Folha de S. Paulo
Virada financeira americana deve afetar um
Brasil que mal fica de pé
É provável que tenhamos tumulto financeiro
preocupante nos próximos meses. O Banco Central americano e os donos do
dinheiro do mundo parecem não ter ideia do que será de inflação e taxa de
juros. Em um Brasil que vive de salários deprimidos, se vive, que discute o
golpe e a eleição
crucial deste 2022, essa conversa
de juros nos EUA parece um luxo.
Não é.
Temos tomado uns aperitivos do problema,
como nesta quinta-feira de dólar
subindo 2,4% e a Bolsa perdendo o restinho do avanço do ano, abatida pelo
tombo americano. É fácil perceber o problema que é um dólar mais caro.
Mas tem mais.
Se os donos do dinheiro não têm noção do destino das taxas de juros nos EUA, do ritmo em que vão subir, as idas e vindas do mercado financeiro serão mais frequentes ou também acentuadas (a volatilidade aumenta). Entre outros problemas, não é um ambiente propício para se colocar dinheiro em negócio de risco, como no Brasil. Mas tem mais.
Em junho, começa a diminuir o total de dinheiro
que o Fed, o BC deles, tem emprestado para o governo e, na maior parte
restante, para financiamento imobiliário. Assim como o fez entre 2008 e 2014,
desde 2020 o Fed comprava títulos de dívida do governo e imobiliária (o que
conteve a taxa de juros desses financiamentos). Tem quase US$ 9 trilhões
"emprestados" (quase 37% do PIB, ante 18% do PIB, antes da epidemia,
e 6% do PIB antes da grande crise de 2008).
O BC dos EUA, na prática, subsidiava o
governo e a compra de imóveis,
além de inflar o preço das ações, graças a tanto dinheiro barato. Acabou a
sopa.
Não se sabe bem que bicho vai dar, mas é
improvável que tal enxugamento não provoque alta adicional das taxas de juros e
redução de demanda de imóveis e outros ativos. Bolsas e títulos de dívida com
preços caídos diminuem a riqueza, mais um motivo para a economia desacelerar.
Juro mais alto nos EUA e mais risco quer
dizer, em tese, dólar mais alto por aqui. Um dólar mais barato era a esperança
de redução mais rápida da inflação (mas não certeza). Para piorar, o preço das
commodities (petróleo, grãos) não deu refresco nos últimos 15 dias, desde
quando o dólar chegou a mínimas do ano.
Há sinais de que a inflação
continuou a acelerar, como o IPC da Fipe de abril (preços na cidade de São
Paulo) ou pesquisas como o PMI da S&P (que tenta antecipar resultados da
atividade econômica). Por falar em PMI, o índice composto de abril (que junta
todas as atividades econômicas) apontou crescimento relevante. É possível que
mais gente tenha arrumado algum trabalho, embora o salário médio continue de
miséria, em boa parte por causa da inflação.
Medidas do governo contribuem para evitar
que a economia volte a encolher, mas têm efeito provisório. Esse ambiente de
quase estagnação controlada é ameaçado pela inflação acima de 10% ao ano até
setembro, taxas de juros em alta e incertezas mundiais (dos EUA à China de
crescimento claudicante por causa de lockdowns).
O tamanho do tumulto americano passou a ser
um ingrediente mais forte nessa sopa de incerteza. As guerras do
"Oriente" (de Putin contra a Ucrânia e da China contra a Covid e seus
desequilíbrios econômicos) ajudam a derrubar o "Ocidente".
Tudo isso e a virada financeira americana devem ter consequências mais profundas na economia mundial, claro. Trata-se aqui apenas do curtíssimo prazo comezinho do Brasil. A perspectiva não é boa. O que se pode fazer agora? Nada. Não tomamos vacina econômica e política na hora certa. Vamos ter surtos adicionais de problemas econômicos. A questão agora é evitar uma epidemia em 2023.
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