Correio Braziliense
Ainda é prematuro prever os impactos das medidas anunciadas pelo governo. Mas vale o alerta: quando produz pressões sobre a taxa de câmbio, o estímulo à importação para reduzir preços domésticos pode gerar efeitos opostos
Desde a saída da pandemia, o Brasil vem
apresentando um desempenho insatisfatório em termos de inflação. Com exceção de
2023, quando houve uma curta convergência do IPCA para o centro da meta, todos
os anos que sucederam desde 2021 performaram com o estouro do limite superior.
A depender dos dados em dezembro de 2025, o país terá estourado a meta de
inflação por cinco anos, algo inédito nestes 25 anos de Regime de Metas de
Inflação (RMI).
Aquela desinflação de 2023 esteve associada a dois episódios correlacionados entre si: i) um choque reputacional positivo após a antecipação do Arcabouço Fiscal (NAF), inicialmente esperada para o segundo semestre de 2023, sendo antecipado para abril daquele ano. À primeira vista, esse pode parecer um detalhe sem importância, mas não é, serviu para sinalizar aos agentes econômicos a disposição do governo, já nos seus primeiros meses, em preservar os fundamentos macroeconômicos. ii) uma aguda apreciação nominal do câmbio que operou em 2023 abaixo dos R$ 5.
Movimentos no câmbio, em ambas as direções,
têm elevado potencial de repasses aos preços domésticos, isto é, chamado na
literatura de efeito passthrough. Em artigo empírico aceito para publicação
recentemente, eu e a professora Thaís Guimarães, também do Instituto de
Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia
(IERI-UFU), demonstramos que tais repasses são assimétricos. Em se tratando do
IPCA, os repasses inflacionários de depreciações cambiais são mais intensos do
que os repasses deflacionários das apreciações. Particularmente, os preços
livres e os de bens comercializáveis (entre eles, os preços de gêneros
alimentícios) são bastante sensíveis às flutuações da taxa de câmbio.
Recentemente, ficou escancarada a preocupação
do governo com os preços dos alimentos, tendo sido anunciadas medidas para
"barretear" o preço de inúmeros itens. Entre elas, destaca-se a
desoneração de importações de produtos como café, carne, milho, azeite, entre
outros. O canal de transmissão pelo qual o governo pretende atingir os preços
domésticos dos alimentos é o das importações. Em suma, se o preço doméstico de
um item está relativamente elevado, o estímulo às importações impõe concorrência
com produtos importados e queda nos preços.
Intuitivamente, a estratégia pode fazer
sentido. Porém, há dois elementos prévios que devem ser observados para o seu
sucesso: i) para que uma desoneração de importações seja bem-sucedida, é
preciso ser verificada uma posição confortável no saldo de Transações Correntes
(TCs) do Balanço de Pagamentos (BP). Não é isso que se verifica nos dados,
entre janeiro e dezembro de 2024, o deficit em TCs saltou de 0,9% para 2,5% do
PIB. Isso é, a posição em TCs da economia brasileira se deteriora rapidamente.
ii) é preciso que tais medidas sejam neutras em termos dos impactos sobre a
taxa de câmbio. Em outras palavras, estimular importações em meio a uma piora
verificada do saldo em TCs pode produzir depreciações adicionais sobre o
câmbio, o que geraria repasses para os preços domésticos. Resumindo, o efeito
final sobre preços domésticos, particularmente o de alimentos, pode ser o de um
encarecimento.
O fato é que a taxa de inflação mensurada
pelo IPCA vem performando sistematicamente acima da meta desde a saída da
pandemia. Em 2024, o IPCA acumulado encerrou dezembro em 4,83%, acima do limite
superior de 4,5%. Entretanto, o problema não se resume às taxas de inflação
acima da meta por um longo período. A inflação de nível também preocupa.
Imagine um produto X cujo preço no período t é R$ 10. Se no período seguinte (t
+ 1) o preço desse produto se eleva para R$ 20, a taxa de inflação de X entre t
e t + 1 foi de 100%. Suponha que em t + 2 o preço do produto X permaneça em R$
20, a taxa de inflação acumulada entre t + 1 e t + 2 agora será de 0% — isto é,
a taxa de inflação foi estabilizada, mas o nível do preço de X permanece
elevado.
A política monetária no Brasil submetida ao
RMI persegue uma meta de inflação em taxa. De forma que, se a meta é alcançada,
a política monetária se acomoda independentemente de onde se estabilize o nível
dos preços. Reduzir os níveis de preços, particularmente os de alimentos, deve
passar por apreciações na taxa de câmbio. A boa notícia é que esse dólar em R$
5,80 não reflete os fundamentos da economia brasileira, que opera com um
resultado primário próximo de 0% e uma política monetária no campo contracionista
com amplo diferencial entre as taxas de juros domésticas e internacionais.
Ainda é prematuro prever os impactos das
medidas anunciadas sobre o deficit em TCs e, consequentemente, sobre o câmbio e
os preços domésticos. Mas vale o alerta: as medidas de estímulos às importações
que visam a redução dos preços domésticos podem gerar os efeitos opostos quando
produzem pressões sobre a taxa de câmbio. A eliminação de ruídos políticos que
produziram, em 2024, impactos expectacionais absorvidos pelo câmbio pode
auxiliar em muito nesse processo de desinflação da economia brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário