EDITORIAIS
O dia seguinte
O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro exibiu ontem
exatamente o que tem mostrado desde o início do mandato: sua irresponsabilidade
e seu isolamento político
O presidente Jair Bolsonaro exibiu ontem
exatamente o que tem mostrado desde o início do mandato: sua irresponsabilidade
e seu isolamento político. Tratadas nas últimas semanas como prioridade
nacional pelo Palácio do Planalto, as manifestações bolsonaristas do 7 de
Setembro serão interpretadas pelo presidente como a prova de que o “povo” o
apoia, mas um presidente realmente forte não precisa convocar protestos a seu
favor nem intimidar os demais Poderes para demonstrar poder; apenas o exerce.
Assim, Bolsonaro reiterou sua fraqueza, já atestada por várias pesquisas que
indicam o derretimento de sua popularidade.
Os atos – que configuraram evidente
campanha eleitoral antecipada, bancada parcialmente com recursos públicos –
revelaram também que, depois de tantas ameaças proferidas, Jair Bolsonaro já
não tem muito mais o que falar de novo a seus seguidores. Ontem, chegou a dizer
que convocaria o Conselho da República, órgão previsto na Constituição para
consulta sobre “intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio”, além
de “questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas”
(art. 90).
“Amanhã, estarei no Conselho da República, juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir”, disse Jair Bolsonaro, em seu dialeto trôpego. Os três presidentes citados, Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, disseram desconhecer a tal reunião. Como é de seu feitio, Bolsonaro trata assunto sério de forma leviana.
Se as manifestações tiveram considerável
afluência, algo até previsível ante o fato de que o presidente passou os
últimos dois meses usando sua tribuna privilegiada para convocar sua
militância, o fato inexorável é que o governo exatamente continua no mesmo
lugar. E os problemas nacionais continuam os mesmos. A rigor, por força de
Bolsonaro, eles até se agravaram nas últimas semanas: aumentou o pessimismo,
decaiu a confiança, cresceu o desalento. A saída da crise social e econômica
está mais distante.
Não há como negar. É patente o descaso do
presidente com a realidade do País. Basta ver que, diante da inflação crescente
e ao emprego em baixa, a aposta de Bolsonaro, interessado somente em permanecer
no poder e proteger sua prole e a si mesmo da Justiça, continua sendo acirrar
tensões com os outros Poderes e sugerir a possibilidade de uma ruptura
institucional. Em seu léxico, não há solução.
Eis a grande disfuncionalidade dos atos
bolsonaristas de 7 de Setembro. Por mais que pretendam demonstrar apoio, as
manifestações são incapazes de modificar a natureza dos reais desafios do
Palácio do Planalto. Os problemas continuam os mesmos e tendem a se agravar, já
que é cada vez mais explícito o desinteresse de Jair Bolsonaro em enfrentá-los.
Por mais que Bolsonaro não goste da ideia,
há um País a ser governado. Havia antes do 7 de Setembro e continuará a haver
depois. São muitos os assuntos a respeito dos quais se deve esperar uma atitude
responsável por parte do presidente, como o enfrentamento da pandemia e a
gestão da crise hídrica. Vidas, empregos e o futuro das novas gerações estão em
risco.
É esse cenário de desolação que se
apresenta aos olhos da população todos os dias, seja feriado ou dia útil, tenha
motociata presidencial ou não. Os índices de desaprovação recorde do governo
Bolsonaro são um dos sintomas desse quadro disfuncional.
O governo Bolsonaro é muito ruim. Não
cumpriu o que prometeu e não trabalha para melhorar as condições de vida da
população. Como se viu ontem mais uma vez, sua tática atinge inauditos padrões
de irracionalidade, com propostas de tom golpista: ameaçar os outros Poderes e
contestar por antecipação o resultado das próximas eleições.
A manobra pode ter alguma serventia nas
redes sociais. Na vida real, os preços dos alimentos sobem, as oportunidades de
emprego não aparecem, os investimentos se ressentem, os jovens ficam sem a
devida formação. Esse é o dia seguinte.
