Valor Econômico
O salto dos fed funds para 3,5% até meados
de 2023 pode levar os EUA à recessão e não trazer a inflação de volta a 2%
Em geral, três preços ditam muito do que
ocorre na economia mundial: o do petróleo, o do dólar, e o dos fundos
disponibilizados pelo Banco Central (BC) americano, a taxa do Fed funds. No último
ano e, em especial, no primeiro quadrimestre de 2022, os três se mexeram
bastante, com fortes impactos no cenário econômico global.
O preço do barril de petróleo, em dólares,
subiu incríveis 62% nos últimos 12 meses, sendo que 2/3 dessa alta se deram nos
primeiros quatro meses deste ano. Não foi só o petróleo que ficou mais caro. O
índice de preços do FMI para commodities não energéticas, por exemplo, subiu
23% nos 12 meses até março, sendo que a alta para as commodities de alimentos
foi de 28%.
A alta no preço de commodities em geral é boa para o Brasil, elevando nossas exportações e estimulando a produção doméstica desses produtos. Nos 12 meses até março, o preço de nossas exportações subiu 30%, sendo 17% apenas no primeiro trimestre de 2022. A alta deve ter continuado em abril.
Normalmente, a melhora que isso gera em
nossas contas externas, e a entrada de capital externo para os setores
beneficiados, leva à valorização do câmbio, que mitiga o impacto inflacionário
dessa alta de preços. O resultado é mais crescimento, com inflação comportada e
melhoria de bem estar, conforme o câmbio mais apreciado barateia as
importações. Não foi, porém, o que se viu desta vez, ou pelo menos não na
escala necessária: nos 12 meses até abril, o real se valorizou 14,4% frente ao
dólar, o que foi bom, mas não o bastante para compensar a alta de 21,8% no
preço das importações, menos ainda na do petróleo.
Essa dinâmica é surpreendente, porém, dada
a forte valorização do dólar nesse período. O DXY, índice que reflete a
variação do dólar frente às moedas das outras principais economias
desenvolvidas, teve alta de 13% no último ano, sendo metade disso apenas em
2022. Desde a semana passada, o DXY gira no mais alto patamar desde 2002.
Quando do dólar se valoriza, em geral o
preço das commodities (em dólar) cai e as moedas de emergentes se enfraquecem,
e vice versa quando ele se desvaloriza. Entre meados de 1995 e início de 2002,
o DXY experimentou uma forte escalada, subindo cerca de 40%. Nesse período, o
preço das commodities agrícolas caíram -15,4%, das commodities metálicas -25,1%
e dos insumos industriais -33,5%. As moedas de economias emergentes foram
fortemente pressionadas, com crises cambiais na Ásia, no Brasil e na Argentina,
por exemplo.
Por outro lado, entre os inícios de 2002 e
de 2008, o DXY despencou incríveis 37%. Nesse período, o preço das commodities
agrícolas subiu 93%, o dos insumos industriais 220% e o das commodities
metálicas teve alta de 271%, tudo isso em dólar. O real se valorizou fortemente
nesse período, caindo de uma taxa de câmbio de R$ 2,93/US$ em julho de 2002
para R$ 1,59/US$ seis anos depois, a despeito da inflação acumulada no Brasil
nesses anos ter sido 29 pontos percentuais mais alta do que nos EUA.
Há, portanto, uma pressão subjacente no
sentido de queda dos preços das commodities e desvalorização das moedas de
emergentes. Esse cenário, que já tende a ser desafiador, pode ficar mesmo feio
com a alta nas taxas de juros praticadas pelo Fed, o BC americano.
Esta semana o Fed elevou a taxa do Fed
funds em meio ponto percentual, para o intervalo entre 0,75% e 1,00%. Também
sinalizou que nas próximas duas reuniões deve promover altas semelhantes de
juros e que deve começar a reduzir seu balanço, ao ritmo de US$ 47,5 bilhões
por mês, no trimestre junho-agosto, acelerando para US$ 95 bilhões por mês a
partir daí.
À primeira vista, essas soam como medidas
fortes. Fazia quase exatos 22 anos que o Fed não subia sua taxa em meio ponto
percentual em uma reunião, sendo que desde 2006 ele não eleva essa taxa em duas
reuniões seguidas. Por outro lado, quando se considera que a inflação em 12
meses está em 8,5%, uma taxa abaixo de 1% ao ano mostra o quão atrás da curva o
Fed está. Como também a venda de papéis precisa ser colocada em contexto: no
último biênio, o BC americano ampliou seu balanço em quase US$ 5 trilhões.
Os mercados hoje esperam que a taxa do Fed
funds suba para 3% no final deste ano e para 3,5% em meados de 2023. Uma
escalada dessa magnitude vai gerar bastante barulho, levando a novas altas do
dólar e quedas nos preços das ações e dos títulos de dívida, em um contexto em
que a alavancagem aumentou muito. É bem possível que os EUA acabem entrando em
recessão. E, pior, é quase com certeza uma alta insuficiente para trazer a
inflação para a meta de 2%.
Eventualmente, esse cenário vai pesar no
preço das commodities, que deve cair também. No curto e médio prazo, porém, a
guerra na Ucrânia, que ameaça se arrastar por bastante tempo, e as novas
sanções que vão sendo impostas, tendem a manter esses preços elevados. O
petróleo é um bom exemplo: com a perspectiva de bloqueio na União Europeia ao
petróleo russo, e o eventual esgotamento da oferta extra trazida pela redução
do estoque estratégico americano, ambos previstos mais para o final deste ano,
é difícil esse preço cair.
Um cenário feio, ruim e com pouca coisa boa
para celebrar.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
Nenhum comentário:
Postar um comentário