Folha de S. Paulo
Até a CIA reconhece que golpistas querem
impedir, se eleito, a posse de Lula
Ninguém mais tem o direito de duvidar de
que setores das Forças Armadas, em concerto com o presidente Jair
Bolsonaro, estão
empenhados em impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva caso este vença as
eleições de outubro. Chega de fingir normalidade! Chamemos as coisas pelo
nome enquanto é tempo. Querem nos impor uma democracia tutelada, em que generais
atuem como cabos e
soldados de um capitão arruaceiro. Sem nem um jipe.
Será que devemos nos tranquilizar com a
informação de que William
Burns, diretor-geral da CIA, deixou claro a Bolsonaro e a assessores, em
julho do ano passado, que o rompimento da ordem por aqui seria inaceitável para
os EUA, convidando-o a não pôr em dúvida o sistema eleitoral? Ao contrário.
Como a Inteligência americana não costuma enviar mensagens com esse teor,
tem-se a evidência de que a turma detectou risco real de bagunça.
Um mês depois, no dia 5 de agosto de 2021, Bolsonaro recebeu a visita de Jake Sullivan, assessor especial de Joe Biden. Este estava acompanhado de Juan Gonzalez e Ricardo Zúñiga, altos funcionários do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental. E o que fez o guia genial do golpismo? Disse ao trio que tinha a firme convicção de que Donald Trump fora vítima de fraude. E atacou as urnas eletrônicas. Vale dizer: pôs em dúvida a legitimidade de Biden e do sistema eleitoral nativo.
No dia seguinte à visita, a embaixada
americana no Brasil emitiu numa nota em que afirmava: "Sobre a questão das
eleições brasileiras, a delegação afirmou ter grande confiança na capacidade
das instituições brasileiras de realizar uma eleição justa em 2022. Também
ressaltou a importância de preservar a confiança no processo eleitoral que
tem longa história de legitimidade no Brasil". Dá para imaginar como foi a
conversa.
É preciso anunciar "urbi et
orbe", aos próximos e aos distantes, que a democracia está sob
ataque. Se
um golpe teria ou não condições de ser "bem-sucedido" e o
que se entende por isso, eis uma matéria controversa. Eu até acho que acabariam
todos na cadeia. Mas teríamos de arcar com um custo terrível decorrente do
desatino. É preciso que tentemos evitar o desastre.
"Mas a pinima é só com Lula?" É,
sim! Até agora, não
se vê no horizonte um outro candidato viável, e sempre que a extrema
direita, com ou sem uniforme, evoca a questão da "segurança das urnas
eletrônicas", refere-se à possibilidade de o petista vencer a disputa.
Meteu-se, e foi de boa-fé, um representante
das Forças
Armadas na Comissão de Transparência Eleitoral do TSE. Foi um erro,
registrado por mim precocemente aqui e em toda parte. O fardado nunca pensou em
direito de voto. Logo entendeu que participava do grupo com direito de veto.
Li no Estadão, sem contestação, que o
general Heber Garcia Portella, o escalado para a tarefa, "cobrou da Corte
que adote com urgência medidas para prever e divulgar antecipadamente ‘as
consequências para o processo eleitoral, caso seja identificada alguma
irregularidade’."
Não sei o que isso quer dizer. Nem ele. O
TSE sempre foi eficaz em, por exemplo, substituir
urnas eletrônicas com problemas, e não se tem notícia de pessoas que
deixaram de votar em razão de dificuldades criadas pelo voto eletrônico.
Portella está a exigir do tribunal um
similar do que, no direito penal, se chama "prova negativa" ou
"diabólica". Os militares, que obviamente cruzaram o Rubicão também
nesse caso, querem que o tribunal tenha resposta para elucubrações as mais
exóticas. No universo em que tudo seria possível, inexiste remédio para o
impossível. E aí desafiam a corte eleitoral: "No caso imprevisto,
aconteceria o quê?" É a insanidade metódica. Não há resposta certa para
pergunta errada.
Desde as conversas com emissários de
Biden, Bolsonaro
radicalizou a pregação e a
prática golpistas. É o único postulante à Presidência assumidamente
subversivo, que fala abertamente em luta armada. Transformou a Presidência da
República num aparelho golpista. E parte das Forças Armadas se mostra, sim,
disposta a lhe emprestar o braço forte e a mão amiga. Contra a democracia.
Até —ou sobretudo— a CIA já sabe.
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