4,1 bilhões de pessoas sem proteção
O Estado de S. Paulo
Um bom sistema de proteção social não é apenas um imperativo moral, mas econômico
O vírus não faz distinções de classe. Ricos
ou pobres, qualquer um pode ser a sua próxima vítima. Ao expor a vulnerabilidade
de todos, a pandemia explicitou como o bem-estar de cada indivíduo está
conectado ao bem-estar da coletividade. O ideal da solidariedade (“estamos
todos juntos”) se disseminou por todo o planeta, dos discursos de líderes
mundiais e slogans publicitários às publicações nas redes de pessoas comuns
confinadas em suas casas.
Não se pode duvidar da sinceridade dessas
manifestações. Mas os impactos socioeconômicos da crise são um teste à sua
consistência. Nesse quesito, não estamos todos juntos. Ao contrário: a pandemia
aumentou a distância entre os países ricos e pobres e entre os indivíduos ricos
e pobres em cada país.
As respostas das políticas de proteção
social foram sem precedentes. Mas as dos países ricos foram muito mais
robustas. Isso expõe a íntima correlação entre desenvolvimento e proteção
social. De acordo com o relatório Proteção
Social Global 2020-22 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
os países de renda alta gastam 16,4% do PIB em proteção social, enquanto os de
renda baixa gastam 1,1%.
O dado serve de advertência a todos os que
pensam em proteção social apenas em termos de assistencialismo aos necessitados
com recursos dos privilegiados. Entre o crescimento econômico e a proteção
social, é ocioso indagar qual é a causa e qual é a consequência: ambos se
retroalimentam em um círculo virtuoso. Um bom sistema de proteção social não é
só um imperativo moral, mas econômico: é um dos fatores que levam à
prosperidade de um país. “Uma proteção social abrangente não é essencial apenas
para a justiça social e o trabalho decente”, adverte a OIT, “mas também para
criar um futuro sustentável e resiliente.”
Apesar disso, só 47% da população mundial é
coberta por ao menos um mecanismo de proteção, enquanto 53% não gozam de
qualquer benefício por parte de seus governos. São 4,1 bilhões de pessoas
entregues à própria sorte.
Em todo o mundo, só 1 em 4 crianças e 1 em
3 pessoas com deficiências graves recebem algum benefício. A cobertura por
desemprego é ainda menor: 18% dos trabalhadores. Há ainda as distorções entre
grupos sociais. Os países gastam, por exemplo, 7% de seu PIB com
aposentadorias, enquanto a proteção social às crianças responde por apenas 1%.
Tudo isso, em média, sem contar as disparidades entre países ricos e pobres.
Regionalmente, Europa e Ásia Central têm as
maiores taxas de cobertura: 84% de sua população é servida por ao menos um
benefício. Nas Américas, são 64%; Ásia e Pacífico, 44%; Estados Árabes, 40%; e
África, 17,4%.
O Brasil tem boa cobertura (70% da
população), em alguns casos exemplar (100% das pessoas com deficiência). Nos
gastos, o País também está bem posicionado. Sem contar a saúde, são 15,7% do
PIB (no mundo, são 12,9%; na América Latina, 10%; nos demais países de renda
média-alta, 8%; e nos de renda-alta, 16,4%). Mas o Brasil também reproduz – e
mesmo exacerba – algumas distorções. Os benefícios para crianças, por exemplo,
respondem por apenas 0,5% do PIB, enquanto para os idosos são 9,7% – acima dos
países de renda média-alta (5,3%), e mesmo dos de renda-alta (8,5%), cuja
população em geral é mais envelhecida.
À medida que o Brasil e os demais países
elaboram suas estratégias de recuperação, é preciso ter claro que fortalecer os
sistemas de proteção social não serve apenas para reduzir a pobreza e a
desigualdade, mas para aumentar a produtividade e revigorar o contrato social.
A ameaça universal e indiscriminada do
vírus é um “poderoso lembrete” de que “nosso bem-estar e destinos estão
intimamente entrelaçados”, disse o diretor da OIT, Guy Ryder. “Se algumas
pessoas não podem contar com um auxílio quando estão doentes ou em quarentena,
então a saúde pública é prejudicada e nosso bem-estar coletivo, ameaçado.”
Analogamente, se as pessoas vulneráveis por qualquer outra razão não podem
contar com algum tipo de proteção, todas sofrem os males de viver em uma
sociedade mais injusta e menos próspera.
