O Globo
No pós-pandemia, o Brasil terá desemprego
estrutural. E a solução não virá de um presidente que estimula a cizânia e
ataca a democracia
A pandemia da Covid-19 não gerou apenas o
aumento do desemprego no mundo, mas, provavelmente, também a elevação do
desemprego estrutural — aquele que persiste mesmo quando a economia funciona
bem ou está em seu equilíbrio. Esse conceito está, em parte, associado à
qualidade da mão de obra: um país com baixo capital humano em relação às
exigências tecnológicas tende a ter desemprego estrutural mais elevado.
O isolamento social estimulou o uso de
tecnologias digitais e de automação. Muitas delas não aumentam a produtividade
do trabalho, mas sim substituem a mão de obra, principalmente a de baixa
qualificação. A consequência é que, passada a pandemia, a taxa de desemprego
não voltará ao patamar pré-crise.
A perspectiva de que o setor de serviços
será um grande propulsor do emprego, com o fim do isolamento social, tende a se
mostrar otimista, mesmo que sua volta seja rápida — o que tem sido fonte de
questionamento, aqui e no mundo, pois as mudanças de hábito tendem a encolher
as atividades que dependem de aglomeração.
A situação é mais desfavorável em países emergentes, com menor capital humano. Os impactos sociais também são maiores, pois atividades de menor qualificação são oportunidade e porta de entrada para muitos no mercado de trabalho.
Vale ainda considerar a tendência de
consolidação de muitos setores na pandemia, com fusões e aquisições, ou
simplesmente o fechamento de pequenos negócios. Segundo a KPMG, as transações
domésticas de fusão e aquisição tiveram alta de 1,6% em 2020, atingindo mais um
recorde em meio à queda de 4% do PIB.
Promove-se ganho de produtividade, mas
também a redução de vagas de menor qualificação no curto prazo.
A acumulação de capital humano também é
afetada pela pandemia, por conta da deterioração de habilidades durante
períodos extensos de desemprego — no Brasil, 6,5% da força de trabalho são
pessoas desocupadas há mais de um ano — e da entrada tardia de jovens no
mercado de trabalho, agravado pelo longo fechamento de escolas — notadamente no
Brasil.
Trocando em miúdos: de um lado, a demanda
por mão de obra (abertura de vagas) tende a crescer mais lentamente e, de
outro, a oferta efetiva é limitada, pois há um contingente de pessoas que estão
despreparadas. Como consequência do elevado desemprego, a capacidade de
recuperação da economia tende a ser mais modesta.
O quadro no Brasil é ainda mais difícil,
pois, apesar da rápida volta da economia, o PIB ainda está 3% abaixo do patamar
do 1º trimestre de 2014 — o pico antes da recessão que se seguiu. A taxa de
desemprego acima de 14% ainda não exibiu inflexão (quando descontados os
fatores sazonais), diferentemente do observado em boa parte do mundo.
E a taxa de subutilização total está na
casa de 29% (inclui pessoas subocupadas e desalentadas, que desistiram de
procurar emprego).
O quadro seria possivelmente pior não
fossem as reformas conduzidas no governo Temer: a de terceirização e a
trabalhista.
É preciso avançar na formação e no
treinamento da mão de obra e reduzir encargos que incidem sobre as remunerações
mais baixas. É desejável a revisão adicional das relações trabalhistas,
buscando o equilíbrio entre a proteção de grupos vulneráveis e a flexibilidade
necessária para não inviabilizar contratações, especialmente em situações de
crise e em um país em que a produtividade do trabalho é tão baixa que, muitas
vezes, sequer compensa o custo do salário mínimo.
Nesse sentido, a minirreforma trabalhista
proposta pelo governo tinha méritos.
Além das medidas associadas à extensão do
Benefício Emergencial (BEm), importante instrumento criado na pandemia, o texto
incluiu dois programas de inclusão de jovens e mais velhos, com redução de
benefícios.
As medidas iam na direção correta. Os
ajustes necessários poderiam ter sido feitos, com diálogo, assim como na
tramitação da reforma de 2017.
Não foi o que ocorreu. O erro começou pelo
instrumento utilizado, uma medida provisória — o mais adequado seria projeto de
lei. Na Câmara, o texto foi inchado sem o necessário debate, e o Senado o
derrubou sem debate algum.
Faltou empenho de um governo despreparado e
fraco, e sobraram açodamento e superficialidade ao Congresso.
Perdem todos, ainda mais quem não poderia.
E a solução não virá de um presidente indiferente ao quadro econômico, que
estimula a cizânia e ataca a democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário