Vaivém de Trump nas tarifas é péssimo para a economia
O Globo
Nenhuma empresa consegue planejar nem
investir nada sem saber as regras que valerão nos próximos meses
Os dois passos para lá, dois para cá encetados por Donald Trump na política comercial poderiam ser apenas reflexo de sua desorientação ou inépcia para essa dança — não fossem, antes disso, uma tragédia para a economia. Em fevereiro, Trump anunciou que elevaria alíquotas sobre produtos importados de Canadá, México e China. Dois dias depois, voltou atrás em relação aos vizinhos e suspendeu a medida por um mês. Passados 30 dias, começou a valer a nova tarifa de 25%. Em 48 horas, nova reviravolta. Produtos que fazem parte do acordo de livre-comércio da América do Norte ficaram isentos por mais 30 dias (prazo que poderá ser estendido). Nas tarifas baixadas sobre aço e alumínio, também abriu exceção para o setor automotivo. Para alguém que se considera um exímio negociador, esse tipo de vaivém pode fazer sentido. Para o mundo — em particular as empresas afetadas —, a reação tem variado da perplexidade ao desespero.
Encontrar fornecedores confiáveis, firmar
contratos para receber matéria-prima e produzir de acordo com prazos rigorosos
de entrega é tarefa árdua que consome tempo. Montar cadeias de suprimentos
integradas, como a que une as indústrias automotivas de Canadá, Estados Unidos e
México, é ainda mais complexo. Envolve investimento em fábricas e redes de
logística. Tudo isso depende de regras estáveis e planejamento minucioso. Mas
não se sabe sequer o que vale hoje, muito menos por quanto tempo. Com as
reviravoltas, Trump semeia dúvidas sobre suas próprias decisões. Na feliz
imagem do Wall Street Journal, ninguém sabe de que “lado da cama Trump acordará
amanhã”. Seus volta-faces estão longe de ser correção de rumo indolor ou
reconhecimento de erros. A indefinição e a sensação que tudo pode mudar com um
post numa rede social adiam decisões de investimento e tornam tudo
imprevisível. Para os negócios, pior que ter de aumentar preços para arcar com
tarifas mais altas é não poder planejar nada por não saber que tarifa estará em
vigor nos próximos meses.
Se estivesse circunscrita à América do Norte, a guerra comercial de Trump já seria motivo de preocupação. Mas é ainda pior. Como ele se vê em disputa com as maiores economias, o problema é global. Nesta quarta-feira, começou a valer o aumento das tarifas sobre aço e alumínio. Em resposta, a União Europeia anunciou que, a partir de abril, elevará taxas sobre produtos americanos que movimentam US$ 28 bilhões. Canadá e China também retaliaram as medidas protecionistas. É fácil determinar quando uma guerra comercial tem início. Prever quando e como acabará é impossível.
Não surpreende que o entusiasmo inicial dos
investidores com Trump tenha evaporado diante do temor fundamentado de
recessão. “Os mercados subirão e cairão. Mas, sabe o quê? Vamos reconstruir
nosso país”, disse ele. Será? Nenhum economista sério vê lógica nas suas
políticas. Nesta quarta-feira, o banco central americano, o Fed, divulgou os
dados de inflação. Houve desaceleração em fevereiro, mas ninguém comemorou.
Guerra comercial e tarifas mais altas significam que as empresas dependentes de
importados terão duas opções: ou absorver a alta de custos e reduzir a
lucratividade, ou repassá-la ao consumidor, jogando lenha na inflação. Mesmo
que volte atrás no protecionismo, o que parece improvável, Trump terá deixado
um legado nefasto ao mundo e a seu próprio país.
Inflação renitente reflete dificuldade do
governo em reconhecer seus erros
O Globo
Enquanto Lula e seus ministros reagem de
forma errática, Banco Central pena para dissipar apreensões
Se a alta de preços — em especial dos
alimentos — já azedava o humor dos brasileiros e fazia acender luzes de
emergência no Palácio do Planalto, tudo ficou pior com a divulgação da inflação de
fevereiro. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou alta de 1,3%
— a maior para o mês desde 2003.