Pesadelo nas projeções
O Estado de S. Paulo
Temores do mercado já contaminam até a estimativa de crescimento de 2023
Mais sombrias a cada semana, as projeções
compõem um cenário de pesadelo, com crescimento econômico de apenas 1,93% no
próximo ano. O pessimismo já contamina as estimativas para 2023, início do novo
período presidencial, com expansão de 2,35% projetada para o Produto Interno
Bruto (PIB). Uma semana antes ainda se apostava em 2,50%. Se nenhum processo o
afastar do cargo, o presidente Jair Bolsonaro completará seu mandato, no fim de
2022, com economia emperrada, inflação acima da meta, dólar caro e juros nas
alturas.
No fim de quatro anos desastrosos, o País
continuará com desemprego elevado, negócios desarranjados, inflação fora dos
padrões internacionais e mais algumas posições perdidas na corrida
internacional. Os números são do boletim Focus, baseado em consultas a cerca de cem instituições
do mercado e distribuído na segunda-feira pelo Banco Central (BC). A tensão
política, as ameaças do presidente à ordem institucional e as incertezas sobre
as contas públicas têm afetado o mercado de ações, o câmbio, os juros e as
expectativas.
Em quatro semanas o crescimento do PIB
esperado para este ano caiu de 5,30% para 5,15%. No mesmo período a expansão
calculada para 2022 passou de 2,05% para 1,93%. O avanço apontado para os anos
seguintes correspondia ao potencial estimado de 2,50%. Mas nem isso se espera
mais para 2023. Além disso, a sucessão de informações econômicas negativas leva
à frequente revisão das expectativas. No começo do mês as contas nacionais do
segundo trimestre mostraram recuo de 0,1% do PIB. Logo depois, um relatório
mostrou o mau desempenho da indústria em julho, com produção 1,3% menor que a
de junho.
Ao mesmo tempo, informações de várias
fontes continuaram mostrando a piora do quadro inflacionário. A referência
oficial mais importante, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
apontou inflação próxima de 9% nos 12 meses até julho. Na prévia de agosto, o
IPCA-15, a alta de preços acumulada no período equivalente a um ano chegou a
9,30%. Pode haver alguma oscilação até o fim do ano, mas nenhum sinal de
acomodação apareceu até agora. Segundo o boletim Focus, a inflação deve chegar neste
ano a 7,58%, ultrapassando de longe a meta (3,75%) e o limite superior de
tolerância (5,25%). As estimativas para 2022 também têm subido e chegaram a
3,98%, número bem superior ao objetivo central, fixado em 3,50%.
A inflação disparada continuará
dificultando o consumo familiar e prejudicando, portanto, a atividade da
indústria e o ritmo geral da economia. Segundo a última projeção, a produção
industrial deve aumentar 6,28% neste ano. A expansão esperada para 2022 chegou
a 2,01%. Uma semana antes a expectativa era de 2,20%. Aponta-se uma melhora em
2023 (para 3%), mas sem um deslanche efetivo. Todos os números compõem um
quadro de desarranjo e mediocridade.
Diante da inflação intensa e persistente, o
BC deverá insistir no aperto monetário, com crédito curto e caro. A taxa básica
de juros esperada para o fim deste ano subiu em quatro semanas de 7,25% para
7,63%. A expectativa para 2022 passou, no mesmo intervalo, de 7,25% para 7,75%.
Mesmo assim, a inflação só deverá chegar à meta em 2023, quando ficará, segundo
se estima, em 3,25%. Todos os números do boletim correspondem às medianas das
projeções.
As incertezas políticas e econômicas têm mantido alta a cotação do dólar. Pelas projeções, a moeda americana custará R$ 5,17 no fim de 2021 e R$ 5,20 no fim do próximo ano. Se as projeções estiverem certas, o câmbio continuará sendo um fator inflacionário. A instabilidade cambial refletirá, como até hoje, principalmente o dia a dia de Brasília. Esse dia a dia tem sido marcado pela atuação destrutiva do presidente. Ele briga com representantes de outros Poderes, acena com ruptura institucional, negocia com uma base fisiológica e cobra de seus auxiliares medidas populistas e eleitoreiras, sem cuidar da sustentabilidade das contas públicas. Por trás do cenário de pesadelo do boletim Focus há esse pesadelo real centrado em Brasília.
