quinta-feira, 13 de março de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Vaivém de Trump nas tarifas é péssimo para a economia

O Globo

Nenhuma empresa consegue planejar nem investir nada sem saber as regras que valerão nos próximos meses

Os dois passos para lá, dois para cá encetados por Donald Trump na política comercial poderiam ser apenas reflexo de sua desorientação ou inépcia para essa dança — não fossem, antes disso, uma tragédia para a economia. Em fevereiro, Trump anunciou que elevaria alíquotas sobre produtos importados de Canadá, México e China. Dois dias depois, voltou atrás em relação aos vizinhos e suspendeu a medida por um mês. Passados 30 dias, começou a valer a nova tarifa de 25%. Em 48 horas, nova reviravolta. Produtos que fazem parte do acordo de livre-comércio da América do Norte ficaram isentos por mais 30 dias (prazo que poderá ser estendido). Nas tarifas baixadas sobre aço e alumínio, também abriu exceção para o setor automotivo. Para alguém que se considera um exímio negociador, esse tipo de vaivém pode fazer sentido. Para o mundo — em particular as empresas afetadas —, a reação tem variado da perplexidade ao desespero.

Encontrar fornecedores confiáveis, firmar contratos para receber matéria-prima e produzir de acordo com prazos rigorosos de entrega é tarefa árdua que consome tempo. Montar cadeias de suprimentos integradas, como a que une as indústrias automotivas de Canadá, Estados Unidos e México, é ainda mais complexo. Envolve investimento em fábricas e redes de logística. Tudo isso depende de regras estáveis e planejamento minucioso. Mas não se sabe sequer o que vale hoje, muito menos por quanto tempo. Com as reviravoltas, Trump semeia dúvidas sobre suas próprias decisões. Na feliz imagem do Wall Street Journal, ninguém sabe de que “lado da cama Trump acordará amanhã”. Seus volta-faces estão longe de ser correção de rumo indolor ou reconhecimento de erros. A indefinição e a sensação que tudo pode mudar com um post numa rede social adiam decisões de investimento e tornam tudo imprevisível. Para os negócios, pior que ter de aumentar preços para arcar com tarifas mais altas é não poder planejar nada por não saber que tarifa estará em vigor nos próximos meses.

Se estivesse circunscrita à América do Norte, a guerra comercial de Trump já seria motivo de preocupação. Mas é ainda pior. Como ele se vê em disputa com as maiores economias, o problema é global. Nesta quarta-feira, começou a valer o aumento das tarifas sobre aço e alumínio. Em resposta, a União Europeia anunciou que, a partir de abril, elevará taxas sobre produtos americanos que movimentam US$ 28 bilhões. Canadá e China também retaliaram as medidas protecionistas. É fácil determinar quando uma guerra comercial tem início. Prever quando e como acabará é impossível.

Não surpreende que o entusiasmo inicial dos investidores com Trump tenha evaporado diante do temor fundamentado de recessão. “Os mercados subirão e cairão. Mas, sabe o quê? Vamos reconstruir nosso país”, disse ele. Será? Nenhum economista sério vê lógica nas suas políticas. Nesta quarta-feira, o banco central americano, o Fed, divulgou os dados de inflação. Houve desaceleração em fevereiro, mas ninguém comemorou. Guerra comercial e tarifas mais altas significam que as empresas dependentes de importados terão duas opções: ou absorver a alta de custos e reduzir a lucratividade, ou repassá-la ao consumidor, jogando lenha na inflação. Mesmo que volte atrás no protecionismo, o que parece improvável, Trump terá deixado um legado nefasto ao mundo e a seu próprio país.

Inflação renitente reflete dificuldade do governo em reconhecer seus erros

O Globo

Enquanto Lula e seus ministros reagem de forma errática, Banco Central pena para dissipar apreensões

Se a alta de preços — em especial dos alimentos — já azedava o humor dos brasileiros e fazia acender luzes de emergência no Palácio do Planalto, tudo ficou pior com a divulgação da inflação de fevereiro. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou alta de 1,3% — a maior para o mês desde 2003.