Não deu nem tempo de o governo comemorar a
trégua de janeiro, quando subira apenas 0,16%, influenciado pelo pagamento de
um bônus da hidrelétrica de Itaipu, que reduziu a conta de luz. Em fevereiro, o
preço da energia saltou 16,80%, provocando o efeito contrário. O reajuste das
mensalidades escolares também pesou no resultado (educação como um todo teve
alta de 4,7%). Pelo menos, a alta dos alimentos desacelerou (eles subiram 0,7%
ante 0,96% em janeiro). Mas alguns produtos registraram aumentos expressivos,
como ovo (15,4%) e café (10,8%).
Não é apenas a inflação que preocupa, mas
também a forma errática como o governo tem reagido. Inconformado com o preço
dos alimentos, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva culpou atravessadores e disse que poderá tomar “atitudes mais drásticas,
porque o que interessa é levar comida barata para o prato do povo brasileiro”.
Não explicou quais seriam. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tentou
minimizar a declaração, assegurando que não haverá pirotecnias ou intervenção
nos preços. Mas, em janeiro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, já assustara
o mercado ao dizer que o governo buscava “intervenções” para baratear alimentos
(depois negou que a palavra “intervenções” significasse intervenções). Os
desacertos traduzem um fato singelo: o Planalto não sabe o que fazer.
No início do mês, depois de reuniões entre
ministros e empresários, o governo tirou da cartola mais uma inciativa para
baixar os preços. Anunciou que zeraria o imposto de importação sobre carne,
açúcar, café, massas, sardinha, milho, biscoito, óleo de girassol e azeite.
Apesar de correta, a medida terá pouco impacto, uma vez que fatores como clima
e alta do dólar são determinantes na formação dos preços.
A realidade é que, em 12 meses, a inflação
está em 5,06%, bem acima do teto da meta (4,5%). Esse cenário não favorece a
queda dos juros, hoje em 13,25%. Já está contratado pelo menos mais um aumento
na próxima reunião do Copom. Esperava-se que, depois, a situação arrefecesse.
Mas o resultado de fevereiro não contribui em nada para dissipar as apreensões
que continuam no ar. Ao contrário.
Lula se diz indignado com os preços, mas não
ajuda. A forte expansão de gastos promovida pelo governo petista contribui não
apenas para o aumento do endividamento público, mas também para a alta da
inflação. Preocupado com a queda nos índices de popularidade, ele tem insistido
em manter a economia artificialmente aquecida, estimulando a demanda e
pressionando os preços. É verdade que o cenário internacional, convulsionado
pelas decisões de Donald Trump, não é favorável. Mas, em vez de ficar caçando
vilões imaginários, Lula deveria reconhecer seus próprios erros.
Inflação não dá sinais de queda no curto
prazo
Valor Econômico
Com a perspectiva de que a economia cresça mais no primeiro trimestre do que o 0,2% dos últimos três meses de 2024, o IPCA não deve ceder significativamente por meses
A desaceleração da economia no último
trimestre de 2024 não se refletiu na inflação, que subiu 1,31% em fevereiro e
acelerou para 5,06% em 12 meses. Há alguns motivos de otimismo: a inflação dos
alimentos recuou pelo terceiro mês consecutivo e os preços dos serviços
estacionaram, embora em um nível ainda muito elevado. Os preços monitorados
fizeram um estrago no IPCA do mês passado. A energia elétrica subiu 16,8% e
essa variação correspondeu a quase a metade da inflação cheia do mês, com 0,56
ponto percentual.
A colheita de uma safra recorde, caso a
relativa estabilidade do real diante do dólar permaneça - o que está longe de
ser seguro -, traz um horizonte de aumentos menores de preços dos alimentos. Em
12 meses, alimentos e bebidas subiram 7%, e esses itens são de longe os que
mais pressionaram o IPCA. O alívio que já se nota, no entanto, não contempla
produtos que estão com cotações em alta no mercado internacional, como carnes,
café e ovos. O grupo carnes aumentou 22% nos 12 meses encerrados em fevereiro -
a picanha, sempre mencionada pelo presidente, ficou 10,9% mais cara -, e os
ovos, 10,5%.
O índice de difusão geral, que mede o
percentual de preços em alta no total dos itens pesquisados, caiu de 65% para
60,7%. Mas quando se retiram os alimentos, ela volta aos 65,1%. Cinco dos 9
itens do IPCA apresentaram alta em fevereiro, ainda que apenas dois tenham
puxado a média para cima. Preços da habitação evoluíram 4,44% com o reajuste da
energia, e os da educação, 4,7%, em movimento sazonal que não se repetirá ao
longo do ano.