O mito na caverna
Folha de S. Paulo
Atos do 7/9 confirmam isolamento
progressivo de Bolsonaro rumo à inviabilidade
Os protestos do Dia da Independência
mostraram um Jair Bolsonaro cada vez mais atrelado a seu cordão de fanáticos e
isolado da institucionalidade e da maioria da população. O mito, como é chamado
por bajuladores, enfurna-se na caverna da inviabilidade política.
Nenhum chefe de Poder nem governador
perfilou-se ao lado do presidente da República na sua jornada de epifania
golpista. As concentrações de manifestantes foram expressivas, embora muito
longe de excepcionais. A nota positiva foi seu caráter pacífico.
Ainda que dez vezes mais pessoas houvessem
comparecido, a intentona autoritária do chefe do governo estaria embalada numa
minoria farfalhante que se desgarrou das aspirações democráticas de 3 em cada 4
brasileiros.
Nos
discursos, Jair Bolsonaro ameaçou o Supremo Tribunal Federal e o seu
presidente, Luiz Fux, de um golpe caso não se submetam aos caprichos do projeto
de ditador. Exortou à desobediência de ordens do ministro Alexandre de Moraes.
As novas afrontas não podem passar incólumes pela Câmara dos Deputados e pela
Procuradoria-Geral da República.
A utilização de recursos públicos
caríssimos, como aeronaves e aparato de segurança, em atos de óbvia e única
motivação político-partidária tem tudo para alimentar ações na Justiça que
poderão redundar na inabilitação do presidente para candidatar-se ao segundo
mandato em 2022.
Bolsonaro também fez insinuação tosca
sobre promover
uma reunião do Conselho da República, entidade que opina em situações de
instabilidade institucional e de segurança, mas foi ignorado por autoridades
integrantes do órgão, que pelo visto não darão azo a mais esse esbirro
subversivo.
Na véspera, o mandatário havia assinado
medida provisória proibindo plataformas da internet de retirar do ar conteúdos
que violem as suas regras de uso. A abstrusa intervenção, que deveria ser
devolvida pelo presidente do Congresso Nacional por choque vertical com a
Constituição, destinou-se tão somente a inflamar os atos.
O mandatário, como se nota, tornou-se
prisioneiro da lógica da agitação pela agitação. Precisa criar um factoide por
minuto a fim de manter mobilizado seu círculo de idólatras. Não é justo, no
entanto, que carreie nesse vórtice as energias institucionais de uma nação
assolada por uma epidemia mortal, pela carestia e pelo desemprego.
O melhor modo de enfrentar a ameaça com o
menor dano possível ao futuro do país é tomar a via oposta à que trilha
Bolsonaro, que fala muito, mas trabalha pouco. A reação deveria fugir do ruído
e funcionar nas atitudes, nas investigações, nos processos e na
responsabilização pela profusão de desmandos do presidente da República.
O Estado democrático de Direito dispõe de
remédios eficazes contra a tirania. Que sejam administrados em dose
neutralizante ao corpo estranho que tenta açambarcar a República.
Vírus da politização
Folha de S. Paulo
Privilegiar outra vacina contra a Covid na
3ª dose não desmerece a Coronavac
Tornou-se já cansativo acompanhar a
politização das vacinas na qual se engalfinham os governos federal e paulista
desde os primeiros tempos da pandemia. Do primeiro, de fato, não se poderia
esperar outra conduta.
O maniqueísmo reemergiu com o debate sobre
uma terceira dose na imunização contra a Covid-19. O ministro da Saúde, Marcelo
Queiroga, anunciou normativa que excluía a Coronavac do reforço, dando
preferência aos produtos da Pfizer e da AstraZeneca.
A
cúpula do Instituto Butantan denunciou que a pasta excluíra o produto
sino-paulista por negligenciar a reposição de estoque. O descredenciamento da
Coronavac careceria de comprovação científica, alegou o diretor Dimas Covas.
