quinta-feira, 13 de março de 2025

O risco Trump e as eleições de 2026 - Malu Gaspar

O Globo

‘Não adianta o Trump ficar gritando de lá. Aprendi a não ter medo de cara feia. Fale manso comigo. Fale com respeito comigo que eu aprendi a respeitar as pessoas e quero ser respeitado”, disse Lula na última terça-feira. Ele estava em Minas Gerais para inaugurar a ampliação de uma unidade da Gerdau, na véspera da entrada em vigor da taxação do aço e do alumínio brasileiros pelos Estados Unidos.

Enquanto o presidente falava, seus negociadores quebravam a cabeça em busca de uma estratégia para tentar derrubar as restrições sem partir para o conflito direto com o governo americano.

As idas e vindas nas negociações sobre tarifas com CanadáMéxico e Colômbia não apontam um caminho óbvio a seguir. Por ora, não há mesmo outra saída para a diplomacia brasileira a não ser optar pela cautela e pelo diálogo, e não retaliar de imediato.

Primeiro, porque o Brasil não tem força para isso, mas também porque a forte reação das Bolsas americanas às políticas erráticas e inflacionárias de Donald Trump ainda pode acabar levando a um recuo. Até que isso aconteça, o país terá de lidar com os efeitos nocivos das taxas sobre um setor em que Lula apostava para impulsionar o renascimento da indústria nacional em seu terceiro mandato.

Essa é apenas uma das crises já contratadas que fazem de Trump um fator de risco adicional para Lula em 2026. É por isso que, apesar do tom autoconfiante do presidente no palanque, nos bastidores do governo o clima é de apreensão generalizada.

Já se vê integrante da equipe econômica dizendo que, em menos de 60 dias, será difícil prever exatamente o que ocorrerá com a inflação e os juros no Brasil. Espera-se que a supersafra prevista para os próximos meses derrube os preços de alguns produtos.

Mas também se sabe que as políticas de Trump são inflacionárias — além do aumento das tarifas de importação, o combate à imigração ilegal e os cortes de impostos tendem a elevar custos —, o que deve segurar a queda dos juros nos Estados Unidos. Com juros mais altos por lá, os daqui também demoram mais a cair.

Para não piorar ainda mais o ambiente, o governo já orientou seus representantes no Brics — o bloco dos países emergentes — a suspender toda iniciativa que possa criar ainda mais conflito com Trump, como o projeto de criar uma moeda alternativa ao dólar no comércio internacional. A ordem é evitar polêmicas. Mas isso não quer dizer que o próprio Trump, interessado em vitaminar o argentino Javier Milei, não vá buscá-las.

Outra crise à vista diz respeito à regulação das big techs, defendida por Lula e frontalmente contrária à agenda de Trump. Elon Musk — aquele a quem Janja mandou se f... outro dia mesmo — já pôs a máquina do governo e os republicanos para criar constrangimentos ao ministro Alexandre de Moraes nos Estados Unidos em razão de suas decisões contra o X e outras plataformas. Qualquer tentativa de regulá-las também deverá receber respostas duras dos americanos, que podem vir tanto em forma de retaliações como de reforço concreto ao bolsonarismo na política e nas redes.

A indicação de Eduardo Bolsonaro pelo PL para presidir a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados é outro complicador que não estava no radar. O filho Zero Três de Jair Bolsonaro é o político brasileiro mais bem articulado com o trumpismo e tem trabalhado com afinco para faturar politicamente com isso. O pedido do PT para apreender o passaporte dele não deve ter efeito prático além de ajudar a promover Eduardo junto a seu eleitorado.

Pelo acordo entre todos os partidos por ocasião da eleição de Hugo Motta (Republicanos-PB) para a presidência da Câmara, o PL tem a prerrogativa de escolher os cabeças de cinco comissões e não abrirá mão dela.

A ação do PT, porém, não brotou do nada. Horas depois da fala de Lula em Minas, José Dirceu comemorou seu 79º aniversário num bar de Brasília expressando sem rodeios temores que ninguém no governo pode expor tão abertamente.

Definindo a gestão Lula como “um governo sitiado pela conjuntura internacional”, Dirceu defendeu que seja feita uma “aliança política com todos aqueles que defendem a democracia, a soberania e o Estado de Bem-Estar Social” para combater o avanço da extrema direita:

“Nossa democracia está ameaçada por brasileiros que, na aliança com o bolsonarismo, vão aos Estados Unidos pregar a traição nacional e a intervenção dos Estados Unidos e das big techs na nossa soberania”.

“Para vencer as eleições de 2026”, disse Dirceu, “temos que governar agora”.

Disso não há dúvidas, mas, com Trump, o que já era complicado ficou ainda mais difícil.

 

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