Não deu nem tempo de o governo comemorar a trégua de janeiro, quando subira apenas 0,16%, influenciado pelo pagamento de um bônus da hidrelétrica de Itaipu, que reduziu a conta de luz. Em fevereiro, o preço da energia saltou 16,80%, provocando o efeito contrário. O reajuste das mensalidades escolares também pesou no resultado (educação como um todo teve alta de 4,7%). Pelo menos, a alta dos alimentos desacelerou (eles subiram 0,7% ante 0,96% em janeiro). Mas alguns produtos registraram aumentos expressivos, como ovo (15,4%) e café (10,8%).

Não é apenas a inflação que preocupa, mas também a forma errática como o governo tem reagido. Inconformado com o preço dos alimentos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva culpou atravessadores e disse que poderá tomar “atitudes mais drásticas, porque o que interessa é levar comida barata para o prato do povo brasileiro”. Não explicou quais seriam. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tentou minimizar a declaração, assegurando que não haverá pirotecnias ou intervenção nos preços. Mas, em janeiro, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, já assustara o mercado ao dizer que o governo buscava “intervenções” para baratear alimentos (depois negou que a palavra “intervenções” significasse intervenções). Os desacertos traduzem um fato singelo: o Planalto não sabe o que fazer.

No início do mês, depois de reuniões entre ministros e empresários, o governo tirou da cartola mais uma inciativa para baixar os preços. Anunciou que zeraria o imposto de importação sobre carne, açúcar, café, massas, sardinha, milho, biscoito, óleo de girassol e azeite. Apesar de correta, a medida terá pouco impacto, uma vez que fatores como clima e alta do dólar são determinantes na formação dos preços.

A realidade é que, em 12 meses, a inflação está em 5,06%, bem acima do teto da meta (4,5%). Esse cenário não favorece a queda dos juros, hoje em 13,25%. Já está contratado pelo menos mais um aumento na próxima reunião do Copom. Esperava-se que, depois, a situação arrefecesse. Mas o resultado de fevereiro não contribui em nada para dissipar as apreensões que continuam no ar. Ao contrário.

Lula se diz indignado com os preços, mas não ajuda. A forte expansão de gastos promovida pelo governo petista contribui não apenas para o aumento do endividamento público, mas também para a alta da inflação. Preocupado com a queda nos índices de popularidade, ele tem insistido em manter a economia artificialmente aquecida, estimulando a demanda e pressionando os preços. É verdade que o cenário internacional, convulsionado pelas decisões de Donald Trump, não é favorável. Mas, em vez de ficar caçando vilões imaginários, Lula deveria reconhecer seus próprios erros.

Inflação não dá sinais de queda no curto prazo

Valor Econômico

Com a perspectiva de que a economia cresça mais no primeiro trimestre do que o 0,2% dos últimos três meses de 2024, o IPCA não deve ceder significativamente por meses

A desaceleração da economia no último trimestre de 2024 não se refletiu na inflação, que subiu 1,31% em fevereiro e acelerou para 5,06% em 12 meses. Há alguns motivos de otimismo: a inflação dos alimentos recuou pelo terceiro mês consecutivo e os preços dos serviços estacionaram, embora em um nível ainda muito elevado. Os preços monitorados fizeram um estrago no IPCA do mês passado. A energia elétrica subiu 16,8% e essa variação correspondeu a quase a metade da inflação cheia do mês, com 0,56 ponto percentual.

A colheita de uma safra recorde, caso a relativa estabilidade do real diante do dólar permaneça - o que está longe de ser seguro -, traz um horizonte de aumentos menores de preços dos alimentos. Em 12 meses, alimentos e bebidas subiram 7%, e esses itens são de longe os que mais pressionaram o IPCA. O alívio que já se nota, no entanto, não contempla produtos que estão com cotações em alta no mercado internacional, como carnes, café e ovos. O grupo carnes aumentou 22% nos 12 meses encerrados em fevereiro - a picanha, sempre mencionada pelo presidente, ficou 10,9% mais cara -, e os ovos, 10,5%.