O setor que tem exercido pressão permanente
sobre a inflação é o de serviços, movido em grande medida pela evolução da
renda. O crescimento da massa salarial, os aumentos reais do salário mínimo e
os reajustes salariais acima do IPCA têm garantido uma demanda firme que dá
sustentação à alta dos preços. Mas há sinais de alento nos números de
fevereiro. Os serviços subjacentes, que mais refletem o estágio do ciclo
econômico, recuaram um pouco, de 0,86% para 0,69%, segundo cálculos do banco
Inter. A média móvel trimestral dessazonalizada desses serviços, estimada pela
XP, aponta quase estabilidade em 12 meses, tendo variado de 7,6% em janeiro
para 7,5% em fevereiro - nível ainda muito alto. Segundo o IBGE, os preços dos
serviços no IPCA, em um ano, diminuíram de 5,52% para 5,37%.
A dinâmica da inflação ainda é de alta, se
considerados os comportamentos dos cinco núcleos de inflação observados pelo
Banco Central. Em 12 meses, avançaram de 4,54% para 4,64%, de acordo com a MCM
Consultores. Com a perspectiva de que a economia cresça mais no primeiro
trimestre do que o 0,2% dos últimos três meses de 2024, o IPCA não deve ceder
significativamente por meses.
O BC estimou no relatório de dezembro a
inflação mensal no primeiro trimestre de 2025. Em janeiro e fevereiro, o IPCA
surpreendeu para cima e já teve evolução em 12 meses superior à prevista para
março, de 5%. Mesmo sem esse desvio, o BC já havia assinalado que a inflação
continuará acima de 4,5% até junho, o que o obrigaria, pelo novo sistema de
metas contínuas, a enviar um documento à Fazenda explicando os motivos.
Pela evolução da inflação até agora, aumentos
das taxas de juros poderão prosseguir além dos 14,25% já prometidos para a
reunião do Comitê de Política Monetária deste mês. Segundo o boletim Focus, as
projeções para o IPCA no ano voltaram a subir e estão em 5,68%, pressupondo uma
Selic em 15% em 2025.
Há poucos fatores que podem melhorar as
perspectivas para a inflação. A guerra tarifária contra o mundo, decretada por
Donald Trump, está derrubando o dólar no início, o que contribuiu para
valorização moderada do real e menor pressão sobre os preços de insumos
importados e dos alimentos. Não há no entanto qualquer garantia de que isso
continuará a ocorrer, sem contar que os movimentos da moeda americana guardam
também relação estreita com fatores domésticos - fragilidade fiscal, por
exemplo. A possibilidade de uma desaceleração global pode impedir altas
expressivas das commodities. A perda de ímpeto da economia brasileira, que
esfriaria também a inflação, só deverá ocorrer no segundo semestre.
Os riscos de alta da inflação persistem. Um
deles é a tentação, que se manifesta em várias ações do governo Lula, que perde
popularidade, de impedir que os juros altos desaqueçam a economia lançando
programas com a finalidade direta ou indireta de continuar estimulando o
consumo. A redução do déficit fiscal contribuiria por si só para dar menor
impulso às atividades, mas há a tentação do Planalto de incentivar o crédito de
várias maneiras. Más notícias no front fiscal produzirão os mesmos efeitos
vistos em abril, quando as metas de resultado primário foram alteradas, e em
novembro, quando um pacote de gastos forte veio acompanhado de medidas para
reduzir a arrecadação. A conta dos juros passará de US$ 1 trilhão, e contribuir
para que eles possam cair logo seria uma estratégia de autodefesa do governo e
um trunfo eleitoral.
Inflação em alta é imune a encenações do
governo
Folha de S. Paulo
Carestia de alimentos é fenômeno global,
agravado aqui pela elevação da cotação do dólar estimulada por gastança petista
Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) mostrou-se indignado
com os "intermediários" que "assaltam" o consumidor de
combustíveis. Disse que estava à caça do "atravessador" que
"mete o dedo" no comércio de ovos. Nos dois casos, evocou discursos
contra vilões imaginários da inflação que
datam dos anos 1980.
