Folha de S. Paulo
Explicações adequadas aos EUA e democracias
europeias não ajudam a entender o populismo aqui
O que explica a ascensão do populismo de
extrema direita nas democracias ocidentais? As respostas vão desde as que
destacam dimensões socioeconômicas até a fatores culturais e morais. Mas todas
parecem concordar que líderes e movimentos populistas exploram os sentimentos
de abandono, humilhação e ressentimento antielite nutridos por pessoas e grupos
perdedores nas mudanças trazidas pela globalização.
Eis por que os pobres brancos das regiões dos EUA onde o emprego evaporou quando as indústrias migraram para outros países são os mais fiéis eleitores de Donald Trump. O mesmo se dá na França, onde a Frente Nacional (FN) colhe os votos tanto dos operários de áreas economicamente decadentes como da pequena burguesia, uns e outros atemorizados pelos imigrantes de pele escura. Isso ocorre também na antiga Alemanha Oriental, onde robusta maioria crê que a reunificação do país teria sido imposta pelos ricos conterrâneos do oeste. Na antiga República Democrática Alemã (a RDA) vicejam as bases mais sólidas da extremista da Alternativa para a Alemanha (AfD).
As desigualdades exploradas pela extrema
direita não são apenas econômicas —de emprego e renda. Há diferenças
educacionais, de cultura, estilos de vida e crenças que separam "o
povo" das elites —conservadoras ou progressistas. Os "perdedores"
não costumam chegar às universidades. Nos EUA, eles têm mais problemas de
saúde; são mais propensos a se drogar; vivem menos que os mais escolarizados;
têm menos amigos; e mal frequentam redes de convivência.
As explicações que parecem adequadas aos EUA
e às democracias europeias não ajudam a entender o populismo de direita no
Brasil: não dão conta de explicar a popularidade de Jair
Bolsonaro. Precisamos de outras hipóteses e mais estudos sobre o que é
original na experiência brasileira.
Embora o ex-capitão golpista tenha colhido
votos em diferentes estratos —o que era de esperar em um pleito majoritário—, o
núcleo duro de seus adeptos é formado por homens; brancos; evangélicos; de
renda média e alta; educação de nível médio; habitantes do Sul e Sudeste. Nesse
grupo, cerca de 90% declararam em 2018 a intenção de votar em Bolsonaro. Também
era alta —ainda é— a simpatia pelo ex-presidente nos estados onde a agricultura
de exportação movimenta a economia local.
Assim, os simpatizantes da extrema direita
local não são deserdados da sorte, mas, antes, beneficiários —em maior ou menor
grau— da bonança econômica da primeira década do século, puxada pelo boom das
commodities e pelas políticas de inclusão.
Aqui o discurso antielitista típico do
populismo não parece se alimentar do ressentimento, do sentimento de perda e da
expectativa de volta a um passado melhor. Talvez esteja dando voz a outro tipo
de experiência social e apele a uma noção de sociedade e de país baseada na
crença no progresso como fruto do esforço individual; no desprezo pelas formas
coletivas de ação; no moralismo em matéria de costumes; na rejeição ao setor
público, tido como fonte de corrupção e desperdício.
Se assim for, não basta ridicularizar os
líderes ou denunciar a demagogia de seus apelos. É preciso entender quem os
segue.
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