O índice de difusão geral, que mede o percentual de preços em alta no total dos itens pesquisados, caiu de 65% para 60,7%. Mas quando se retiram os alimentos, ela volta aos 65,1%. Cinco dos 9 itens do IPCA apresentaram alta em fevereiro, ainda que apenas dois tenham puxado a média para cima. Preços da habitação evoluíram 4,44% com o reajuste da energia, e os da educação, 4,7%, em movimento sazonal que não se repetirá ao longo do ano.

O setor que tem exercido pressão permanente sobre a inflação é o de serviços, movido em grande medida pela evolução da renda. O crescimento da massa salarial, os aumentos reais do salário mínimo e os reajustes salariais acima do IPCA têm garantido uma demanda firme que dá sustentação à alta dos preços. Mas há sinais de alento nos números de fevereiro. Os serviços subjacentes, que mais refletem o estágio do ciclo econômico, recuaram um pouco, de 0,86% para 0,69%, segundo cálculos do banco Inter. A média móvel trimestral dessazonalizada desses serviços, estimada pela XP, aponta quase estabilidade em 12 meses, tendo variado de 7,6% em janeiro para 7,5% em fevereiro - nível ainda muito alto. Segundo o IBGE, os preços dos serviços no IPCA, em um ano, diminuíram de 5,52% para 5,37%.

A dinâmica da inflação ainda é de alta, se considerados os comportamentos dos cinco núcleos de inflação observados pelo Banco Central. Em 12 meses, avançaram de 4,54% para 4,64%, de acordo com a MCM Consultores. Com a perspectiva de que a economia cresça mais no primeiro trimestre do que o 0,2% dos últimos três meses de 2024, o IPCA não deve ceder significativamente por meses.

O BC estimou no relatório de dezembro a inflação mensal no primeiro trimestre de 2025. Em janeiro e fevereiro, o IPCA surpreendeu para cima e já teve evolução em 12 meses superior à prevista para março, de 5%. Mesmo sem esse desvio, o BC já havia assinalado que a inflação continuará acima de 4,5% até junho, o que o obrigaria, pelo novo sistema de metas contínuas, a enviar um documento à Fazenda explicando os motivos.

Pela evolução da inflação até agora, aumentos das taxas de juros poderão prosseguir além dos 14,25% já prometidos para a reunião do Comitê de Política Monetária deste mês. Segundo o boletim Focus, as projeções para o IPCA no ano voltaram a subir e estão em 5,68%, pressupondo uma Selic em 15% em 2025.

Há poucos fatores que podem melhorar as perspectivas para a inflação. A guerra tarifária contra o mundo, decretada por Donald Trump, está derrubando o dólar no início, o que contribuiu para valorização moderada do real e menor pressão sobre os preços de insumos importados e dos alimentos. Não há no entanto qualquer garantia de que isso continuará a ocorrer, sem contar que os movimentos da moeda americana guardam também relação estreita com fatores domésticos - fragilidade fiscal, por exemplo. A possibilidade de uma desaceleração global pode impedir altas expressivas das commodities. A perda de ímpeto da economia brasileira, que esfriaria também a inflação, só deverá ocorrer no segundo semestre.

Os riscos de alta da inflação persistem. Um deles é a tentação, que se manifesta em várias ações do governo Lula, que perde popularidade, de impedir que os juros altos desaqueçam a economia lançando programas com a finalidade direta ou indireta de continuar estimulando o consumo. A redução do déficit fiscal contribuiria por si só para dar menor impulso às atividades, mas há a tentação do Planalto de incentivar o crédito de várias maneiras. Más notícias no front fiscal produzirão os mesmos efeitos vistos em abril, quando as metas de resultado primário foram alteradas, e em novembro, quando um pacote de gastos forte veio acompanhado de medidas para reduzir a arrecadação. A conta dos juros passará de US$ 1 trilhão, e contribuir para que eles possam cair logo seria uma estratégia de autodefesa do governo e um trunfo eleitoral.

Inflação em alta é imune a encenações do governo

Folha de S. Paulo

Carestia de alimentos é fenômeno global, agravado aqui pela elevação da cotação do dólar estimulada por gastança petista

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostrou-se indignado com os "intermediários" que "assaltam" o consumidor de combustíveis. Disse que estava à caça do "atravessador" que "mete o dedo" no comércio de ovos. Nos dois casos, evocou discursos contra vilões imaginários da inflação que datam dos anos 1980.