Imunes à demagogia obsoleta do mandatário, o
óleo diesel, com alta de 4,35%, o etanol (3,62%)
e a gasolina (2,78%), além do ovo de galinha e seus 15,39% recordes desde o
Plano Real, contribuíram para o elevado, mas não surpreendente, IPCA
de 1,31% em fevereiro divulgado nesta quarta-feira (12) pelo IBGE.
Na busca ávida por recuperar popularidade,
Lula fica estridente, enquanto a reação concreta de seu governo é comedida,
porém não muito mais efetiva do que palavras de palanque.
Anunciou-se que impostos de importação de
alguns produtos devem ser reduzidos a zero. O objetivo parece ser o de mostrar
que a administração petista faz algo contra a inflação esperada de 5,68% neste
ano, especialmente quanto aos preços de alimentos.
A medida, a depender das condições da oferta
mundial e de necessidades de mercados regionais, pode promover alguma redução
de custo no atacado, incerta até segundo empresas interessadas nesse comércio.
A queda é ainda mais duvidosa no varejo.
É difícil adotar providências de curto prazo,
dado o persistente encarecimento mundial de alimentos, agravado por choques
climáticos e, no Brasil, pela alta do dólar, em grande
parte responsabilidade do governo Lula e sua gastança insustentável.
Desde o início da pandemia, o preço da alimentação no
domicílio aumentou em média 58,5%, ante um IPCA de 34,8% e uma variação de
42,7% dos salários. É sinal de problemas estruturais.
A Folha noticiou outra tentativa de
lidar com a carestia, ainda em estudo no Executivo: um plano para expandir
os estoques oficiais de produtos agrícolas. A ideia tampouco soa
promissora.
Tais políticas são controversas ou, pelo
menos, não são de aplicação ampla; têm custos financeiros, de estoque,
transporte e comercialização. Se o subsídio é possível, talvez seja mais bem
gasto em assistência focalizada para certos consumidores e pequenos produtores.
Mais importante, o país não tem em geral
problema de abastecimento. É grande produtor e exportador dos itens essenciais,
com exceção maior do trigo. Tentativas de controlar preços podem criar, já no
curto prazo, desincentivos ao produtor.
No médio prazo, é preciso cuidar da
infraestrutura precária em transporte e armazenagem. Ainda há problemas na
assistência técnica, nos seguros ou na orientação do uso de terras,
principalmente ao se considerar a cada vez mais grave crise ambiental.
Conter a inflação imediata é tarefa do Banco Central autônomo
—para a qual o governo deveria contribuir limitando a alta dos gastos públicos
e de sua dívida.
Mudanças no foro especial afetam imagem do
Supremo
Folha de S. Paulo
Ampliar instituto contraria decisão de 2018;
medida fortalece STF, mas pode ser percebida como politicamente motivada
Por 7 votos a 4, e após três pedidos de
vistas, o Supremo Tribunal Federal decidiu ampliar o foro especial para
autoridades. Agora, ele "subsiste
mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal
sejam iniciados depois de cessado seu exercício".
É a segunda mudança de entendimento sobre o
tema nos últimos sete anos. Em 2018, a corte —da qual a maioria dos atuais
ministros já era integrante— foi na direção contrária, ao restringir a validade
do instituto.
O foro especial não é uma questão que
comporte resposta objetiva e inequívoca. Esta Folha o defende, seja
para proteger autoridades de decisões judiciais precipitadas, seja para evitar
que políticos poderosos exerçam pressão sobre os juízes menos
experientes da primeira instância. Há também quem advogue sua extinção, com o
argumento de aplicar os princípios da igualdade republicana e do juiz natural.
Também é possível defender sua expansão ou
contenção. Insensato é reverter uma mudança de entendimento relativamente
recente sem nem sequer avaliar, com base em evidências, seus efeitos. A
estabilidade jurídica, que não se confunde com imobilismo, é um princípio pelo
qual o Supremo tem o dever de zelar.
O argumento decisivo para a nova alteração —o
de que os acusados não podem escolher quem os julgará, por meio da renúncia ao
cargo— não era desconhecido em 2018. Na ocasião, os ministros modularam sua
decisão com o objetivo de minorar o problema.
O vaivém de entendimentos não é a única
sombra que paira sobre a determinação do STF, que tem uma
dimensão política.
