Correio Braziliense
Pôr em dúvida a segurança do
pleito abre caminho para a contestação de um resultado adverso. Não faltam
aqueles que estão dispostos a não aceitar eventual derrota eleitoral de
Bolsonaro, custe o que custar
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio
Nogueira, encaminhou ofício, ontem, ao presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), Edson Fachin, no qual solicita que as sugestões e os
questionamentos das Forças Armadas sobre as eleições fossem divulgados
publicamente. O objetivo seria dar “maior transparência e segurança ao processo
eleitoral” e “estimular o debate entre a sociedade acerca do aperfeiçoamento”
do sistema.
O gesto vai na linha dos questionamentos
feitos pelo presidente Jair Bolsonaro e, de certa forma, corrobora as
preocupações em relação ao envolvimento direto dos militares no seu projeto de
permanência no poder. Pôr em dúvida a lisura do pleito abre caminho para a
contestação de um resultado adverso. Não faltam aqueles que estão dispostos a
não aceitar eventual derrota eleitoral de Bolsonaro, custe o que custar, ainda
mais se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva for vitorioso.
No ofício, o general Paulo Sérgio coloca as Forças Armadas no mesmo patamar de responsabilidade da Justiça Eleitoral em relação ao pleito, o que não é sua atribuição constitucional: “Com a finalidade de cumprir a obrigação legal e de conferir a maior transparência possível aos atos da gestão pública e em face da impossibilidade de ver concretizada a reunião solicitada por este ministro a Vossa Excelência, venho, por meio deste expediente, propor a esse tribunal que os documentos ostensivos relacionados à CTE (Comissão de Transparência do TSE) sejam amplamente divulgados, conjuntamente, pelo Ministério da Defesa e por essa Corte Eleitoral, haja vista o amplo interesse público no tema em questão”.
A divulgação do ofício ocorreu após a
sessão plenária do TSE, na qual Fachin disse que “a Justiça Eleitoral não
medirá esforços para realizar eleições limpas, transparentes, com paz e
segurança e diplomar os eleitos”. Os questionamentos são cinco ofícios
sigilosos assinados pelo general de divisão do Exército Heber Garcia Portella,
que participa da Comissão de Transparência do TSE, quatro dos quais já foram
respondidos e um aguarda manifestação da Corte. Indicado pelo então ministro da
Defesa, Walter Braga Netto, hoje cotado para vice na chapa de Bolsonaro, o
general Portella fez mais de 80 questionamentos ao processo eleitoral, que
agora servem de argumento para Bolsonaro pedir uma descabida apuração paralela
dos votos pelo Exército.
Coincidentemente, ontem, a Agência Reuters
revelou que o diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados
Unidos, William Burns, teria comentado com autoridades do governo do brasileiro
que Bolsonaro deveria deixar de questionar a integridade das eleições no país,
durante reunião realizada no Palácio do Planalto, em 1º de julho do ano
passado. O diretor da CIA é a mais alta autoridade do governo Joe Biden a
visitar o Brasil e, de fato, esteve reunido com o ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, o general Augusto Heleno; o então diretor da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem; e o general Braga Netto,
que era o ministro da Defesa. O embaixador dos EUA na época, Todd Chapman,
também participou. Heleno confirmou a reunião, mas negou o comentário.
Plano Cohen
O recado que vem do passado é o famoso
Plano Cohen, documento forjado com a intenção de instaurar a ditadura do Estado
Novo, em novembro de 1937. Com a aproximação das eleições presidenciais
marcadas para 1938 e a impossibilidade de estender o seu mandato, o presidente
Getúlio Vargas e o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra, passaram a
planejar um golpe de Estado. Para isso, era preciso inventar uma grande ameaça
ao país, no caso, uma nova tentativa de tomada do poder pelos comunistas, embora
o seu principal líder, Luís Carlos Prestes, estivesse preso desde 1935.
Mesmo assim, o fantasioso plano atribuído
aos comunistas foi enviado pelo general Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior do
Exército, às principais autoridades militares do país e apresentado como se
fosse apreendido pelas Forças Armadas. O Plano Cohen provocou uma comoção
nacional. Vargas aproveitou a falsa ameaça para pressionar o Congresso Nacional
a decretar um estado de guerra, que lhe deu poderes para remover seus
opositores. Em 10 de novembro de 1937, 40 dias após a divulgação do Plano
Cohen, a ditadura do Estado Novo foi implantada no país.
Com a crise do Estado Novo, em 1945, o mesmo general Góis Monteiro passou a trabalhar para derrubar Vargas. Ele denunciou a fraude que ocorrera oito anos antes, afirmando que o Plano Cohen fora entregue ao Estado-Maior do Exército pelo capitão Olímpio Mourão Filho, à época, chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira. Mais tarde, em 31 de março de 1964, Mourão Filho liderou as tropas do Exército que desceram de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro com o objetivo de destituir o presidente João Goulart. Em suas memórias, Mourão admitiu ser autor do Plano Cohen.
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