Imunes à demagogia obsoleta do mandatário, o óleo diesel, com alta de 4,35%, o etanol (3,62%) e a gasolina (2,78%), além do ovo de galinha e seus 15,39% recordes desde o Plano Real, contribuíram para o elevado, mas não surpreendente, IPCA de 1,31% em fevereiro divulgado nesta quarta-feira (12) pelo IBGE.

Na busca ávida por recuperar popularidade, Lula fica estridente, enquanto a reação concreta de seu governo é comedida, porém não muito mais efetiva do que palavras de palanque.

Anunciou-se que impostos de importação de alguns produtos devem ser reduzidos a zero. O objetivo parece ser o de mostrar que a administração petista faz algo contra a inflação esperada de 5,68% neste ano, especialmente quanto aos preços de alimentos.

A medida, a depender das condições da oferta mundial e de necessidades de mercados regionais, pode promover alguma redução de custo no atacado, incerta até segundo empresas interessadas nesse comércio. A queda é ainda mais duvidosa no varejo.

É difícil adotar providências de curto prazo, dado o persistente encarecimento mundial de alimentos, agravado por choques climáticos e, no Brasil, pela alta do dólar, em grande parte responsabilidade do governo Lula e sua gastança insustentável.

Desde o início da pandemia, o preço da alimentação no domicílio aumentou em média 58,5%, ante um IPCA de 34,8% e uma variação de 42,7% dos salários. É sinal de problemas estruturais.

A Folha noticiou outra tentativa de lidar com a carestia, ainda em estudo no Executivo: um plano para expandir os estoques oficiais de produtos agrícolas. A ideia tampouco soa promissora.

Tais políticas são controversas ou, pelo menos, não são de aplicação ampla; têm custos financeiros, de estoque, transporte e comercialização. Se o subsídio é possível, talvez seja mais bem gasto em assistência focalizada para certos consumidores e pequenos produtores.

Mais importante, o país não tem em geral problema de abastecimento. É grande produtor e exportador dos itens essenciais, com exceção maior do trigo. Tentativas de controlar preços podem criar, já no curto prazo, desincentivos ao produtor.

No médio prazo, é preciso cuidar da infraestrutura precária em transporte e armazenagem. Ainda há problemas na assistência técnica, nos seguros ou na orientação do uso de terras, principalmente ao se considerar a cada vez mais grave crise ambiental.

Conter a inflação imediata é tarefa do Banco Central autônomo —para a qual o governo deveria contribuir limitando a alta dos gastos públicos e de sua dívida.

Mudanças no foro especial afetam imagem do Supremo

Folha de S. Paulo

Ampliar instituto contraria decisão de 2018; medida fortalece STF, mas pode ser percebida como politicamente motivada

Por 7 votos a 4, e após três pedidos de vistas, o Supremo Tribunal Federal decidiu ampliar o foro especial para autoridades. Agora, ele "subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício".

É a segunda mudança de entendimento sobre o tema nos últimos sete anos. Em 2018, a corte —da qual a maioria dos atuais ministros já era integrante— foi na direção contrária, ao restringir a validade do instituto.

O foro especial não é uma questão que comporte resposta objetiva e inequívoca. Esta Folha o defende, seja para proteger autoridades de decisões judiciais precipitadas, seja para evitar que políticos poderosos exerçam pressão sobre os juízes menos experientes da primeira instância. Há também quem advogue sua extinção, com o argumento de aplicar os princípios da igualdade republicana e do juiz natural.

Também é possível defender sua expansão ou contenção. Insensato é reverter uma mudança de entendimento relativamente recente sem nem sequer avaliar, com base em evidências, seus efeitos. A estabilidade jurídica, que não se confunde com imobilismo, é um princípio pelo qual o Supremo tem o dever de zelar.

O argumento decisivo para a nova alteração —o de que os acusados não podem escolher quem os julgará, por meio da renúncia ao cargo— não era desconhecido em 2018. Na ocasião, os ministros modularam sua decisão com o objetivo de minorar o problema.