No nível prático, o novo paradigma mina a
estratégia de Jair
Bolsonaro (PL)
e outros denunciados pela intentona golpista, segundo a qual os casos deveriam
correr na primeira instância.
Não que isso fosse necessário. Réus
do 8 de janeiro que já foram julgados no Supremo não ocupavam cargos
de autoridade, e as sentenças foram proferidas sob a vigência da interpretação
anterior acerca do foro especial.
Num plano mais abstrato, os ministros ampliam
o próprio poder quando mais políticos importantes são submetidos a sua
jurisdição. Essa movimentação, no entanto, embute riscos.
Tais ações penais são vistas por parte da
população como julgamentos politicamente motivados, uma das principais causas
do atual desprestígio do tribunal.
Uma corte prudente e ciosa de sua imagem
tentaria ficar tão longe quanto possível de casos criminais de alta octanagem
nessa seara. Não é, porém, o que faz o STF.
A inflação é teimosa
O Estado de S. Paulo
Taxa de fevereiro, a maior para o mês desde
2003, devolveu com folga o bônus das contas de luz do índice de janeiro e
provou que não há como o governo segurar na marra a inflação
A inflação que o governo “segurou” em
janeiro, com a redução pontual nas contas de luz, voltou com força em fevereiro
– como previsto – e lançou a taxa do mês ao maior nível dos últimos 22 anos. A
alta de 1,31% em fevereiro, que empurrou o acumulado em 12 meses para 5,06%, é
uma prova cabal da inutilidade de manobras da gestão lulopetista. Se em
janeiro, com a “mãozinha” do bônus da usina de Itaipu, o barateamento de 14,21%
nas tarifas de energia conteve o IPCA em 0,16%, no mês seguinte a recomposição
do mesmo bônus devolveu tudo e mais um pouco.
A cada mês a evolução dos preços mostra ao
presidente Lula da Silva que de nada adiantam medidas populistas para conter a
inflação. Será inócuo zerar a taxa de importação do café e de outros produtos
alimentícios, assim como é irrealista querer controlar o preço dos combustíveis
ou forçar atacadistas e varejistas a atrelarem suas decisões de negócios à
vontade do governo. Mas Lula não se convence. Ao contrário, prefere exercitar
uma retórica belicosa ameaçando tomar uma “atitude mais drástica” caso não encontre
uma “solução pacífica”.
A inflação de fevereiro não foi um ponto fora
da curva. O IPCA, que tradicionalmente nesta época é pressionado pelos
reajustes das mensalidades escolares, sofreu impacto ainda maior das tarifas de
energia elétrica residenciais, que responderam por 0,56 ponto porcentual do
IPCA geral. E o mais preocupante são as tendências de alta observadas nos
núcleos das taxas, como são chamadas as medidas estatísticas que desconsideram
impactos temporários, como a sazonalidade das mensalidades escolares, por
exemplo.
Recente reportagem do Broadcast/Estadão mostrou
que as estimativas do mercado financeiro estão concentradas na manutenção do
IPCA acima do teto da meta (4,5%) até setembro de 2026, quando iniciará um
recuo lento. O principal temor dos analistas é o de que novos estímulos fiscais
acelerem ainda mais a alta dos preços. A preocupação não é despropositada, haja
vista algumas medidas recentes, como a liberação de R$ 12 bilhões por meio do
FGTS, o incentivo ao empréstimo consignado privado e, talvez, em 2026, a isenção
tributária para quem ganha até R$ 5 mil mensais.
Medidas de estímulo ao consumo surgem em
grande número, impulsionadas por mantras característicos de Lula, como “quero
mais crédito para o povo” e “dinheiro circulando nas mãos das pessoas faz a
economia crescer”, entre outros de mesma natureza. No entanto, ao sobreaquecer
a economia e gerar uma demanda artificial sem um correspondente aumento na
produção e na produtividade, o governo ignora um princípio essencial para o
crescimento sustentável: o equilíbrio fiscal.
Em recente entrevista ao Flow Podcast, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou considerar importante o governo
federal voltar a apresentar contas no azul. “Tem gente que discorda disso; tem
gente que quer fazer mais rápido”, comentou, reconhecendo não haver consenso em
torno da calibragem da política fiscal. Embora Haddad tenha defendido a ideia
de que o ajuste “não precisa ser recessivo” – e para isso voltou a defender a
tributação dos super-ricos como contrapartida a eventuais cortes de gastos –, a
cruzada pela política fiscal tem sido, pelo que se observa no governo Lula da
Silva, uma batalha isolada da equipe econômica.
