Correio Braziliense
No Dia da Independência,
cujas comemorações sequestrou, Bolsonaro não apresentou um projeto para o país,
nem falou dos nossos verdadeiros problemas
O presidente Jair Bolsonaro, ontem, nos
atos políticos realizados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na
Avenida Paulista, em São Paulo, cruzou “as quatro linhas da Constituição de
1988”. Mostrou seu verdadeiro tamanho, mas ele não é maior do que um quarto do
campo do eleitorado, conforme as pesquisas de opinião que avaliam o seu
desempenho e o do governo. Por isso mesmo, a opção de governar apenas para seus
partidários, em vez de fazê-lo para todos os brasileiros, e desafiar a ordem
democrática e os demais Poderes da República, principalmente o Supremo Tribunal
Federal (STF), pode lhe custar muito mais caro do que imagina.
Além de escolher o caminho da derrota
eleitoral em 2022, Bolsonaro pede para ser considerado inelegível pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e para que seja aberto o seu processo de impeachment
pelo presidente da Câmara, com apoio até dos partidos do Centrão. No Dia da
Independência, cujas comemorações sequestrou, Bolsonaro não apresentou um
projeto para o país, nem falou dos nossos verdadeiros problemas: crise sanitária,
recessão, desemprego, inflação, crise fiscal, isolamento internacional. Para
mascarar seu fracasso, agravou ainda mais crise com o Supremo, que pode se
tornar disruptiva.
De uma só vez, nas manifestações, cometeu
vários crimes eleitorais, daqueles que já custaram o mandato e/ou a reeleição
de muitos prefeitos e alguns governadores. Fez campanha eleitoral antecipada;
usou recursos públicos em benefício próprio; o dinheiro de caixa dois financiou
viagens de fanáticos apoiadores. Bolsonaro elevou o patamar de seus desatinos
autoritários. Para o mundo político e jurídico, pirou de vez. Fez ataques e
ameaças frontais aos demais poderes, pregou a desobediência civil. Anunciou que
pretende reunir o Conselho da República ainda hoje, para enquadrar os ministros
do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O primeiro é responsável
pelo inquérito das fake news e será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) durante as eleições, cargo hoje ocupado pelo segundo. Bolsonaro disse com
todas as letras que não haverá eleição com urna eletrônica.
“Amanhã, estarei no Conselho da República. Juntamente com os ministros. Para nós, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com esta fotografia de vocês, mostrar para onde nós todos deveremos ir”, disse em Brasília. “Não aceitaremos que qualquer autoridade usando a força do Poder passe por cima da Constituição. Não mais aceitaremos qualquer medida, qualquer ação, qualquer sentença que venha de fora das quatro linhas da Constituição. Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos três Poderes continue barbarizando nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil”, completou.
Cartazes dos manifestantes pediam o afastamento
dos ministros do Supremo e uma intervenção militar. O Dia da Independência foi
transformado na antessala de um golpe de Estado. Bolsonaro tentou colocar
contra a parede o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux:
“Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder vai sofrer aquilo que não
queremos. Porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder
da República. Nós todos aqui na praça dos Três Poderes juramos respeitar a
nossa Constituição. Quem era de fora dela ou se enquadra ou pede para sair”,
desafiou.
Executivo unitário
Fux, agora, terá que adotar medidas em defesa da instituição que preside e dos
demais integrantes da Corte. Bolsonaro vem tomando atitudes na linha da teoria
do “Executivo unitário”, tese defendida pela extrema direita norte-americana,
adotada pelo presidente George Bush, dos Estados Unidos, logo após os ataques
às Torres Gêmeas, em 2001, com a tomada de decisões sem consulta ao Congresso
nem à Suprema Corte. O direito constitucional dos Estados Unidos afirma que o
presidente da República possui o poder de controlar todo o Poder Executivo
federal, com base no Artigo Segundo da Constituição dos Estados Unidos.
A teoria do Executivo unitário é uma
resposta ultraconservadora ao porquê a autoridade deve ser respeitada. Para
exercer o poder, é preciso fundamentá-lo juridicamente. Bolsonaro quer ampliar
seu poder com base em fundamentos jurídicos que distorcem a Constituição de
1988, como sua interpretação do artigo 142, que regula o papel das Forças
Armadas.
Na democracia, os pilares da validação do
poder estão escorados na concessão pelo povo de autoridade e limites para os
governantes, estabelecidos quando aquele (o povo) atribuiu a esses (os
governantes) o exercício do poder soberano. Como atribuição, e não cessão (e
nem concessão divina), os poderes de um governo só podem ser legitimamente
exercidos dentro dos limites legais que lhes foram impostos. Por ter sido
eleito pelo voto direto e ser o “comandante supremo” das Forças Armadas,
Bolsonaro acredita que o Supremo não pode confrontar suas decisões, o que não é
caso. Quem avaliza ou não a legitimidade de seus atos é o Supremo, não o
contrário.
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