O vaivém de entendimentos não é a única sombra que paira sobre a determinação do STF, que tem uma dimensão política.

No nível prático, o novo paradigma mina a estratégia de Jair Bolsonaro (PL) e outros denunciados pela intentona golpista, segundo a qual os casos deveriam correr na primeira instância.

Não que isso fosse necessário. Réus do 8 de janeiro que já foram julgados no Supremo não ocupavam cargos de autoridade, e as sentenças foram proferidas sob a vigência da interpretação anterior acerca do foro especial.

Num plano mais abstrato, os ministros ampliam o próprio poder quando mais políticos importantes são submetidos a sua jurisdição. Essa movimentação, no entanto, embute riscos.

Tais ações penais são vistas por parte da população como julgamentos politicamente motivados, uma das principais causas do atual desprestígio do tribunal.

Uma corte prudente e ciosa de sua imagem tentaria ficar tão longe quanto possível de casos criminais de alta octanagem nessa seara. Não é, porém, o que faz o STF.

A inflação é teimosa

O Estado de S. Paulo

Taxa de fevereiro, a maior para o mês desde 2003, devolveu com folga o bônus das contas de luz do índice de janeiro e provou que não há como o governo segurar na marra a inflação

A inflação que o governo “segurou” em janeiro, com a redução pontual nas contas de luz, voltou com força em fevereiro – como previsto – e lançou a taxa do mês ao maior nível dos últimos 22 anos. A alta de 1,31% em fevereiro, que empurrou o acumulado em 12 meses para 5,06%, é uma prova cabal da inutilidade de manobras da gestão lulopetista. Se em janeiro, com a “mãozinha” do bônus da usina de Itaipu, o barateamento de 14,21% nas tarifas de energia conteve o IPCA em 0,16%, no mês seguinte a recomposição do mesmo bônus devolveu tudo e mais um pouco.

A cada mês a evolução dos preços mostra ao presidente Lula da Silva que de nada adiantam medidas populistas para conter a inflação. Será inócuo zerar a taxa de importação do café e de outros produtos alimentícios, assim como é irrealista querer controlar o preço dos combustíveis ou forçar atacadistas e varejistas a atrelarem suas decisões de negócios à vontade do governo. Mas Lula não se convence. Ao contrário, prefere exercitar uma retórica belicosa ameaçando tomar uma “atitude mais drástica” caso não encontre uma “solução pacífica”.

A inflação de fevereiro não foi um ponto fora da curva. O IPCA, que tradicionalmente nesta época é pressionado pelos reajustes das mensalidades escolares, sofreu impacto ainda maior das tarifas de energia elétrica residenciais, que responderam por 0,56 ponto porcentual do IPCA geral. E o mais preocupante são as tendências de alta observadas nos núcleos das taxas, como são chamadas as medidas estatísticas que desconsideram impactos temporários, como a sazonalidade das mensalidades escolares, por exemplo.

Recente reportagem do Broadcast/Estadão mostrou que as estimativas do mercado financeiro estão concentradas na manutenção do IPCA acima do teto da meta (4,5%) até setembro de 2026, quando iniciará um recuo lento. O principal temor dos analistas é o de que novos estímulos fiscais acelerem ainda mais a alta dos preços. A preocupação não é despropositada, haja vista algumas medidas recentes, como a liberação de R$ 12 bilhões por meio do FGTS, o incentivo ao empréstimo consignado privado e, talvez, em 2026, a isenção tributária para quem ganha até R$ 5 mil mensais.

Medidas de estímulo ao consumo surgem em grande número, impulsionadas por mantras característicos de Lula, como “quero mais crédito para o povo” e “dinheiro circulando nas mãos das pessoas faz a economia crescer”, entre outros de mesma natureza. No entanto, ao sobreaquecer a economia e gerar uma demanda artificial sem um correspondente aumento na produção e na produtividade, o governo ignora um princípio essencial para o crescimento sustentável: o equilíbrio fiscal.