A perspectiva de um IPCA pressionado até as
vésperas da eleição presidencial do ano que vem aumenta a apreensão sobre o
comportamento do Palácio do Planalto em relação à política autônoma do Banco
Central (BC). Desde o início de seu terceiro mandato, Lula da Silva torpedeou a
direção do Banco Central pelos juros altos. A partir da posse de seu indicado,
Gabriel Galípolo, na presidência do banco, iniciou uma trégua, mas o futuro é
incerto. Em junho, a meta de inflação irá estourar novamente, como já antecipou
a própria direção do BC. Para o mercado, em agosto o acumulado do IPCA em 12
meses deve chegar a 5,82%. Pelo andar da carruagem, a volta da pressão política
sobre a autoridade monetária é questão de tempo.
Ainda há Ministério Público em Brasília
O Estado de S. Paulo
Recurso da PGR contra decisão de Dias Toffoli
que livrou Antonio Palocci de condenações na Lava Jato é um alento para o
Brasil que ainda crê no sistema de Justiça e no STF, em particular
A esta altura, a cupidez do ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) José Antonio Dias Toffoli por desmantelar
integral e definitivamente a Operação Lava Jato já se insere entre os momentos
mais baixos da Corte em toda a sua história republicana. O silêncio obsequioso
dos pares diante de uma verdadeira razia promovida pelo sr. Dias Toffoli desde
setembro de 2023, quando não a complacência em certos casos, conspurca ainda
mais a aura de isenção e legitimidade que deve recobrir a mais alta instância
do Poder Judiciário.
Graças ao monocratismo do ministro, a
sociedade, a um tempo perplexa e indignada, passou a ser humilhada por
criminosos confessos, alguns outrora muito poderosos, que hoje se apresentam
como “vítimas”, ora vejam, de um esquema de persecução penal que estaria
carcomido por vícios processuais de cima a baixo. Sob o domínio desse espírito
purgador que parece guiar a mão de Dias Toffoli não há matizes. Tudo o que
provém da Lava Jato, invariavelmente, há de ser anulado por erros, em tese,
generalizados e insanáveis – e tudo isso, claro, a bem do Estado Democrático de
Direito, como sustenta Sua Excelência.
Ao Brasil decente resta pouco além do
conforto de ao menos perceber que ainda há, no plano institucional, quem se
erga contra decisões suspeitas – pois suspeito é Dias Toffoli, certa vez
qualificado como “o amigo do amigo de meu pai” por Marcelo Odebrecht – exaradas
por um magistrado que se mostra engajado numa cruzada pessoal contra os fatos,
movido sabe-se lá por quais razões. É como um alento, portanto, que este jornal
recebeu o contundente recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República
(PGR) contra a decisão de Dias Toffoli que anulou todos os processos no âmbito
da Lava Jato contra o prócer petista Antonio Palocci.
Como se sabe, Dias Toffoli estendeu ao
ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos de Lula da Silva e Dilma
Rousseff, respectivamente, os benefícios concedidos ao presidente da República,
aos empresários Marcelo Odebrecht e Raul Schmidt Felippe Júnior e ao
ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB). Em termos ainda mais duros do que os
empregados em outros recursos contra as decisões monocráticas de Dias Toffoli
envolvendo condenados na Lava Jato, o procurador-geral Paulo Gonet desmontou,
um a um, os argumentos falaciosos da defesa do sr. Palocci para lhe fazer
parecer merecedor da condição de inocente. Em que pese o fato de não ter feito
nada além de cumprir seu dever profissional, a defesa, data maxima venia,
aproveitou-se da tese geral do “conluio” formulada por Dias Toffoli para também
adentrar na senda do realismo fantástico aberta pelo ministro do STF.
