O Globo
‘Não adianta o Trump ficar gritando de lá.
Aprendi a não ter medo de cara feia. Fale manso comigo. Fale com respeito
comigo que eu aprendi a respeitar as pessoas e quero ser respeitado”,
disse Lula na
última terça-feira. Ele estava em Minas Gerais para
inaugurar a ampliação de uma unidade da Gerdau, na véspera da entrada em vigor
da taxação do aço e do alumínio brasileiros pelos Estados Unidos.
Enquanto o presidente falava, seus
negociadores quebravam a cabeça em busca de uma estratégia para tentar derrubar
as restrições sem partir para o conflito direto com o governo americano.
As idas e vindas nas negociações sobre tarifas com Canadá, México e Colômbia não apontam um caminho óbvio a seguir. Por ora, não há mesmo outra saída para a diplomacia brasileira a não ser optar pela cautela e pelo diálogo, e não retaliar de imediato.
Primeiro, porque o Brasil não tem
força para isso, mas também porque a forte reação das Bolsas americanas às
políticas erráticas e inflacionárias de Donald Trump ainda
pode acabar levando a um recuo. Até que isso aconteça, o país terá de lidar com
os efeitos nocivos das taxas sobre um setor em que Lula apostava para
impulsionar o renascimento da indústria nacional em seu terceiro mandato.
Essa é apenas uma das crises já contratadas
que fazem de Trump um fator de risco adicional para Lula em 2026. É por isso
que, apesar do tom autoconfiante do presidente no palanque, nos bastidores do
governo o clima é de apreensão generalizada.
Já se vê integrante da equipe econômica
dizendo que, em menos de 60 dias, será difícil prever exatamente o que ocorrerá
com a inflação e os juros no Brasil. Espera-se que a supersafra prevista para
os próximos meses derrube os preços de alguns produtos.
Mas também se sabe que as políticas de Trump
são inflacionárias — além do aumento das tarifas de importação, o combate à
imigração ilegal e os cortes de impostos tendem a elevar custos —, o que deve
segurar a queda dos juros nos Estados Unidos. Com juros mais altos por lá, os
daqui também demoram mais a cair.
Para não piorar ainda mais o ambiente, o
governo já orientou seus representantes no Brics —
o bloco dos países emergentes — a suspender toda iniciativa que possa criar
ainda mais conflito com Trump, como o projeto de criar uma moeda alternativa ao
dólar no comércio internacional. A ordem é evitar polêmicas. Mas isso não quer
dizer que o próprio Trump, interessado em vitaminar o argentino Javier Milei,
não vá buscá-las.
Outra crise à vista diz respeito à regulação
das big techs, defendida por Lula e frontalmente contrária à agenda de
Trump. Elon Musk —
aquele a quem Janja mandou
se f... outro dia mesmo — já pôs a máquina do governo e os republicanos para
criar constrangimentos ao ministro Alexandre
de Moraes nos Estados Unidos em razão de suas decisões contra o X e
outras plataformas. Qualquer tentativa de regulá-las também deverá receber
respostas duras dos americanos, que podem vir tanto em forma de retaliações
como de reforço concreto ao bolsonarismo na política e nas redes.
A indicação de Eduardo
Bolsonaro pelo PL para
presidir a Comissão de Relações Exteriores da Câmara
dos Deputados é outro complicador que não estava no radar. O filho
Zero Três de Jair
Bolsonaro é o político brasileiro mais bem articulado com o trumpismo
e tem trabalhado com afinco para faturar politicamente com isso. O pedido
do PT para
apreender o passaporte dele não deve ter efeito prático além de ajudar a
promover Eduardo junto a seu eleitorado.
Pelo acordo entre todos os partidos por
ocasião da eleição de Hugo Motta (Republicanos-PB)
para a presidência da Câmara, o PL tem a prerrogativa de escolher os cabeças de
cinco comissões e não abrirá mão dela.
A ação do PT, porém, não brotou do nada.
Horas depois da fala de Lula em Minas, José Dirceu comemorou
seu 79º aniversário num bar de Brasília expressando
sem rodeios temores que ninguém no governo pode expor tão abertamente.
Definindo a gestão Lula como “um governo
sitiado pela conjuntura internacional”, Dirceu defendeu que seja feita uma
“aliança política com todos aqueles que defendem a democracia, a soberania e o
Estado de Bem-Estar Social” para combater o avanço da extrema direita:
“Nossa democracia está ameaçada por
brasileiros que, na aliança com o bolsonarismo, vão aos Estados Unidos pregar a
traição nacional e a intervenção dos Estados Unidos e das big techs na nossa
soberania”.
“Para vencer as eleições de 2026”, disse
Dirceu, “temos que governar agora”.
Disso não há dúvidas, mas, com Trump, o que
já era complicado ficou ainda mais difícil.
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