cizânia e ataca a democracia.

 

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