Em um dos trechos mais certeiros de sua peça,
Paulo Gonet sustenta que “o pleito formulado (pelo réu Antonio Palocci) não se
sustenta em vícios processuais concretos ou na ausência de justa causa”, mas
sim, prossegue o chefe do Ministério Público Federal, “na pretensão de se
desvincular de um acervo probatório autônomo, válido e robusto, cuja
existência, em parte, foi reconhecida por ele próprio em sua colaboração
premiada”. Não se trata de uma opinião ou de um mero recurso retórico do
procurador-geral. Trata-se de um fato. Palocci é um criminoso confesso que foi
assistido por alguns dos mais competentes advogados do País, que seguramente o
teriam orientado a não confessar crimes sob quaisquer tipos de coação estatal.
Merecem destaque os adjetivos “autônomo”,
“válido” e “robusto” escolhidos pelo procurador-geral em seu agravo interno –
no qual Gonet pugna pela reconsideração de Dias Toffoli ou remessa do caso para
análise do plenário do STF – porque eles dizem muito sobre a fragilidade da
tese do “conluio” – ademais sustentada por provas obtidas por meio ilegal – e
sobre a inaplicabilidade das decisões específicas de um determinado processo a
casos envolvendo réus e situações factualmente distintas.
Espera-se que o Supremo, cioso de sua
responsabilidade, reforme uma decisão monocrática que atropela a lógica, os
fatos e a própria crença da sociedade no sistema de Justiça.
Sensação de impunidade
O Estado de S. Paulo
Progressão de regime que pôs na rua
assassinos do casal Richthofen desserve à sociedade
Não há pena de caráter perpétuo no Brasil,
mas seria muito bom se ao menos os condenados a penas privativas de liberdade
ficassem presos pelo tempo determinado pela Justiça, em especial os que
cometeram crimes brutais. Compreende-se como natural, portanto, a sensação de
impunidade diante da notícia segundo a qual Cristian Cravinhos, um dos
assassinos do casal Richthofen, foi colocado em liberdade, no dia 5 passado,
depois de ter cumprido apenas cerca de metade da pena de 38 anos e seis meses
de prisão à qual foi condenado em 2006.
Sentenciados a penas ainda mais severas pela
participação no duplo homicídio, o irmão de Cristian, Daniel, e a namorada
deste, Suzane von Richthofen, filha do casal assassinado, já estavam em
liberdade. E o fato de que os três já caminham livremente, a despeito da
hediondez do crime que cometeram, é uma afronta não só à memória das vítimas e
seus familiares, como também a uma sociedade amedrontada pela leniência do
Estado para combater a criminalidade.
Evidentemente, os criminosos em questão não
fugiram da cadeia. Seus advogados apenas cumpriram o dever profissional ao
explorar todos os instrumentos legais para resguardar os interesses de seus
clientes. Eis o problema de fundo. O Brasil é dotado de um sistema recursal e
de progressão de regime mal formulado, mal executado e mal fiscalizado.
À falta de legislação mais severa para
impedir rápidas progressões de regime para criminosos violentíssimos porque,
ora vejam, eles tiveram bom comportamento no cárcere – o que não é mais do que
a obrigação de qualquer apenado – soma-se o despreparo do Estado para bem
definir quem, de fato, pode progredir no cumprimento da pena e, sobretudo,
fiscalizar a contento essa progressão.
Dia sim e outro também, a sociedade é tomada
por um misto de revolta e desalento ao tomar conhecimento de crimes graves,
muitos culminando em morte, cometidos por bandidos que claramente não deveriam
estar cumprindo pena em liberdade. A um só tempo, o atual arcabouço
jurídico-penal premia criminosos violentos e prejudica o processo de
ressocialização de apenados que, de fato, são dignos da progressão de regime.
Veja-se, à guisa de exemplo, a facilidade com que o Congresso aprovou o fim das
saídas temporárias de presos em feriados nacionais, conhecidas como
“saidinhas”.
O Estado brasileiro, em suas múltiplas
esferas de atuação – Congresso, polícias, Ministério Público, Poder Judiciário,
administração prisional – precisa ser mais inteligente no trato dos condenados
sob sua custódia. Isso passa tanto por uma completa refundação das cadeias
Brasil afora, muitas transformadas em usinas de ódio e degradação da condição
humana, mas também, e sobretudo, por uma análise mais criteriosa sobre quem
deve permanecer intramuros por mais tempo e quem, eventualmente, pode voltar ao
convívio social. Ou seja, impõe-se uma revisão do sistema de progressão de
regime.
