Valor Econômico
Se Lula quer estender seu prazo de validade, tem que olhar para Claudia Sheinbaum, que freia reações não por boniteza, mas por precisão
Gleisi Hoffmann pode ter sido escolhida para
a Secretaria de Relações Institucionais por ter a confiança do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e pela experiência adquirida na Casa Civil no governo
Dilma Rousseff. Pode ainda ter sido pinçada para a função porque Lula queria
promover mudanças no PT ou, ainda, por ter trânsito com lideranças do Centrão.
Gleisi Hoffmann é uma mulher bonita, mas, como Lula sabe, esta não foi a razão
de sua escolha.
A única maneira de o presidente escapar da pecha de machista depois de ter dito o contrário ontem é aceitar que o ex-presidente José Sarney estava certo quando disse que “é melhor sair muito bem do que já velho”. A frase de Lula aos presidentes da Câmara e do Senado (“por isso coloquei essa mulher bonita para ser ministra das Relações Institucionais, é que não quero mais ter distância de vocês”) não é um lapso. Virou rotina.
Relacionar a frequência com que Lula perde o
controle sobre a impulsividade com a idade poderia ser psicologia de botequim
não fosse a profusão de evidências. Em janeiro deste ano, em evento alusivo aos
dois anos da tentativa de golpe, Lula disse ser amante da democracia e explicou
a intensidade desta condição: “Amantes são mais apaixonados pela amante do que
pelas mulheres”.
Em julho do ano passado, em cerimônia no
Palácio do Planalto na presença de empresários do setor alimentício, disse ter
tido acesso a uma pesquisa sobre o comportamento masculino: “Depois de jogo de
futebol, aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é
corintiano, tudo bem.”
Dois meses antes, em Maceió, durante uma
cerimônia de entrega de unidades do “Minha Casa Minha Vida”, disse que havia
perguntado a uma beneficiária com cinco filhos: “Quando vai fechar a porteira,
companheira?”. No dia anterior, ao anunciar medidas para os atingidos pelas
chuvas no Rio Grande do Sul, tinha dito que “uma máquina de lavar roupa é uma
coisa muito importante para as mulheres”.
Além de lamentável, o discurso de Lula sobre
o poder da boniteza de Gleisi foi um autoengano. Os presidentes das duas Casas
passaram a perna no acordo com o Supremo Tribunal Federal sobre as emendas, que
permitiria ao governo federal algum respiro no Orçamento. E apresentaram
projeto de resolução que o distorce.
Lula perde o freio quando fala e também
quando fica calado. Na última cerimônia em que Nísia Trindade participou,
efetivamente, como ministra, no Palácio do Planalto, na semana passada, ele a
assistiu silente desfiar feitos de sua gestão, como num autodesagravo, e,
depois do almoço, a chamou de volta para demiti-la. Na segunda, ao se despedir
da Pasta, a ex-ministra se disse alvo de uma campanha “sistemática e misógina”.
E não foi do bolsonarismo.
Lula com a data de validade vencida é a
hipótese mais benigna. A outra é a de que, de fato, o presidente aderiu à
campanha denunciada por Nísia uma vez que, além da coleção de impropriedades
sobre as mulheres, o presidente reduziu o número de mulheres no STF e na
Esplanada - em relação à equipe com a qual tomou posse. E ainda há quem diga
que é a primeira-dama quem manda no marido.
A queda de 14 pontos, em dois meses (11
pontos no cômputo geral), do ótimo/bom do presidente da República, segundo o
Datafolha, mostra que as mulheres, além da máquina de lavar roupa e da
porteira, se ocupam com a carestia e a novela do Pix. E talvez, como diz o
poeta, exijam respeito porque não são mais sonhadoras.
Sim, não dá para passar a borracha em atos
que contradizem o machismo presidencial. Como lembrou a ministra de elogiada
estampa em sua posse, foi Lula quem escolheu a primeira mulher presidente do
Brasil e também quem fez dela, Gleisi, presidente do PT. Foi ainda sob Lula 2
que a Lei Maria da Penha foi aprovada e, sob Lula 3, a Lei da Igualdade
Salarial.
Lula não soltou os freios apenas em relação
às mulheres. Acossado pela carestia, já colocou o guizo no pescoço dos
comerciantes, ou, como prefere chamar, “atravessadores”, e, ameaçado pelo
tarifaço do presidente dos Estados Unidos, desafiou-o esta semana numa visita a
Betim (MG): “Não adianta Trump ficar gritando de lá. Aprendi a não ter medo de
cara feia, fale manso comigo, fale com respeito comigo”.
A guerra fratricida movida pela disputa
interna de seu partido basta para explicar por que Lula precisa,
desesperadamente, estender sua data de validade para 2030. Para isso, vale
olhar para cima e aprender com uma mulher de 63 anos, PhD em engenharia, casada
duas vezes, mãe e avó e com uma aparência marcada por um austero rabo de
cavalo.
Com uma economia completamente atrelada aos
EUA, Claudia Sheinbaum encara o vizinho com uma serenidade ímpar. Mandou para
as fronteiras as tropas que Trump pediu e entregou 29 chefes do tráfico há
muito demandados pelos EUA, mas sustentou a defesa da soberania do país sem
arroubos mesmo quando o presidente americano mandou mudar nos mapas oficiais o
nome do Golfo do México.
A presidente do México não tem ilusões de que
vá conseguir dobrar Trump e já busca diversificar os parceiros comerciais do
país, mas, ao clamar por diálogo, ganha tempo - e popularidade. No domingo
passado, mais de 300 mil mexicanos saíram às ruas em apoio à sua presidente.
Claudia Sheinbaum não freia por boniteza mas por precisão.
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