Em recente entrevista ao Flow Podcast, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou considerar importante o governo federal voltar a apresentar contas no azul. “Tem gente que discorda disso; tem gente que quer fazer mais rápido”, comentou, reconhecendo não haver consenso em torno da calibragem da política fiscal. Embora Haddad tenha defendido a ideia de que o ajuste “não precisa ser recessivo” – e para isso voltou a defender a tributação dos super-ricos como contrapartida a eventuais cortes de gastos –, a cruzada pela política fiscal tem sido, pelo que se observa no governo Lula da Silva, uma batalha isolada da equipe econômica.

A perspectiva de um IPCA pressionado até as vésperas da eleição presidencial do ano que vem aumenta a apreensão sobre o comportamento do Palácio do Planalto em relação à política autônoma do Banco Central (BC). Desde o início de seu terceiro mandato, Lula da Silva torpedeou a direção do Banco Central pelos juros altos. A partir da posse de seu indicado, Gabriel Galípolo, na presidência do banco, iniciou uma trégua, mas o futuro é incerto. Em junho, a meta de inflação irá estourar novamente, como já antecipou a própria direção do BC. Para o mercado, em agosto o acumulado do IPCA em 12 meses deve chegar a 5,82%. Pelo andar da carruagem, a volta da pressão política sobre a autoridade monetária é questão de tempo.

Ainda há Ministério Público em Brasília

O Estado de S. Paulo

Recurso da PGR contra decisão de Dias Toffoli que livrou Antonio Palocci de condenações na Lava Jato é um alento para o Brasil que ainda crê no sistema de Justiça e no STF, em particular

A esta altura, a cupidez do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Antonio Dias Toffoli por desmantelar integral e definitivamente a Operação Lava Jato já se insere entre os momentos mais baixos da Corte em toda a sua história republicana. O silêncio obsequioso dos pares diante de uma verdadeira razia promovida pelo sr. Dias Toffoli desde setembro de 2023, quando não a complacência em certos casos, conspurca ainda mais a aura de isenção e legitimidade que deve recobrir a mais alta instância do Poder Judiciário.

Graças ao monocratismo do ministro, a sociedade, a um tempo perplexa e indignada, passou a ser humilhada por criminosos confessos, alguns outrora muito poderosos, que hoje se apresentam como “vítimas”, ora vejam, de um esquema de persecução penal que estaria carcomido por vícios processuais de cima a baixo. Sob o domínio desse espírito purgador que parece guiar a mão de Dias Toffoli não há matizes. Tudo o que provém da Lava Jato, invariavelmente, há de ser anulado por erros, em tese, generalizados e insanáveis – e tudo isso, claro, a bem do Estado Democrático de Direito, como sustenta Sua Excelência.

Ao Brasil decente resta pouco além do conforto de ao menos perceber que ainda há, no plano institucional, quem se erga contra decisões suspeitas – pois suspeito é Dias Toffoli, certa vez qualificado como “o amigo do amigo de meu pai” por Marcelo Odebrecht – exaradas por um magistrado que se mostra engajado numa cruzada pessoal contra os fatos, movido sabe-se lá por quais razões. É como um alento, portanto, que este jornal recebeu o contundente recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão de Dias Toffoli que anulou todos os processos no âmbito da Lava Jato contra o prócer petista Antonio Palocci.

Como se sabe, Dias Toffoli estendeu ao ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, respectivamente, os benefícios concedidos ao presidente da República, aos empresários Marcelo Odebrecht e Raul Schmidt Felippe Júnior e ao ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB). Em termos ainda mais duros do que os empregados em outros recursos contra as decisões monocráticas de Dias Toffoli envolvendo condenados na Lava Jato, o procurador-geral Paulo Gonet desmontou, um a um, os argumentos falaciosos da defesa do sr. Palocci para lhe fazer parecer merecedor da condição de inocente. Em que pese o fato de não ter feito nada além de cumprir seu dever profissional, a defesa, data maxima venia, aproveitou-se da tese geral do “conluio” formulada por Dias Toffoli para também adentrar na senda do realismo fantástico aberta pelo ministro do STF.

