quinta-feira, 13 de março de 2025

Feliz ano novo, Brasília! - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Quanto às agendas mais estruturais, sou pessimista. Entendo que, daqui em diante, o governo só conseguirá fazer o ‘minimum minimorum’

O ano acaba de começar para o mundo de Brasília. Passadas as festividades do Carnaval, o Orçamento será debatido no Congresso Nacional. As pressões por medidas populistas chegam de todos os lados: mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda, programas sociais e despesas em geral.

Já estamos em março e o País segue sem lei orçamentária. Para estes casos, as regras vigentes permitem ao governo executar um porcentual da proposta enviada ao Legislativo. São muitos os problemas a equacionar, como sempre, e falta a compreensão de que o dinheiro acabou e o tacho já foi raspado.

A tarefa mínima é cumprira meta estipulada para o resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros da dívida). A meta é zero, com banda inferior, menos R$ 31 bilhões. Além disso, parte relevante dos precatórios, no valor de R$ 44,1 bilhões, pode ser excluída do resultado para fins de verificação da meta.

Em síntese, a meta provavelmente buscada pelo governo é um déficit de R$ 75,1 bilhões ou 0,6% do PIB. O número está bem distante do esforço necessário para atender às condições de sustentabilidade da dívida pública em prazo razoável.

Na proposta orçamentária, as receitas estão infladas. Prevê-se, por exemplo, receita proporcionada pela majoração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda nos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Essas medidas já morreram. No caso da segunda, aliás, precisaria ter sido aprovada no ano anterior, conforme a Constituição.

A superestimativa é de R$ 60 bilhões. Assim, com receitas menores e despesas um pouco maiores que as previstas pelo governo, o cenário da Warren prevê uma necessidade de contingenciamento de mais de R$ 30 bilhões. A saber, o contingenciamento é uma espécie de corte de gastos em que a tesoura incide sobre as despesas não obrigatórias ou discricionárias. Não custa ressaltar que essa contenção serviria apenas à entrega de um déficit de R$ 75,1 bilhões (e não da meta zero).

É inescapável evitar que novas bombas fiscais e antigas pressões se materializem, inclusive no seio das revisões a serem promovidas na peça orçamentária. Os goleiros serão os principais jogadores, na Fazenda e no Planejamento, daqui até as eleições.

A liturgia do Orçamento compõe-se de etapas muito claras. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso terá de apreciar o texto do relator-geral. Este também será analisado e apreciado pelo plenário. Antes, caso o Executivo considere necessário (e será), o instrumento para solicitar alterações ao relator é o ofício.

Nos últimos dias, a imprensa já divulgou algumas informações sobre os programas Vale Gás e Pé-de-Meia, especialmente sobre como incorporar eventuais gastos adicionais no Orçamento anual. Além disso, há os mencionados problemas pelo lado das receitas. As despesas obrigatórias, por sua vez, contemplam subestimativas ou superestimativas, respectivamente, nos gastos previdenciários e com folha salarial. Mesmo problema que apontamos na proposta orçamentária para 2024, vale dizer.

No dia 22 de março, faça chuva ou faça sol, o Executivo é obrigado, por lei, a apresentar o relatório bimestral. Esse documento serve ao acompanhamento da execução orçamentária e subsidia eventuais contingenciamentos e/ou bloqueios de despesas previstas.

Quando a arrecadação se mostra inferior às estimativas, por exemplo, providencia-se o contingenciamento, garantindo o cumprimento das metas fiscais. O mesmo ocorre no caso do limite de gastos. Se as despesas estão indicando rompimento do limite, deve-se bloquear o volume necessário para evitar o estouro.

Em 2025, este primeiro relatório bimestral será ainda mais relevante. Em um cenário otimista, se o Orçamento já estiver aprovado e sancionado, o relatório servirá para que o Executivo promova o ajuste inicial necessário ao restabelecimento de uma credibilidade mínima junto à opinião pública. Alternativamente, se a proposta ainda estiver tramitando no Congresso, o relatório servirá para prestar contas sobre a realidade da arrecadação e do gasto no primeiro bimestre.

Diferentemente do que ocorreu em 2024, quando a arrecadação foi surpreendendo positivamente, a cada relatório bimestral, a tendência no ano corrente é oposta. É recomendável que se corrija a superestimativa da arrecadação, logo de cara, para evitar que as pressões sobre o gasto discricionário, as emendas e outros se transformem em compromissos, depois, irreversíveis. Disso dependerá o cumprimento da tarefa mínima que comentei acima, e sobre a qual escrevi na penúltima coluna neste espaço ( Estadão, 13/02/2025).

Quanto às agendas mais estruturais, sou pessimista. Entendo que, daqui em diante, o governo só conseguirá fazer o minimum minimorum. E já será muito, considerando-se tantos atores jogando contra, clamando por uma verdadeira enfiada de pé na jaca e colocando o presidente da República para fazer populismo, semanalmente, nos seus pronunciamentos.

A agenda fiscal estrutural já ficou para 2027. O próximo governo não poderá perder tempo e terá de realizar ajustes à altura de um primeiro ano de mandato. Tema, aliás, para futuro artigo.

 

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