Não se pode acusar Queiroga de
imparcialidade, decerto, mas nem
por isso Covas se cobre de razão. Apenas quem se engaja na polarização faz
pouco caso de evidências para perfilar-se de pronto em um dos lados da rusga.
A melhor pesquisa vem favorecendo a
aplicação de terceiras doses em esquema heterólogo, com vacina diversa da usada
na primeira imunização. Vai surgindo consenso também por privilegiar vacinas de
mRNA, como a da Pfizer, por induzirem resposta mais robusta, particularmente em
idosos.
Apesar disso, o governo João Doria (PSDB)
faz cavalo de batalha pela imunização com qualquer produto disponível. Isso
implica dar a terceira Coronavac, ao menos em alguns casos, para os mais velhos
que começam a receber o reforço.
Tendo em vista que o contingente de pessoas
com mais de 90 ou 80 anos é relativamente pequeno, faz sentido um esforço
logístico para reservar-lhes o imunizante com tecnologia de mRNA. A Coronavac,
baseada em vírus inativados, deveria ser direcionada para acelerar a aplicação
da segunda dose.
Mesmo no estado de São Paulo, um dos mais
adiantados, a imunização completa só alcançou 40% da população. Há ainda
trabalho pela frente até se poder falar em imunidade comunitária.
O governador e sua equipe devem deixar a precipitação e manter a racionalidade que ajudou a impor a vacinação como pauta nacional.
Bolsonaro tem é de largar o golpismo e
começar a trabalhar
O Globo
Quem fala a toda hora em ficar “dentro das
quatro linhas da Constituição” na certa não vê a hora de ultrapassá-las. Hoje
foi o dia em que o presidente Jair Bolsonaro chegou mais perto disso, nas
palavras que dirigiu às multidões espalhadas pela Esplanada dos Ministérios, em
Brasília, e pela Avenida Paulista, em São Paulo.
O problema para Bolsonaro, cuja popularidade
está no nível mais baixo desde que assumiu, é não conseguir nem sair das quatro
linhas do cercadinho do Alvorada para entender o Brasil real. O Brasil da
inflação, do desemprego, do rombo orçamentário, da crise hídrica e da pandemia.
Ele só falou o idioma que seu público entende, repetiu as mentiras de sempre
sobre a lisura das eleições e o “voto auditável”, subiu o tom nas ameaças ao
Supremo e às instituições e contribuiu para agravar a crise entre os Poderes —
mas saiu do palanque menor do que entrou.
A “fotografia para mostrar para o Brasil e
para o mundo” do 7 de Setembro traz um presidente a cada dia mais isolado
politicamente, a quem pouco resta senão fazer acenos golpistas e reunir suas
tropas para o momento em que tentará avançar sobre quem vê como inimigo. Daí o
esmero nas ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF), em particular ao ministro
Alexandre de Moraes, cujas decisões afirmou que não cumpriria mais. Se isso
ocorrer, poderia configurar crime de responsabilidade. Bolsonaro se saiu ainda com
a estapafúrdia convocação do Conselho da República, organismo que pode
recomendar decretação de estado de emergência ou sítio. Chefes de outros
Poderes nem haviam sido informados.
Em Brasília, deu um “ultimato para todos os
que estão na Praça dos Três Poderes”. “Cada um de nós deve se curvar à nossa
Constituição Federal”, disse. “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu
[ministro], ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos.” A
provocação foi dirigida ao presidente do Supremo, Luiz Fux. Obviamente,
ministros do STF são independentes, e não cabe a Fux “enquadrar” ninguém. O
único sentido das palavras de Bolsonaro é uma ameaça velada de golpe.
Bolsonaro não economizou ataques a Moraes.
“Não podemos admitir que uma pessoa turve a nossa democracia, que uma pessoa
coloque em risco a nossa liberdade”, disse em Brasília. “Não vamos mais
permitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa
democracia”, falou em São Paulo. A esta altura, está evidente que a única
pessoa que tem açoitado e turvado a democracia, além de pôr em risco a
liberdade dos brasileiros, é ele próprio, Bolsonaro.
