Folha de S. Paulo
Carestia vem de longe, pouco é desta gestão,
vai demorar a passar e piora com populismos
O preço da comida que se leva para casa,
"alimentação no
domicílio", aumentou em média 7,1% em 12 meses até fevereiro. Em novembro
do ano passado, havia aumentado 8,4% em um ano. O consumidor teria notado a
melhoria?
Improvável, não só por causa da variação
pequena. Não apenas também porque o preço de alimentos essenciais, como
ovos, acaba de aumentar 15,4% em um mês. O nível dos preços da comida e de
produtos essenciais é que está alto, tendo subido muito mesmo antes de Lula 3, como
se observa nestas colunas faz tempo.
Para que esse problema fique menor, é preciso que os salários ganhem a corrida do preço dos alimentos, com inflação geral mais comportada —demora. É difícil esperar queda grande do preço da comida, em tumulto global faz anos, por epidemia, guerra e desastre climático.
E daí? Espera-se que Lula tenha isso em mente
e não adote "medidas drásticas", como ameaçou. Até agora, os
ministérios da Agricultura e da Fazenda têm contido ideias doidivanas. Mas
sabe-se lá o que virá.
Mexer
em preços, tentar achatá-los de modo artificial, dá em besteira. Por que
alguém vai plantar mais, digamos, arroz, se o governo vai bulir com preços? Não
vai. Mesmo medidas que não são nocivas, como zerar impostos de importação, são
irrelevantes diante de problemas estruturais, agravados pela desvalorização do
real (por causa dos EUA, mas piorada por bobagens do governo).
O governo pode achar também que, dada a safra
recorde e preços talvez em queda, a solução agora seria fazer estoque ou adotar
medida de efeito similar. Não é. A maioria dos alimentos não se presta à
estocagem, que custa caro.
O país em geral não tem problema de
abastecimento, é grande exportador, tem comércio externo livre (e, pois, preços
livres, o que dificulta a regulação por estoques) etc. Estoque resolve problema
pontual.
Por falar em arroz, o preço do grão baixou 4%
em um ano. Algum alívio. Pouco. Desde o início de Lula 3, mas não por
responsabilidade do governo, o arroz ficou 32% mais caro (nesse período,
o salário nominal
médio aumentou 19%). Nos últimos cinco anos, desde o início da epidemia, o
arroz ficou 100% mais caro (o salário nominal médio aumentou 43%).
O preço médio da comida ("alimentação no
domicílio") até cresceu menos do que o salário desde o início de Lula 3
(9,7% contra 19%). O ganho salarial forte e os preços comportados dos alimentos
em 2023 ajudaram bem, até meados de 2024, quando a comida voltou a encarecer.
Mas a herança de peste, guerra e secas ainda
é pesada. Alta média de 58,4% na comida, em cinco anos, ante alta de 43% nos
salários nominais (e alta do IPCA geral de 34,8%). Alta de 55% nas carnes, de
53% no frango, de 65% em leite e derivados, de 92% no óleo de soja, de 182% no
café. Altas que batem na cara e no estômago do povo miúdo.
Dá para notar que o problema é maior, antigo,
persistente. Não vai melhorar com essas medidazinhas do governo, que talvez
queira passar para o povo a impressão de que se preocupa.
Se colar, colou. Importante, ressalte-se,
seria que os salários continuassem a crescer em ritmo mais rápido do que a
inflação, como no começo do governo. Agora, temos inflação resistente e risco
de que o rendimento do trabalho cresça mais devagar. O governo colhe problemas
que plantou na política econômica. Que não jogue mais sal na plantação.
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