Em um dos trechos mais certeiros de sua peça, Paulo Gonet sustenta que “o pleito formulado (pelo réu Antonio Palocci) não se sustenta em vícios processuais concretos ou na ausência de justa causa”, mas sim, prossegue o chefe do Ministério Público Federal, “na pretensão de se desvincular de um acervo probatório autônomo, válido e robusto, cuja existência, em parte, foi reconhecida por ele próprio em sua colaboração premiada”. Não se trata de uma opinião ou de um mero recurso retórico do procurador-geral. Trata-se de um fato. Palocci é um criminoso confesso que foi assistido por alguns dos mais competentes advogados do País, que seguramente o teriam orientado a não confessar crimes sob quaisquer tipos de coação estatal.

Merecem destaque os adjetivos “autônomo”, “válido” e “robusto” escolhidos pelo procurador-geral em seu agravo interno – no qual Gonet pugna pela reconsideração de Dias Toffoli ou remessa do caso para análise do plenário do STF – porque eles dizem muito sobre a fragilidade da tese do “conluio” – ademais sustentada por provas obtidas por meio ilegal – e sobre a inaplicabilidade das decisões específicas de um determinado processo a casos envolvendo réus e situações factualmente distintas.

Espera-se que o Supremo, cioso de sua responsabilidade, reforme uma decisão monocrática que atropela a lógica, os fatos e a própria crença da sociedade no sistema de Justiça.

Sensação de impunidade

O Estado de S. Paulo

Progressão de regime que pôs na rua assassinos do casal Richthofen desserve à sociedade

Não há pena de caráter perpétuo no Brasil, mas seria muito bom se ao menos os condenados a penas privativas de liberdade ficassem presos pelo tempo determinado pela Justiça, em especial os que cometeram crimes brutais. Compreende-se como natural, portanto, a sensação de impunidade diante da notícia segundo a qual Cristian Cravinhos, um dos assassinos do casal Richthofen, foi colocado em liberdade, no dia 5 passado, depois de ter cumprido apenas cerca de metade da pena de 38 anos e seis meses de prisão à qual foi condenado em 2006.

Sentenciados a penas ainda mais severas pela participação no duplo homicídio, o irmão de Cristian, Daniel, e a namorada deste, Suzane von Richthofen, filha do casal assassinado, já estavam em liberdade. E o fato de que os três já caminham livremente, a despeito da hediondez do crime que cometeram, é uma afronta não só à memória das vítimas e seus familiares, como também a uma sociedade amedrontada pela leniência do Estado para combater a criminalidade.

Evidentemente, os criminosos em questão não fugiram da cadeia. Seus advogados apenas cumpriram o dever profissional ao explorar todos os instrumentos legais para resguardar os interesses de seus clientes. Eis o problema de fundo. O Brasil é dotado de um sistema recursal e de progressão de regime mal formulado, mal executado e mal fiscalizado.

À falta de legislação mais severa para impedir rápidas progressões de regime para criminosos violentíssimos porque, ora vejam, eles tiveram bom comportamento no cárcere – o que não é mais do que a obrigação de qualquer apenado – soma-se o despreparo do Estado para bem definir quem, de fato, pode progredir no cumprimento da pena e, sobretudo, fiscalizar a contento essa progressão.

Dia sim e outro também, a sociedade é tomada por um misto de revolta e desalento ao tomar conhecimento de crimes graves, muitos culminando em morte, cometidos por bandidos que claramente não deveriam estar cumprindo pena em liberdade. A um só tempo, o atual arcabouço jurídico-penal premia criminosos violentos e prejudica o processo de ressocialização de apenados que, de fato, são dignos da progressão de regime. Veja-se, à guisa de exemplo, a facilidade com que o Congresso aprovou o fim das saídas temporárias de presos em feriados nacionais, conhecidas como “saidinhas”.

O Estado brasileiro, em suas múltiplas esferas de atuação – Congresso, polícias, Ministério Público, Poder Judiciário, administração prisional – precisa ser mais inteligente no trato dos condenados sob sua custódia. Isso passa tanto por uma completa refundação das cadeias Brasil afora, muitas transformadas em usinas de ódio e degradação da condição humana, mas também, e sobretudo, por uma análise mais criteriosa sobre quem deve permanecer intramuros por mais tempo e quem, eventualmente, pode voltar ao convívio social. Ou seja, impõe-se uma revisão do sistema de progressão de regime.

