O Estado de S. Paulo
Promessas e exageros dos EUA podem inflar
demais as expectativas e criar consequências indesejadas
Crescendo em Minnesota, fui fã do time
local de hóquei no gelo, o North Stars, e um comentarista esportivo, Al Shaver,
me ensinou a primeira lição sobre política e estratégia militar. Ele terminava
os programas com a seguinte frase: “Quando perder, fale pouco. Quando vencer,
fale menos. Boa noite e bons esportes”.
O presidente Joe Biden e seu time fariam
bem em adotar a sabedoria de Shaver. Semana passada, na Polônia, perto da
fronteira com a Ucrânia, o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, chamou
minha atenção – e a de Vladimir Putin – ao declarar que o objetivo americano
não é mais apenas ajudar os ucranianos, mas também produzir uma Rússia
“enfraquecida”.
“Queremos ver a Rússia enfraquecida para
que ela não seja capaz de fazer o que fez ao invadir a Ucrânia”, afirmou. “Os
russos já perderam muito de sua capacidade militar e muitos soldados. E
queremos vê-los sem a capacidade de recuperar isso rapidamente.”
Por favor, digam-me que essa declaração foi resultado de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional (CSN) liderada pelo presidente. Não ficou claro se somos capazes de fazer isso sem arriscar uma resposta nuclear de um Putin humilhado.
EXAGEROS. Espero que esta guerra acabe com
as forças russas degradadas e com Putin fora do poder. Mas eu jamais diria isso
publicamente, se fosse autoridade, porque isso não gera nenhum benefício e pode
custar caro. Lábios soltos afundam navios – e ocasionam exageros de guerra,
esforços vãos, desconexões entre fins e meios e consequências indesejadas.
A equipe de Biden está exagerando demais
nesse sentido. Por exemplo, pouco depois da declaração de Austin, um porta-voz
do CSN afirmou que os comentários do secretário refletiam os objetivos dos EUA
“de fazer da invasão um fracasso para a Rússia”.
Boa tentativa, mas não passou de um esforço
de remediar. Forçar a Rússia a se retirar da Ucrânia não é o mesmo que desejar
vê-la enfraquecida a tal ponto que ela não seja capaz de fazer isso novamente –
isso é um objetivo de guerra mal definido. Como saberemos quando isso for
alcançado?
Em março, em discurso na Polônia, Biden
afirmou que Putin, “um ditador dedicado a reconstruir um império, jamais
apagará o amor do povo pela liberdade”. E foi além: “Pelo amor de Deus, este
homem não pode continuar no poder”.
Em seguida, a Casa Branca argumentou que
Biden “não estava colocando em questão o poder de Putin na Rússia ou
considerando uma mudança de regime”, mas afirmando que “não pode ser permitido
(a Putin) exercer poder sobre seus vizinhos ou sobre a região”.
Foi mais uma salada de terminologia
remediadora, que me convence apenas de que o CSN não fez nenhuma reunião para
estabelecer limites a respeito de onde começa e até onde vai o envolvimento
americano na Ucrânia. Em vez disso, autoridades agem autonomamente. Isso não é
bom.
Nosso objetivo começou simples e deve
permanecer simples: ajudar os ucranianos a lutar, enquanto eles tiverem
disposição, e ajudá-los a negociar, quando eles perceberem que é a hora certa –
para que eles sejam capazes de restabelecer sua soberania e nós possamos
reafirmar o princípio de que nenhum país pode devorar o vizinho.
CENÁRIOS. Por quê? Para começar, não quero
que os EUA sejam responsáveis pelo que venha a acontecer na Rússia se Putin for
derrubado, porque um desses três cenários será o resultado mais provável: (1)
Putin é substituído por alguém pior; (2) o caos toma conta da Rússia, um país
com 6 mil bombas nucleares – como vimos na Primavera Árabe, o oposto da
autocracia nem sempre é a democracia, mas a desordem; e (3) Putin é substituído
por alguém melhor.
Rezo por isso. Mas, para essa pessoa ter
legitimidade numa Rússia pós-Putin, é vital parecer que ele não tenha sido
instaurada pelos EUA. É necessário um processo russo. Se o caminho for pela
porta 1 ou pela 2, não gostaríamos que o povo russo ou o mundo
responsabilizassem os EUA por desencadear uma instabilidade na Rússia.
Também não queremos que Putin nos separe de
nossos aliados – nem todos se alistariam para uma guerra cujo objetivo é depor
Putin. Sem dar nome aos bois, o chanceler turco, Mevlut Cavusoglu, reclamou
recentemente de que a Otan “quer que a guerra continue e a Rússia se
enfraqueça”.
Lembrem-se, muitos países permaneceram
neutros porque, por mais que simpatizem com os ucranianos, não gostam de ver os
EUA ou a Otan agindo como valentões. Se essa guerra se prolongar, é vital que o
conflito seja percebido como “Putin versus o mundo”, não “Putin versus EUA”.
E sejamos cautelosos para não elevar demais
as expectativas dos ucranianos. Países pequenos que recebem ajuda de grandes potências
podem ficar inebriados. Muita coisa mudou na Ucrânia desde o fim da Guerra Fria
– exceto uma: sua geografia. A Ucrânia ainda é uma nação pequena que faz
fronteira com a Rússia. E terá de fazer concessões antes que o conflito acabe.
Não tornemos isso ainda mais difícil acrescentando objetivos irreais.
Ao mesmo tempo, tenham cuidado ao se
apaixonar por um país que vocês não conseguiam localizar no mapa um ano atrás.
A Ucrânia tem um histórico de corrupção e oligarcas violentos, mas estava
progredindo antes da invasão. A Ucrânia não virou a Dinamarca em três meses,
mas muitos jovens ucranianos estão se esforçando – e quero lhes dar apoio.
OBJETIVOS. Eu vi um filme em 1982 que não
me sai da cabeça. Israelenses haviam se apaixonado por falangistas cristãos no
Líbano, com quem se agruparam para expulsar de Beirute a OLP de Yasser Arafat.
Juntos, eles reformariam o Levante. Mas foram longe demais. Isso ocasionou
consequências indesejadas – o líder falangista foi assassinado; Israel
atolou-se num lamaçal no Líbano; e uma milícia xiita pró-Irã emergiu para
resistir aos israelenses. Esse grupo se chama Hezbollah e domina hoje a
política libanesa.
O time de Biden se deu muito bem até agora
com objetivos limitados. E deveria ficar onde está. “A guerra na Ucrânia deu ao
governo americano a capacidade de forjar uma aliança global para confrontar um
ato autoritário e a capacidade de empunhar uma arma econômica em resposta, o
que só o domínio do dólar na economia global torna possível”, explicou Nader
Mousavizadeh, da Macro Advisory Partners.
Em relações internacionais, sucesso
engendra autoridade e credibilidade, e credibilidade e autoridade engendram
mais sucesso. Simplesmente restaurar a soberania da Ucrânia e frustrar as
forças de Putin seria uma proeza, com dividendos duradouros. Al Shaver sabia o
que dizia: “Quando perder, fale pouco. Quando vencer, fale menos”. Todo mundo
consegue ver o placar.
A equipe de Biden se deu muito bem até
agora com objetivos limitados. E deveria ficar onde está
Tradução de Guilherme Russo
*Thomas Friedman The New York Times É colunista, escritor e ganhador do Prêmio Pulitzer
Nenhum comentário:
Postar um comentário