Correio Braziliense
Feminista assumida, Maria Elizabeth Rocha
defendeu com veemência o Estado democrático de direito, a igualdade de gênero e
a inclusão social
A nova presidente do Superior Tribunal
Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, tomou posse ontem em cerimônia
das mais concorridas, num ambiente civil, a Sala Villas-Lobo do Teatro
Nacional, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do presidente do
Supremo Tribunal Federal( STF), Luís Roberto Barroso, e dos presidentes do
Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Hugo Motta, entre outras autoridades.
Advogada, é a primeira mulher a ser eleita para presidir a Corte; da outra vez
que exerceu o cargo, era vice-presidente.
A posse de Maria Elizabeth Rocha é uma mudança de paradigma no Tribunal, o mais antigo do Brasil, criado por Dom João VI, quando a Corte portuguesa se transferiu para o Rio de Janeiro, em 1808. Progressista, sempre foi um contraponto ao conservadorismo da maioria dos pares, oficiais generais de quatro estrelas. Seu discurso de posse foi poético e pluralista, mas aliou o rigor constitucionalista à defesa da justiça castrense para a manutenção do papel constitucional das Forças Armadas, sua hierarquia e disciplina.
Um dos momentos mais emocionantes da posse,
que foi precedida de uma apresentação de música erudita, foi a execução do Hino
Nacional, entoado em dialeto tikuna por uma indígena da Cabeça do Cachorro, na
Amazônia, onde fica a unidade do Exército mais remota do país. Foi lá que a
ministra ouviu pela primeira vez as crianças indígenas cantarem o hino em sua
própria língua.
A presidente do STM defendeu com veemência o
Estado democrático de direito, a igualdade de gênero e a inclusão social. “Sou
feminista e me orgulho de ser mulher! Peço licença poética a Milton Nascimento
e Lô Borges para dizer: ‘porque se chamavam mulheres, também se chamavam
sonhos, e sonhos não envelhecem!’”, disse.
Encerrou o seu discurso de posse com uma
frase do filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, na qual Fernanda Torres, no
papel de Eunice, viúva do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado nas
dependências de um quartel do Exército, ao posar para uma fotografia, recomenda
aos filhos: “Vamos sorrir!”.
Registros históricos
A referência ao filme não foi gratuita, sua
família passou pelo mesmo trauma: Elizabeth é casada com o general de divisão
Romeu Costa Ribeiro Bastos, cujo irmão, Paulo Costa Ribeiro Bastos, militante
do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), foi torturado e morto pelos
militares. Como Rubens Paiva, foi levado para o Destacamento de Operações de
Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do Rio de
Janeiro, localizado à rua Barão de Mesquita, na Tijuca e, posteriormente, ao
CISA, juntamente com Sérgio Landulfo Furtado, com quem havia sido preso no dia
11 de julho de 1972, na Urca, no Rio de Janeiro.
Paulo e Sérgio figuram em processo da Justiça
Militar que expediu mandados de prisão para ambos no dia 7 de setembro de 1971.
Apenas em 1978, por figurar como revel em um processo com Sérgio Landulfo, o
então ministro do Superior Tribunal Militar (STM), general de exército Rodrigo
Octávio Jordão Ramos, requereu que o desaparecimento de ambos fosse
investigado, mas nada de conclusivo foi apurado. Paulo Costa Ribeiro Bastos
permanece “desaparecido”.
“Isso afetou profundamente a minha família e
a família do meu marido. O meu sogro era um general, o meu marido é um general,
e é o que eu costumo dizer, a ditadura não escolhe suas vítimas”, revelou Maria
Elizabeth, logo após ser eleita, em dezembro do ano passado. A nova presidente
do STM mantém o entendimento da Corte sobre os militares envolvidos na
tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro: devem ser julgados pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), fato inédito na história.
Entretanto, caso sejam condenados, os
militares envolvidos, entre os quais alguns generais, terão que ser julgados
também pelo STM, do ponto de vista administrativo. Não à toa, Maria Elizabeth
enfrentou resistências dos pares e teve de votar em si própria para desempatar
a eleição, que ficou em sete a sete. A Corte tem 15 ministros. Ao prometer uma
gestão disruptiva, a nova presidente do TSM reafirmou o compromisso com a
transparência.
Um de seus objetivos é incentivar a pesquisa
sobre os grandes julgamentos da Justiça Militar, que preserva documentos
inéditos sobre a história do Brasil, que é marcada por muitas intervenções
castrenses: 1889 (Proclamação da República), 1893 (Revolta da Armada), 1922 (18
do Forte), 1924 (Revolução Paulista e Coluna Prestes), 1930 (Revolução), 1935 (
Intentona Comunista), 1937 (Estado Novo), 1945 (deposição de Vargas), 1954
(suicídio de Getúlio), 1954 (Memorial dos coronéis), 1955 (“Novembrada”,
deposição de Carlos Luz e Café Filho), 1956 (Jacareacanga), 1959 (Aragarças),
1961 (tentativa de impedimento de Goulart), 1963 (revolta dos sargentos), 1964
(deposição de Goulart) e 1968 (AI-5).
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