No Brasil fora das quatro linhas do
cercadinho, as projeções de inflação para este ano não param de subir desde
março e estão em 7,8%. Desempregados e desalentados somam 20 milhões, segundo o
IBGE. Nem a contabilidade criativa do governo para adiar o pagamento de R$ 90
bilhões em dívidas judiciais conseguirá tapar o rombo fiscal de R$ 50 bilhões
no Orçamento de 2022. O nível crítico dos reservatórios já provocou a perda de
meia Itaipu em capacidade de geração de energia, e o país teme um novo apagão.
A pandemia já matou quase 585 mil brasileiros, e menos de um terço da população
está totalmente imunizada, enquanto variantes mais contagiosas se espalham. Já
passou da hora de Bolsonaro parar com toda essa conversa golpista e começar a
trabalhar.
Congresso precisa derrubar MP que restringe
ação de redes sociais
O Globo
É inaceitável a Medida Provisória (MP)
baixada pelo presidente Jair Bolsonaro para restringir a ação das redes sociais
contra quem viole suas regras de conduta. Não cabe ao Executivo editar norma
sobre o tema, ainda mais quando Bolsonaro é movido por uma vendeta pessoal
contra plataformas que, depois de muita hesitação, mal começaram enfim a agir contra
as campanhas de desinformação.
A MP oportunista, editada na véspera dos
protestos de 7 de setembro, foi criticada com razão por Google, Facebook e
Twitter, além de ter despertado reação unânime de repúdio entre quem acompanha
o desafio de regular as redes sociais. Juristas e parlamentares afirmam que ela
é inconstitucional por não respeitar os critérios de urgência e relevância. O
Supremo já foi acionado para evitar que as medidas propostas entrem em vigor
antes do prazo de 30 dias concedido às plataformas para adaptar-se às novas
normas.
Nada disso significa que as plataformas
digitais não precisem de regulação melhor. Os critérios que usam para suspender
contas e retirar conteúdos do ar costumam ser opacos, sem justificativas
claras. As medidas são adotadas de modo reativo diante das pressões. No caso da
pandemia, elas decidiram — corretamente — retirar do ar vídeos e postagens que
promoviam tratamentos sabidamente ineficazes, vários deles disseminados por
Bolsonaro e seus acólitos. No caso da campanha de desinformação contra a urna
eletrônica, até agora não fizeram nada além de cumprir ordens da Justiça.
Nenhum país regulou a contento o discurso
no meio digital. É preciso ter regras capazes de garantir a liberdade de
expressão do usuário e de coibir, com agilidade, abusos dessa liberdade nos
casos excepcionais em que a lei prevê restrições ao livre discurso: crimes
contra a democracia e a saúde pública, incitar a violência, injuriar, caluniar
ou difamar.
Seria temerário deixar a critério das
próprias redes todas as regras a que devem estar sujeitas. Mas em hipótese
alguma deveria caber a Bolsonaro decidi-las. A intenção dele é óbvia: mentir
impunemente e disseminar desinformação de acordo com seu interesse político,
que nada tem de democrático. Por isso, Supremo e Congresso devem agir rápido
para derrubar a MP.
Cabe também ao Parlamento determinar regras
melhores que as estabelecidas no Marco Civil da Internet. O Projeto de Lei das
Fake News, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara, estabelece critérios
sensatos, além de criar um método razoável para coibir a desinformação em
aplicativos de mensagem como WhatsApp. Ele deveria ser aprovado quanto antes.
Dois princípios deveriam reger a legislação
a respeito. Primeiro, as plataformas são empresas privadas que devem ter o
direito de regular o ambiente como bem entenderem, desde que respeitando a lei.
Segundo, elas devem arcar com o ônus do papel que assumiram nas democracias, a
praça pública digital onde se trava o embate político. Não podem mais estar sujeitas
à legislação benevolente que as exime de toda a responsabilidade pelo que
veiculam.
Consumo e economia mais fracos frustram
expectativas
Valor Econômico
Parece difícil mudar esse enredo em que tudo piora com mais inflação, em um país com uma indexação latente na memória
O último mês do terceiro trimestre começou
com sinais negativos para a economia. A divulgação de que o Produto Interno
Bruto (PIB) recuou 0,1% no segundo trimestre frustrou as previsões de
recuperação do nível de atividades e nublou as previsões - não só as de curto
prazo como também as do próximo ano. O Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) já prevê que o PIB do 3º trimestre repita o
fiasco e caia mais 0,1%. Se a expectativa do Ibre-FGV se confirmar, será
configurada uma recessão técnica. Mas a maioria do mercado prevê um crescimento
ainda que modesto. As estimativas para 2022 também estão sendo revistas para
baixo.
