- O Estado de S. Paulo
Desde 2008, centros urbanos têm monopolizado concentração de renda em detrimento de áreas rurais nos EUA e Europa
Para Steve Bannon, a maneira de criar uma maioria populista duradoura é combinar forças da esquerda e da direita. É por isso que ele esteve na Itália no início deste ano, onde partidos representando esses dois lados se uniram em uma aliança de governo. É por isso que Bannon espera afastar para longe alguns dos apoiadores de Bernie Sanders do Partido Democrata. Mas o próximo lugar onde podemos estar vendo a ascensão de um novo populismo de esquerda-direita é a França.
Até agora, aos protestos dos “coletes amarelos” na França faltaram partidos, estrutura e lideranças. Mas as listas de demandas estão circulando. Em seu âmago há uma fantasia inviável, como um teto constitucional sobre impostos de 25%, juntamente com um aumento maciço nos gastos sociais. O que chama a atenção nesses manifestos é que eles combinam listas de desejos tradicionais da esquerda e da direita. A revolta dos “coletes amarelos” também se espalhou para a Bélgica, onde a frágil coligação governamental entrou em colapso em virtude da questão da imigração. Mas, novamente, os protestos têm uma sensação de descontentamento generalizado vindo da esquerda e da direita. Assim como na França, Estados Unidos e Reino Unido, parece haver uma reação rural contra as elites urbanas.
A fissura entre os moradores de áreas urbanas com instrução relativamente melhor e as populações rurais menos instruídas parece ter se tornado a nova linha divisória na política ocidental. Em toda parte, os “outsiders” se sentem ignorados ou menosprezados; em todos os lugares eles sentem profundo ressentimento pelas elites metropolitanas. É parte uma questão de classe, parte cultura, mas também há um elemento econômico.
A Brookings Institution demonstrou que, desde a crise financeira de 2008, 72% dos ganhos no emprego se acumularam nas 53 maiores áreas metropolitanas dos EUA. Para compreender a divisão estrutural que isso causa, tenha em mente que todas as cidades americanas contêm 62,7% da população, mas ocupam apenas 3,5% das terras do país.
O Wall Street Journal lembrou que em 1980, as cidades eram desajustadas, oprimidas pelos crimes e lutavam para impedir que as pessoas saíssem. Hoje elas estão prosperando, crescendo e são relativamente seguras, enquanto a América rural está arruinada com problemas. Esse abismo também é verdadeiro na França, Itália, Grã-Bretanha e outros países ocidentais.
E é provável que fique pior. A pesquisa dos economistas Daron Acemoglu e Pascual Restrepo sugere que o uso de robôs de fato reduz o emprego para cerca de seis trabalhadores para uma máquina. Além disso, Acemoglu e Restrepo constataram que, nos EUA, os robôs foram amplamente implantados no Centro-Oeste e no Sul. Embora as áreas metropolitanas geralmente tenham indústrias criativas e de serviços ricas e em crescimento, é bem menor a probabilidade de que a América rural venha a abrigar centros de tecnologia, entretenimento, leis e finanças. Se você for a uma parte rural do Centro-Oeste, normalmente as principais fontes de emprego são governo e saúde.
As pessoas nessas áreas são em geral definidas como irracionais nas urnas. Nos Estados Unidos, elas votam contra os programas que as ajudariam eem um partido que promete cortes de impostos para os ricos e cortes de benefícios para a classe trabalhadora (ou seja, elas). Thomas Edsall, do The New York Times, ressalta que a lei tributária republicana de 2017 essencialmente subsidia empresas para que elas se automatizem. Na Europa, as pessoas adotam propostas contraditórias da esquerda e da direita. Mas isso pode simplesmente refletir uma ansiedade mais generalizada, uma busca cega por alguém, em algum lugar que prometa a elas um futuro melhor.
O livro de Tom Brokaw, de 1998, A Grande Geração, está repleto de histórias de homens sem diploma no ensino superior que viviam longe das grandes cidades. Essa foi a “verdadeira América”. Regiões semelhantes em toda a França já foram chamadas de “La France profonde” (A França profunda). Hoje são lugares de desespero.
No novo livro de Yuval Harari, 21 lições para o século 21, o historiador israelense afirma que as três mais poderosas ideologias do século 20 – fascismo, comunismo e capitalismo democrático – colocam a pessoa comum no centro, prometendo para ele ou para ela um futuro glorioso. Mas hoje, parece que precisamos de um punhado de “crânios” que, com computadores e robôs, traçarão o rumo para o futuro. Assim, na França, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, a pessoa comum, que não tem um pomposo diploma, que não participa das palestras TED por vídeo, que não tem capital ou conexões, vai se perguntar – para onde isso me leva? Para essa pergunta, ninguém tem uma boa resposta.
Tradução de Claudia Bozzo
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