Valor Econômico
Bloco dos emergentes deve examinar também
revisão de seu Arranjo Contingente de Reservas
A brutalidade de medidas que continuam sendo
anunciadas por Donald Trump e a confusão que elas provocam globalmente ameaçam
interromper abruptamente a frágil tendência de crescimento da economia mundial.
A expectativa até agora de “aterrissagem
suave”, caracterizada por uma inflação que desacelera à medida que o
crescimento se acalma suavemente e sem uma recessão dolorosa, começa a dar
lugar ao risco de “recessão Trump”.
A poderosa confederação das indústrias Alemãs (BDI), inquieta com nova recessão na maior economia da Europa, reclama que o maior risco para a economia dos EUA e para as outras a esta altura são o próprio governo Trump e a forma como suas políticas vêm sendo adotadas. Medidas trumpianas terão consequências particularmente graves não apenas sobre o crescimento e a inflação nos EUA, mas também na Europa, no Leste Asiático e em vários países emergentes (ver quadro). As novas tarifas, se implementadas como a Casa Branca ameaça, representariam um aumento das taxas atuais de cerca de 3% para 19% nos EUA, como na década de 1930, com os desastres conhecidos.
Na recente reunião na África do Sul de
ministros de finanças e presidentes de bancos centrais das maiores economias do
mundo que formam o G20 foi manifestada a enorme preocupação com a implicações
para a economia dos EUA e para o resto do mundo de mudanças significativas
trazidas por Trump em áreas como política comercial, tributação, gastos
públicos, imigração e desregulamentação.
Os riscos gerais são negativos para a maioria
das outras economias, incluindo o de saídas de capital das economias de
mercados emergentes. Os governos de outros países também estão ajustando suas
políticas.
É nesse cenário de mundo mais perigoso e
turbulências geopolíticas que os países do Brics se preparam para sua cúpula de
líderes em julho no Rio de Janeiro. O uso de moeda local nas transações
comerciais e financeiras estará na agenda, e deve envolver também o Arranjo
Contingente de Reservas (ACR) do bloco.
O Brics + (Brasil, Rússia, Índia, China,
África do Sul, Arábia Saudita, Irã, Indonésia, Egito, Etiópia, Emirados Árabes
Unidos) dificilmente chegará até julho a algo concreto sobre uso de suas moedas
para tentar incrementar comércio e investimentos intrabloco, e reduzir custos e
riscos. Isso não acontecerá de um ano para outro. O que poderá sair no Rio de
Janeiro é um relatório listando melhores alternativas com alguns tipos de
tecnologia. Mas os movimentos continuam. Não tem nada a ver com criação de uma
moeda comum. Como já publicamos, a China e a Índia, por exemplo, nem querem
ouvir falar em amplos movimentos de desdolarização.
Também chamará a atenção a discussão no grupo
para institucionalizar no Arranjo Contingente de Reservas (ACR) o uso de moedas
dos países-membros, e não apenas do dólar americano, como hoje, e expandir o
mecanismo para os novos membros.
O ACR complementa a rede de proteção
financeira mundial, que conta atualmente com organismos financeiros
multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), acordos financeiros
regionais e acordos bilaterais de swap, além das reservas internacionais dos
países.
É um mecanismo interessante para aumentar a
resiliência num mundo com maiores riscos, volatilidade e incertezas. É saudável
fortalecer mecanismos de liquidez regionais ou plurilaterais, como há outros,
como o Chiang Mai Initiative entre países da Associação das Nações do Sudeste
Asiático (Asean), China, Japão, Coreia e Hong Kong.
O atual ACR do Brics teve montante inicial de
US$ 100 bilhões, com a China entrando com US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e
Rússia, com US$ 18 bilhões cada um, e África do Sul, com outros US$ 5 bilhões.
Não há ainda acordo para sua expansão, mas a
discussão prospera cautelosamente. Swaps envolvem riscos, e a incorporação de
novos membros, se ocorrer, deverá passar por estreita avaliação. Fica claro que
poderia ser do interesse do bloco incorporar no mecanismo países como Arábia
Saudita e Emirados Árabes Unidos, com forte peso financeiro. Mas outros com
mais dificuldades terão que ser examinados a fundo.
Mesmo se não entrar formalmente na agenda, o
ACR dificilmente deixará de ser examinado na cúpula do Brics. Enquanto isso,
surgem temores de manipulação do dólar pela administração Trump, baseados em um
longo estudo publicado no fim de 2024 pelo economista e financista Stephen
Miran, agora o chefe designado do Conselho de Análise Econômica da Casa Branca.
A ideia é simplesmente forçar os parceiros
dos EUA a investir seus ativos em dólares em títulos do Tesouro de longo prazo,
como resume o jornal “Le Monde”, de Paris. Eles financiariam os déficits dos
EUA, reduziriam as taxas de juros ao serem forçados a comprar esses produtos, e
até mesmo seriam privados de parte de sua renda de capital, se necessário. A
manipulação não necessariamente causaria a queda do dólar, mas reduziria as
taxas de juros longas e encheria os cofres do governo federal. “Nossos parceiros
comerciais arcariam com uma parcela maior do ônus”, escreveu Miran. Em troca,
eles desfrutariam da proteção dos Estados Unidos.
O texto de Miran é apenas uma proposta de
alguém que estava fora do governo, mas revela o estado de espírito da galáxia
Trump, como nota o jornal francês. As enormes incertezas sobre o futuro das
posições americanas constituem pano de fundo bastante negativo na cena global.
Não há à vista iniciativas de cooperação, e sim de mais confrontação.
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