- O Estado de S.Paulo
O consumidor ainda desconfia dos efeitos da abertura de mercado
Quem nunca sonhou com o dia em que conseguiria viajar com passagens aéreas baratíssimas simplesmente garimpando ofertas das várias companhias? Quem não alimentou a ilusão de que a troca de operadoras de celulares daria acesso a vantagens ilimitadas?
Quem não tentou conferir se transferir a conta para outro banco traria tarifas bem mais baixas e remuneração mais atraente para suas aplicações? À exceção de acomodados incorrigíveis, a maioria dos consumidores já considerou essas alternativas – e muitos até decidiram partir para a experiência. Não raras vezes, porém, frustraram-se. Os argumentos invocados para justificar a decepção vão desde “dá muito trabalho e o resultado nem sempre compensa” a “no fundo, todas as empresas são iguais”.
A abertura das companhias aéreas a 100% de capital estrangeiro, decidida no limite do governo Temer, pode ter esse mesmo fim.
Embora a avaliação geral é de que a MP foi precipitada para permitir um reforço de dinheiro externo à Avianca, há poucos dias em recuperação judicial, ela é vista também como um instrumento capaz de aumentar a concorrência no setor, com o estímulo à entrada no País das companhias tipo “baixo custo”. Afinal de contas, quatro empresas brasileiras dividem o mercado doméstico e duas delas, Gol e Latam, são donas de quase 70% – nos mercados internacionais, a Latam, entre as companhias locais, é a que detém a maior fatia.
Que mercados fechados e concentrados são um mal para a economia e para os consumidores, não há a menor dúvida. Basta acompanhar, por exemplo, a resistência dos juros na ponta do crédito, apesar da forte queda da taxa básica, distorção que dez entre dez analistas atribuem ao ambiente de concentração bancária: segundo o Banco Central (BC), mais de 80% dos ativos estão em poder de cinco instituições, o índice mais elevado entre todos os países emergentes. Mais ainda, basta ver o quanto se gastou de energia e recursos públicos, ao longo dos anos 1990 e 2000 para tentar manter em pé a mais do que combalida Varig, “a empresa nacional” de aviação.
É claro que a reação de descrédito dos consumidores é explicada, em parte, por seu natural ceticismo. Difícil encontrar alguém que não demonstre pelo menos uma pontinha de desconfiança em relação aos efeitos práticos da liberdade de mercado sobre preços e/ou qualidade de produtos ou serviços oferecido pelas empresas. Mas não se pode negar que a realidade, no Brasil, tem dado razões de sobra para esse desencanto. Até porque setores com número razoável de “players” caminham para a chamada “consolidação”, empurrados pela necessidade de reduzir custos e aumentar a eficiência. E “consolidação” quer dizer concentração de mercado, com essas vantagens mas também com seus efeitos colaterais. Foi o que aconteceu, por exemplo, na pós-privatização da telefonia celular, hoje nas mãos de praticamente quatro empresas, lideradas pela Vivo, com participação pouco superior a 30%.
Nesse cenário, inclusive medidas adotadas com a finalidade explícita de desengessar o mercado e beneficiar o consumidor acabam caindo no vazio. Especialmente porque falta monitoramento da sua aplicação ou, em outras palavras, falta a ação firme das agências reguladoras.
Criadas no governo FHC com o objetivo de serem os olhos da sociedade para fiscalizar empresas de setores determinados, as agências acabaram se desvirtuando. Ora transformam-se em “cabides” para pendurar aliados do governo de plantão, ora viram abrigo de especialistas “capturados” pelas próprias empresas a serem fiscalizadas – sem contar seu esvaziamento, com cargos vagos por longos períodos, que impediam até o quórum mínimo para as decisões.
No caso das companhias aéreas, são inúmeros os exemplos dessas contradições. O mais recente está ligado à cobrança de tarifas diferenciadas, dependendo da bagagem transportada pelo passageiro.
O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou que a regra “tende a ser favorável” ao consumidor, mas ainda não conseguiu responder se isso já reverteu em redução nos preços das passagens. Na vida real, porém, o que o passageiro percebe é o número cada vez maior de penduricalhos que encarecem as tarifas, como o peso da bagagem, a escolha dos assentos e assim por diante – e isso nas várias companhias que operam no País.
Resistências ideológicas à parte, fica claríssimo que o livre mercado é essencial para favorecer o consumidor, mas precisa funcionar com alguns complementos. Obviamente, não se trata nem de longe de alguma recaída intervencionista, mas de um aperfeiçoamento dos mecanismos de defesa da concorrência. Concorrência para valer.
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