O Globo / Folha de S. Paulo
Bolsonaro está sem rumo
Se Donald Trump tinha um plano para a
insurreição de 6 de janeiro, durou cerca de seis horas. Se Bolsonaro tinha o
seu plano para o 7 de Setembro, durou menos de quatro horas. Às 11h43, ele
anunciou a convocação do Conselho da República, sabe-se lá para que, e lá pelas
15h o Palácio do Planalto informou que a reunião estava esquecida.
No seu discurso matutino, Bolsonaro
mostrou-se desorientado. Referindo-se ao ministro Luiz Fux, ele disse: “Ou o
chefe desse Poder enquadra o seu, ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não
queremos”. A frase não faz sentido. O presidente do Supremo não tem poder para
“enquadrar” a Corte. (A menos que Bolsonaro esteja fazendo fé na faixa preta de
jiu-jítsu de Fux.) Também não tem sentido o “sofrer aquilo que não queremos”.
Primeiro, porque falta dizer o que “queremos”, depois porque falta explicitar o
que significa “sofrer”. À tarde, Bolsonaro fulanizou sua carga contra o
ministro Alexandre de Moraes: “Ou ele se enquadra ou pede para sair”. Não disse
como, nem por quê. Também não explicou o mecanismo legal que poderá livrá-lo de
Moraes.
Hoje, ao chegar ao Planalto, Bolsonaro não
terá na agenda a tal reunião com o Conselho da República, mas lá estarão os
três setes que assombram o Brasil no seu 199º ano de existência:
O litro da gasolina a R$ 7, com a inflação
e os juros arriscando chegar a 7%.
Isso para não falar nos 14 milhões de
desempregados num país que rala em pandemia que já matou mais de 580 mil
pessoas. Todos esses problemas exigem que o governo trabalhe. É serviço para
formigas, não para cigarras.
Se qualquer dos problemas que estão sobre a mesa de Bolsonaro pudesse ser resolvido tirando Moraes ou qualquer outro ministro do Supremo, eles certamente mandariam as togas para o Planalto. Contudo, no seu discurso vespertino, Bolsonaro pronunciou a palavra mágica de suas ansiedades: “inelegibilidade”.
Bolsonaro tem uma só preocupação: continuar
na Presidência. Teme perder a eleição, por isso continua satanizando as urnas
eletrônicas. Sabe que corre o risco de ser declarado inelegível pelo que fez e
deixou fazer em suas campanhas e antecipa-se. Declará-lo inelegível em 2022 por
malfeitorias de 2018 dará ao processo legal um cheiro desagradável de tapetão.
Nada melhor que chamar os eleitores,
computar os votos e empossar o candidato que tiver mais votos.
Até a hora em que Bolsonaro terminou seu
segundo discurso, o 7 de Setembro de 2021 transcorreu em paz. Ficou apenas uma
ameaça de Bolsonaro: ele diz que não cumprirá ordens da Justiça que vierem a
desagradá-lo. A ver.
Bolsonaro diz que continuará dentro das
quatro linhas da Constituição, mas ameaça sair do quadrado, sem dizer como.
Falta pouco mais de um ano para a eleição, e novas crises virão.
Os três setes continuarão sobre a mesa do
presidente, com suas próprias tensões. As ruas continuarão abrigando gente que
acredita em cloroquina, no grafeno, no nióbio e nas fraudes das urnas
eletrônicas.
A História oferece um refresco. Os restos
mortais de Napoleão chegaram a Paris em 1840, 19 anos depois de sua morte. Naqueles
dias, só no manicômio de Bicêtre, havia 14 Napoleões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário