Futuro ministro quer usar reformas e privatizações contra herança de governos que classifica de social-democratas
Marcello Corrêa e Martha Beck | O Globo
BRASÍLIA - O Brasil é prisioneiro de uma armadilha social-democrata de baixo crescimento. Esse diagnóstico tem sido repetido como um mantra pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Para ele, o país cobra muito imposto e gasta demais enquanto a atividade econômica patina. Coma mesma rapidez, Guedes dá o seu receituário para tirar o país dessa condição. Promete reformas que vão dos ajustes na Previdência a um amplo programa de privatizações. No entanto, a agenda tende a enfrentar resistências, sobretudo no Congresso.
Guedes estabelece como centro desse modelo que provoca baixo crescimento o excesso de gastos obrigatórios. Hoje, mais de 90% do Orçamento federal são fixos, destinados principalmente ao pagamento de benefícios previdenciários e folha de pagamentos. Assim, sobra pouco espaço para investimentos públicos.
‘CHOQUE LIBERAL’
Por isso, Guedes costuma associar o discurso sobre a armadilha a debaixo crescimento a outro bordão, este emprestado do ex-presidente Tancredo Neves: “é proibido gastar”.
O futuro ministro também costuma destacar o gasto com a dívida pública. São R$ 400 bilhões por ano. Para isso, recorre a outra figura de linguagem: diz que o Brasil reconstrói uma Europa por ano pagando juros. Segundo ele, aproximadamente o mesmo valor empenhado no Plano Marshall para recuperar o continente após a Segunda Guerra Mundial. O dinheiro das privatizações de estatais é apontado como solução para essa parte do problema.
Outro braço dessa armadilha é a consequência da bola de neve dos gastos: a carga tributária. Segundo a Receita Federal, os impostos representam quase 33% do Produto Interno Bruto (PIB). Na visão de Guedes, o peso dos tributos é resultado de um Estado grande e ineficiente.
Ao classificar esse cenário como “armadilha social-democrata”, Paulo Guedes faz uma crítica aos governos que o precederam. Social-democracia costuma ser associada a governos que preveem uma rede maior de proteção social, como seguro-desemprego, entre outros. É o PSDB que tem social-democracia no nome, mas o recado de Guedes se estende aos governos do MDB e do PT pós-redemocratização. Na visão dele, apesar das trocas de governo nas últimas décadas, ninguém propôs reformas sustentáveis. Daí a expressão armadilha.
Segundo aliados, o que se espera de Guedes e sua equipe é um “choque liberal”. Em entrevista ao GLOBO em agosto, ainda durante a campanha, o futuro ministro explicou como propõe uma abordagem diferente em relação às estatais: — Um social-democrata diz: ‘Eu gosto de estatais. Uma ou outra eu posso vender’. O liberal-democrata diz: ‘Não gosto de estatais, mas deixo algumas’.
SEM DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Há economistas que divergem da leitura de Guedes. Ex-vice-presidente e ex-diretor-executivo do Banco Mundial, Otaviano Canuto, refuta os rótulos de social-democracia e de liberal-democracia usados nos discursos do futuro líder da equipe econômica. Canuto aponta que o Brasil é um exemplo de que esse tipo de classificação é reducionista e não mostra um quadro verdadeiro da realidade do país:
—O Brasil é um país social democrata? Levando em conta a carga tributária e os privilégios dados pelo Estado a algumas categorias, pode até se pensar assim. Mas é um país que não distribui renda de forma efetiva. Quando se olha a área fiscal, o país tem um sistema que é um Robin Hood às avessas. Economista que coordenou o programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, Elena Landau diz que social-democracia é uma definição que economistas de perfil liberal como Guedes gostam de usar para definir governos de esquerda. Mas, assim como Canuto, ela destaca que os dois lados têm pontos em comum:
— Todo mundo é a favor de reforma da Previdência e de abertura comercial.
Ainda não está claro quais serão exatamente as medidas adotadas por Guedes no governo para sair do que ele chama de armadilha. A reforma da Previdência é prioridade, mas ainda não são conhecidos os detalhes de sua proposta e a estratégia para passá-la no Congresso. A venda de estatais é apresentada com um potencial de R$ 800 bilhões, mas há resistência às privatizações da Petrobras e de bancos públicos.
Em outra frente, a equipe de transição analisa uma série de propostas da equipe do atual ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, para reduzir gastos com pessoal. Técnicos da Fazenda prepararam estudos para uma revisão das carreiras do funcionalismo, que deve ser abraçada pelo futuro governo, e restrição de acesso a benefícios como o abono salarial, hoje pago a todos que recebem até dois salários mínimos.
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