quinta-feira, 13 de março de 2025

Nova presidente promete mais transparência na Justiça Militar – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Feminista assumida, Maria Elizabeth Rocha defendeu com veemência o Estado democrático de direito, a igualdade de gênero e a inclusão social

A nova presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, tomou posse ontem em cerimônia das mais concorridas, num ambiente civil, a Sala Villas-Lobo do Teatro Nacional, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do presidente do Supremo Tribunal Federal( STF), Luís Roberto Barroso, e dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, entre outras autoridades. Advogada, é a primeira mulher a ser eleita para presidir a Corte; da outra vez que exerceu o cargo, era vice-presidente.

A posse de Maria Elizabeth Rocha é uma mudança de paradigma no Tribunal, o mais antigo do Brasil, criado por Dom João VI, quando a Corte portuguesa se transferiu para o Rio de Janeiro, em 1808. Progressista, sempre foi um contraponto ao conservadorismo da maioria dos pares, oficiais generais de quatro estrelas. Seu discurso de posse foi poético e pluralista, mas aliou o rigor constitucionalista à defesa da justiça castrense para a manutenção do papel constitucional das Forças Armadas, sua hierarquia e disciplina.

Um dos momentos mais emocionantes da posse, que foi precedida de uma apresentação de música erudita, foi a execução do Hino Nacional, entoado em dialeto tikuna por uma indígena da Cabeça do Cachorro, na Amazônia, onde fica a unidade do Exército mais remota do país. Foi lá que a ministra ouviu pela primeira vez as crianças indígenas cantarem o hino em sua própria língua.

A presidente do STM defendeu com veemência o Estado democrático de direito, a igualdade de gênero e a inclusão social. “Sou feminista e me orgulho de ser mulher! Peço licença poética a Milton Nascimento e Lô Borges para dizer: ‘porque se chamavam mulheres, também se chamavam sonhos, e sonhos não envelhecem!’”, disse.

Encerrou o seu discurso de posse com uma frase do filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, na qual Fernanda Torres, no papel de Eunice, viúva do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado nas dependências de um quartel do Exército, ao posar para uma fotografia, recomenda aos filhos: “Vamos sorrir!”.

Registros históricos

A referência ao filme não foi gratuita, sua família passou pelo mesmo trauma: Elizabeth é casada com o general de divisão Romeu Costa Ribeiro Bastos, cujo irmão, Paulo Costa Ribeiro Bastos, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi torturado e morto pelos militares. Como Rubens Paiva, foi levado para o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do Rio de Janeiro, localizado à rua Barão de Mesquita, na Tijuca e, posteriormente, ao CISA, juntamente com Sérgio Landulfo Furtado, com quem havia sido preso no dia 11 de julho de 1972, na Urca, no Rio de Janeiro.

Paulo e Sérgio figuram em processo da Justiça Militar que expediu mandados de prisão para ambos no dia 7 de setembro de 1971. Apenas em 1978, por figurar como revel em um processo com Sérgio Landulfo, o então ministro do Superior Tribunal Militar (STM), general de exército Rodrigo Octávio Jordão Ramos, requereu que o desaparecimento de ambos fosse investigado, mas nada de conclusivo foi apurado. Paulo Costa Ribeiro Bastos permanece “desaparecido”.

“Isso afetou profundamente a minha família e a família do meu marido. O meu sogro era um general, o meu marido é um general, e é o que eu costumo dizer, a ditadura não escolhe suas vítimas”, revelou Maria Elizabeth, logo após ser eleita, em dezembro do ano passado. A nova presidente do STM mantém o entendimento da Corte sobre os militares envolvidos na tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro: devem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fato inédito na história.

Entretanto, caso sejam condenados, os militares envolvidos, entre os quais alguns generais, terão que ser julgados também pelo STM, do ponto de vista administrativo. Não à toa, Maria Elizabeth enfrentou resistências dos pares e teve de votar em si própria para desempatar a eleição, que ficou em sete a sete. A Corte tem 15 ministros. Ao prometer uma gestão disruptiva, a nova presidente do TSM reafirmou o compromisso com a transparência.

Um de seus objetivos é incentivar a pesquisa sobre os grandes julgamentos da Justiça Militar, que preserva documentos inéditos sobre a história do Brasil, que é marcada por muitas intervenções castrenses: 1889 (Proclamação da República), 1893 (Revolta da Armada), 1922 (18 do Forte), 1924 (Revolução Paulista e Coluna Prestes), 1930 (Revolução), 1935 ( Intentona Comunista), 1937 (Estado Novo), 1945 (deposição de Vargas), 1954 (suicídio de Getúlio), 1954 (Memorial dos coronéis), 1955 (“Novembrada”, deposição de Carlos Luz e Café Filho), 1956 (Jacareacanga), 1959 (Aragarças), 1961 (tentativa de impedimento de Goulart), 1963 (revolta dos sargentos), 1964 (deposição de Goulart) e 1968 (AI-5).

 

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