Uma das dimensões da pena é a sua natureza retributiva, uma justa resposta do Estado a uma injusta agressão do cidadão infrator. Resta claro, no caso Richthofen, mas não só, que de justa a reparação não teve quase nada.
Violência de gênero não pode ser normalizada
Correio Braziliense
Ao ganhar força, inclusive entre mulheres, o
entendimento coletivo de que as leis não funcionam pode estimular a
normalização da violência de gênero e até mesmo desestimular denúncias
No centro de São Paulo, Elaine Domenes de
Castro, 53 anos, caminhava na calçada em frente de casa quando foi encurralada
na parede e morta com três tiros. Os filhos da vítima, ao assistirem ao
assassinato filmado pelas câmeras de segurança há uma semana, reconheceram o
autor: Rogério Gonçalves. Um ex-namorado que não concordava com o fim do
relacionamento e não poderia se aproximar de Elaine, que tinha uma medida
protetiva concedida pela Justiça após denunciar agressões que havia sofrido ao
longo do namoro. O suspeito foi preso dois dias depois do crime.
Também detido, Vinicius Neres Ribeiro estava
nas imediações da casa de uma ex-namorada, no Gama, nesta terça-feira,
carregando uma mochila com facas, algemas, sacos de lixo, serra e uma mecha de
cabelo da jovem, que tinha uma medida protetiva contra ele. Há nove anos,
Vinicius matou Louise Ribeiro em um laboratório da Universidade de Brasília. A
estudante, que também se recusava a se relacionar com o então colega de curso,
foi asfixiada, enrolada em um colchão e queimada. Vinicius foi condenado a 23
anos de prisão em 2017. Cinco anos depois, entrou para o regime semiaberto. Na
última sexta-feira, não voltou do trabalho externo e passou a ser procurado
pela polícia. Aparentemente, planejava cometer mais um feminicídio.
Ambos os roteiros, repletos de atos de
violência, compartilham outro fenômeno: reforçam a sensação de que as leis não
funcionam quando as vítimas são mulheres. Denúncias oficiais, medidas
protetivas e até condenações parecem não intimidar quem tem ódio do feminino.
Não há erro na indignação. Mas especialistas alertam que, ao ganhar força,
inclusive entre mulheres, esse entendimento coletivo de impunidade pode
estimular a normalização da violência de gênero e, até mesmo, desestimular
denúncias.
Trata-se de um caminho tortuoso a ser tomado
por um país que acumula recordes de agressões contra as mulheres. Pesquisa
divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) nesta segunda-feira
revela uma alta histórica de episódios do tipo desde 2017, quando o
levantamento começou a ser feito. O mais recente mostra que 37,5% de
adolescentes e mulheres a partir dos 16 anos foram vítimas de algum tipo de
violência nos últimos 12 meses — 8,6 pontos percentuais acima do resultado de
2023.
São cerca de 21,4 milhões de vítimas de
agressões cometidas sem qualquer tipo de constrangimento — visto que 91,8% das
entrevistadas relataram que os atos de violência tiveram testemunhas, como
amigos, filhos e outros parentes. Apenas 24,5% procuraram uma delegacia e 47,4%
se calaram — cenário que indica, no mínimo, uma falta de aproximação entre os
órgãos de segurança e as vítimas. Entre também outras potenciais redes de
apoio, como vizinhos, colegas de trabalho ou da igreja.
Elaine foi morta três dias antes de a Lei
Maria da Penha completar 10 anos — legislação reconhecida internacionalmente
pelo avanço no combate à violência de gênero —, em um momento em que o
feminicida pode ser punido com o maior tempo de reclusão previsto no
Código Penal brasileiro, conforme lei sancionada em outubro do ano passado.
Ainda assim, os crimes continuam, evidenciando que o enfrentamento à violência
de gênero não pode ser exclusivamente punitivo.
Medidas preventivas e de educação precisam fazer parte de uma política que tenha o propósito de combater as causas estruturais do feminicídio e outras violências do tipo. E devem considerar sobretudo jovens e crianças — que presenciam as agressões, em 27% dos casos, segundo a pesquisa do FBSP, quando também não são alvo de covardes. As novas gerações brasileiras estão crescendo em um ambiente propício à normalização da violência contra a mulher. Não se quebra ciclos sem agir na base.
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