A indústria segue com grande dificuldade
para crescer. Dados divulgados pelo IBGE mostraram que a produção industrial
recuou 1,3% em julho, já descontados os efeitos sazonais. Dos sete meses
transcorridos no ano até agora, cinco fecharam no negativo, um foi de
estabilidade e apenas um teve crescimento. O PIB da indústria total caiu 0,2%
no segundo trimestre, e o da indústria de transformação acumulou dois
trimestres no vermelho.
Setores da indústria que importam partes e
peças estão com problemas nas cadeias de suprimento. De outro lado, também
estão sendo afetados os que dependem da renda das famílias, como alimentos e
bebidas. A produção de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, por
exemplo, estava em um patamar 7,4% inferior ao de dezembro de 2020 e abaixo do
nível pré-pandemia.
O mercado de trabalho apresentou finalmente
uma recuperação. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)
Contínua, divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego foi de 14,1% no segundo
trimestre, menor que os 14,7% de janeiro a março. Ainda são 14,4 milhões sem
ocupação no país. No entanto, a melhora é explicada pelo aumento de empregos de
menor qualidade, com salários mais baixos, muitos dos quais informais, como
serviços domésticos, alojamento, alimentação e construção, o que limita o poder
de compra. Levantamento da LCA Consultores a partir dos dados da Pnad Contínua
já havia apurado em junho o aumento da parcela dos trabalhadores que ganham até
um salário mínimo para 34,8%, em comparação com 27,2% em dezembro de 2019,
antes da pandemia.
O rendimento médio dos trabalhadores caiu
3% em termos reais no segundo trimestre, comparado ao primeiro trimestre, e
recuou 6,6% sobre o mesmo período em 2020. A massa de rendimento real habitual
somou R$ 215,49 bilhões, com queda de 0,6% na comparação com o primeiro
trimestre e de 1,7% em relação ao mesmo período de 2020.
A massa salarial deprimida explica o fraco
desempenho do comércio e dos serviços, que só recentemente vieram a mostrar
alguma evolução positiva diante do impulso ocasionado pelo avanço da vacinação,
que aumentou a mobilidade das pessoas. Nesta semana, o IBGE divulga o resultado
do varejo em julho, o que pode complementar o quadro.
O aumento da inflação está jogando contra,
erodindo ainda mais o consumo das famílias, que ficou estagnado no segundo
trimestre. No início do ano, o aumento dos preços das commodities e do dólar
catapultou a inflação, que agora ganha combustível com a crise hídrica que
eleva os preços da energia, penalizando ainda mais os desempregados e a baixa
renda. Até julho, o IPCA, que reflete a inflação para a população de um a 40 salários
mínimos, acumulou elevação de 8,99% em 12 meses. Já o INPC, que foca o segmento
de um a cinco salários mínimos, estava com alta de 9,85% no mesmo intervalo de
tempo. Energia e alimentos puxam a escalada. Sai nesta semana o IPCA de agosto.
A expectativa é que pode subir ainda mais um pouco antes de recuar um pouco no
fim do ano.
Mas três fatores podem pressionar mais a
inflação. Um deles é a tensão política, que tende a crescer à medida que as
eleições de 2022 se aproximam, contribuindo para valorizar o dólar e elevar os
preços. O outro é a crise hídrica, que até agora repercute principalmente no
encarecimento dos custos, mas pode piorar se levar a um racionamento. Além
disso, o ajuste fiscal voltou a ficar em dúvida com as propostas do governo de
turbinar o Bolsa Família e parcelar o pagamento de precatórios. Para
complementar o círculo nada virtuoso que se autoalimenta, o Banco Central (BC)
recorre ao aumento dos juros para combater a inflação; e a evolução da pandemia
ainda é incerta. Parece difícil mudar esse enredo em que tudo piora com mais
inflação, um risco elevado para um país com uma indexação latente na memória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário