Folha de S. Paulo
Não houve putsch das falanges
bolsonaristas, mas mais um dia de progresso do golpe
No 7 de Setembro, Jair Bolsonaro
cometeu mais
alguns crimes de responsabilidade, motivo de processo de impeachment, entre
outros que podem se tornar objeto de inquérito e condenação no STF. Na noite
desta terça-feira (7) lúgubre, uns senadores haviam decido ir ao Supremo pedir
a investigação por meio de uma “notícia-crime”. Os ministros, por sua vez, por
ora ainda discutiam a elaboração de uma “mensagem dura” (hum...), apesar de
Bolsonaro ter chamado alguns deles de “canalhas” e de dizer, aliás outra vez,
que pode ou não obedecer a decisões do tribunal maior.
Vai ter consequência? Uns governadores, uns
gatos pingados do PSDB e um ou outro partido centróide passaram a sussurrar
a palavra “impeachment”. Um tucano manco, aliás meio bolsonarista, umas
andorinhas depenadas e um monte de galinhas gordas de emendas não fazem um
verão neste tenebroso inverno de Bolsonaro. As elites precisam tomar vergonha
na cara (...), pois o tirano não vai parar a não ser que seja confrontado
objetivamente. Se não o fazem, estão a dizer, na prática, que essa alternativa
ou qualquer outra são piores do que Bolsonaro. Em geral, o mundo político se
ocupa apenas e mal e mal de eleição, sem que ao menos exista oposição
organizada, menos ainda da “terceira via”.
Que mais aconteceu em mais um dia de golpeamento da República e do projeto dos Bolsonaro de fugir da polícia? A espuma das ruas.
Sim, Bolsonaro até que juntou muita gente
em São Paulo, cerca de 125 mil pessoas na Paulista, na conta razoável da
Polícia Militar (este
jornalista esteve lá), o equivalente a 1% da população da cidade. Sim,
poderia ter acontecido algo de muito mais grave, mortes, depredação das sedes
dos Poderes etc. No essencial, foi o de sempre.
Grosso modo, nas ruas houve a espuma
de aglomerações
covidárias em São Paulo e uns arreganhos de falangistas mais
organizados em Brasília, financiados pelo agro ogro e por outros empresários
bolsonaristas. No entanto, o Domingo no Parque autoritário paulista foi uma
reunião meio cansada e não muito sensacional de gente convertida, não de
batalhões fascistas prontos para a marcha (ainda reclusos em certos quartéis,
clubes de tiro e milícias).
Bolsonaro falou para o “público interno” e
não tratou de assunto real do país, nem para fazer demagogia: fome,
inflação, falta
d’água e luz, de emprego. Em Brasília, disse ao público que chamaria
o “Conselho
da República”, a quem mostraria fotos da sua força nas ruas. Era uma
bravata para a galera e uma ameaça avacalhada e inviável de decretar um estado
de sítio ou algo assim.
A espuma fez borbulha em mais um dia de
trabalho do bolsonarismo: a normalização do golpe e a tentativa
de espalhar medo, de intimidação
física, um tanto frustrada. O problema está aí: Bolsonaro continua a tocar
o seu projeto sem que seja impedido de maneira decisiva, um sucesso relativo.
Normalizou a discussão de golpe. Sujeitou o país à tutela militar: gente da
política e dos Poderes vai até os quarteis perguntar se vai haver golpe.
Na prática, conseguiu fazer com que a maior
parte da elite política e econômica aceitasse seu programa de destruição do
“sistema”, elite que apenas se moveu diante da ameaça explícita e reiterada do
golpe de Estado. Até agora, a degradação selvagem do país havia sido tolerada:
saúde, educação, desumanidade, preconceito, cafajestagem, “rachadinha”,
administração comezinha do governo, desprezo internacional, em parte e por
alguns justificada pelos 30 dinheiros de meia dúzia de “reformas”, muitas delas
porcas.
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