Uma das dimensões da pena é a sua natureza retributiva, uma justa resposta do Estado a uma injusta agressão do cidadão infrator. Resta claro, no caso Richthofen, mas não só, que de justa a reparação não teve quase nada.

Violência de gênero não pode ser normalizada

Correio Braziliense

Ao ganhar força, inclusive entre mulheres, o entendimento coletivo de que as leis não funcionam pode estimular a normalização da violência de gênero e até mesmo desestimular denúncias

No centro de São Paulo, Elaine Domenes de Castro, 53 anos, caminhava na calçada em frente de casa quando foi encurralada na parede e morta com três tiros. Os filhos da vítima, ao assistirem ao assassinato filmado pelas câmeras de segurança há uma semana, reconheceram o autor: Rogério Gonçalves. Um ex-namorado que não concordava com o fim do relacionamento e não poderia se aproximar de Elaine, que tinha uma medida protetiva concedida pela Justiça após denunciar agressões que havia sofrido ao longo do namoro. O suspeito foi preso dois dias depois do crime.

Também detido, Vinicius Neres Ribeiro estava nas imediações da casa de uma ex-namorada, no Gama, nesta terça-feira, carregando uma mochila com facas, algemas, sacos de lixo, serra e uma mecha de cabelo da jovem, que tinha uma medida protetiva contra ele. Há nove anos, Vinicius matou Louise Ribeiro em um laboratório da Universidade de Brasília. A estudante, que também se recusava a se relacionar com o então colega de curso, foi asfixiada, enrolada em um colchão e queimada. Vinicius foi condenado a 23 anos de prisão em 2017. Cinco anos depois, entrou para o regime semiaberto. Na última sexta-feira, não voltou do trabalho externo e passou a ser procurado pela polícia. Aparentemente, planejava cometer mais um feminicídio.

Ambos os roteiros, repletos de atos de violência, compartilham outro fenômeno: reforçam a sensação de que as leis não funcionam quando as vítimas são mulheres. Denúncias oficiais, medidas protetivas e até condenações parecem não intimidar quem tem ódio do feminino. Não há erro na indignação. Mas especialistas alertam que, ao ganhar força, inclusive entre mulheres, esse entendimento coletivo de impunidade pode estimular a normalização da violência de gênero e, até mesmo, desestimular denúncias.

Trata-se de um caminho tortuoso a ser tomado por um país que acumula recordes de agressões contra as mulheres. Pesquisa divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) nesta segunda-feira revela uma alta histórica de episódios do tipo desde 2017, quando o levantamento começou a ser feito. O mais recente mostra que 37,5% de adolescentes e mulheres a partir dos 16 anos foram vítimas de algum tipo de violência nos últimos 12 meses — 8,6 pontos percentuais acima do resultado de 2023.

São cerca de 21,4 milhões de vítimas de agressões cometidas sem qualquer tipo de constrangimento — visto que 91,8% das entrevistadas relataram que os atos de violência tiveram testemunhas, como amigos, filhos e outros parentes. Apenas 24,5% procuraram uma delegacia e 47,4% se calaram — cenário que indica, no mínimo, uma falta de aproximação entre os órgãos de segurança e as vítimas. Entre também outras potenciais redes de apoio, como vizinhos, colegas de trabalho ou da igreja. 

Elaine foi morta três dias antes de a Lei Maria da Penha completar 10 anos — legislação reconhecida internacionalmente pelo avanço no combate à violência de gênero —, em um momento em que o feminicida pode ser punido com o maior  tempo de reclusão previsto no Código Penal brasileiro, conforme lei sancionada em outubro do ano passado. Ainda assim, os crimes continuam, evidenciando que o enfrentamento à violência de gênero não pode ser exclusivamente punitivo.

 Medidas preventivas e de educação precisam fazer parte de uma política que tenha o propósito de combater as causas estruturais do feminicídio e outras violências do tipo. E devem considerar sobretudo jovens e crianças — que presenciam as agressões, em 27% dos casos, segundo a pesquisa do FBSP, quando também não são alvo de covardes. As novas gerações brasileiras estão crescendo em um ambiente propício à normalização da violência contra a mulher. Não se quebra ciclos sem agir na base.

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