quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Já ganhei aposta com Fux. Por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Ele nunca topou, mas perdeu e não pagou

Luiz Fux é pai generoso. Ministro do STF, fez telefonemas para pedir nomeação de filha-advogada ao TJ-RJ ("É tudo que posso deixar para ela", disse a desembargador, segundo perfil da revista Piauí). Liberou filho-advogado para exercer advocacia de parentes no STF, ramo promissor da prática jurídica atual. Não ensinada nas faculdades, a habilidade exige laço de sangue.

Luiz Fux é colega generoso. Em liminar monocrática de 2014, jamais submetida ao plenário do STF, garantiu aos juízes do Brasil um aumento salarial oficioso por meio de auxílio-moradia ilegal. Cinco anos e bilhões de reais mais tarde, já negociado aumento com o Congresso, revogou a liminar. Sem perguntar ao plenário, sozinho "matou no peito", como fala. Herói da magistocracia.

Luiz Fux é generoso com citações de poesia. Em discurso, não desconfiou que o verso "recomeçar e só uma questão de querer, se você quer, Deus quer" talvez não fosse de Carlos Drummond de Andrade.

Luiz Fux só não é generoso com a clareza e a credibilidade de suas ideias.

Argumento é coisa séria em Estados de direito. A mais séria. É seu insumo, seu lubrificante, seu produto final. Alimenta a vida cívica e a legitimidade dos tribunais. Mas o Estado de direito também pede que os emissores de argumentos, sobretudo juízes, sejam levados a sério, tenham aparência de seriedade. Não é falácia "ad hominem", mas exigência de ética judicial.

Seriedade e aparência de seriedade são virtudes que Luiz Fux se esmera em não cultivar. Por isso, o voto de Fux está nu.

Inútil tentar classificar Fux por tipologias doutrinárias. Inútil perguntar se foi garantista ou punitivista, dicotomia que mais confunde o debate jurídico desde a Lava Jato. Garantista seria o juiz que manda soltar e absolver. Punitivista o que manda prender e condenar. Garantista que prende e punitivista que solta causam curto-circuito no senso comum autômato. Dicotomia que o jornalismo faria bem em abandonar. Melhor ler cada caso para além do resultado e observar variações argumentativas e factuais.

Fux não é punitivista nem garantista, apenas um casuísta. Resolveu deixar isso ainda mais claro no caso criminal mais importante da história nacional. Não é que o Fux de hoje discorde do Fux de ontem ou de amanhã. Fux não concorda nem discorda, apenas salpica ornamento verbal que dê alguma liga, alguma rima.

O voto de Fux não homenageou o direito de dissentir, o valor da divergência ou do pluralismo. Não ofereceu contraponto analítico numa deliberação sincera. Fux já condenou centenas de réus por tentativa de golpe no 8 de Janeiro. Quando julga seus líderes, diz que STF não tem competência.

Chico Anysio não se inspirou em Luiz Fux para inventar Rolando Lero. Dias Gomes não o conheceu para compor Odorico Paraguaçu ou Sinhozinho Malta. Luiz Fux se fez seu próprio autor. Não saiu da ficção, mas se matriculou, voluntariamente, na escola literária de onde saiu Pedro Malasartes. É o mais jurídico que se pode dizer de seu voto.

Em 2020, fiz aposta pública com Fux. Disse que, na presidência, não pautaria uma longa lista de casos delicados à sua agenda. Casos como dos penduricalhos de juízes fluminenses ("fatos funcionais") ou do "juiz de garantias". Jamais pautou e perdeu. Cobrei e jamais pagou.

Luiz Fux não merece ser levado a sério pelo que diz, mas pelo que representa.

 

 

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