Por Eric Sylvers | Dow Jones Newswires | Valor Econômico
MILÃO - Partidos "antiestablishment" ganharam apoio em toda a Europa nos últimos anos atacando as regras de imigração e fiscal da União Europeia (UE). Já um aspecto que chamou menos atenção foi a crescente oposição desses partidos à ortodoxia econômica da UE, que apoia o livre mercado e a concorrência em detrimento da intervenção estatal.
Na Itália, o novo governo antiestablishment articulou a oferta, apresentada pela companhia ferroviária estatal, de compra de participação controladora na companhia aérea Alitalia, permanentemente às voltas com problemas. A Ferrovie dello Stato fez sua oferta, cujas cláusulas não vieram a público, sob a condição de encontrar uma companhia aérea como coinvestidora. Se um acordo for firmado, o governo italiano provavelmente acabará detendo uma participação direta de cerca de 15% na Alitalia e controlará a empresa por meio dessa participação, juntamente com a cota da Ferrovie.
O governo italiano, formado pela Liga, partido de extrema direita, e pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), ideologicamente eclético, quer ainda estatizar empresas de abastecimento de água, criar um banco controlado pelo governo para financiar a economia e aventou a ideia de estatizar as rodovias.
Surgiram ambições semelhantes, refratárias ao mercado, em outros países europeus. Apelos por estatizações vieram da esquerda populista na Espanha e da direita nacionalista na Hungria e na França. O alvo comum desses grupos é o consenso tecnocrático dos partidos tradicionais europeus, de modo geral de centro, de que o continente precisa privatizar, desregulamentar, limitar as proteções sociais, impulsionar a concorrência e permitir o ingresso de capital estrangeiro a fim de crescer.
Essa liberalismo pró-mercado orientou boa parte da política pública da UE nos últimos 25 anos. Mas seu apelo eleitoral, sempre inconstante, sofreu ainda mais devido às cicatrizes da longa crise financeira vivida pela continente.
"A posição da UE em favor do liberalismo econômico foi questionada de tempos em tempos no passado, mas hoje esse movimento está se intensificando", disse Fabrizio Onida, professor emérito de economia internacional da Universidade Bocconi de Milão.
Embora muitos economistas argumentem que o Estado tem relevância em alguns setores econômicos, como na gestão do transporte público e na regulamentação de determinados setores, eles no geral condenam a passagem de empresas para controle estatal.
A Alitalia passou por um período problemático nos últimos dez anos sob o controle de diversos proprietários privados, o que custou aos contribuintes italianos cerca de € 10 bilhões (US$ 11 bilhões), segundo o professor Andrea Giuricin, da Universidade Bicocca, de Milão. No ano passado, a empresa esteve sob risco de liquidação até o governo italiano anterior, de centro-esquerda, dar um empréstimo-ponte de € 900 milhões, para respaldá-la até que os administradores encontrassem um comprador. O novo governo, populista, resolveu que esse comprador deveria ser o próprio Estado italiano.
A Itália já tinha participado antes de tentativas de apoiar a Alitalia. O serviço nacional de correios, a Poste Italiane, foi, por curto período, acionista da companhia aérea no começo desta década, enquanto o governo também deu incentivos financeiros a investidores privados. Mas essas soluções provisórias visavam abrir caminho para que a Alitalia se tornasse uma empresa viável do setor privado. Agora, o governo está focado em um futuro sob controle estatal de fato.
Analistas questionam se a Ferrovie, cujo executivo-chefe foi nomeado pelo novo governo em julho, está em condições de auferir alguma vantagem com a aliança. Um porta-voz da Ferrovie preferiu não comentar a questão.
O controle público de setores essenciais é uma antiga bandeira da esquerda europeia. O partido espanhol Podemos, que teve mais de 20% dos votos na últimas eleições gerais, propõe estatizar setores como energia e telecomunicações.
Mas a renovada investida pela intervenção estatal também abarca a direita nacionalista europeia, que tem longa tradição de desconfiança do livre mercado, da economia de "laissez-faire" e, principalmente, do capital estrangeiro. Para essa direita nacionalista, um forte papel do Estado na economia visa defender a soberania nacional.
A Hungria, governada por Viktor Orban, crítico contundente da UE, voltou-se para as estatizações como parte de sua meta declarada de promover a solidez nacional. Os críticos dizem que esse discurso visa, em parte, acobertar a crescente corrupção de uma nova elite econômica próxima ao premiê. O governo nacionalista da Polônia tem defendido a "repolonização" de bancos por meio da compra, pelo Tesouro, de ações pertencentes a controladores estrangeiros.
Na França, a líder da extrema direita, Marine Le Pen, também quer a estatização de bancos e a imposição de barreiras comerciais.
A estratégia pró-mercado do presidente do país, o centrista Emmanuel Macron, foi posta em xeque, nos últimos 30 dias pelas violentas manifestações de rua que tomaram conta do país.
"Esses apelos por estatizações, uma política que andou fora de moda na Europa devido aos resultados ruins do controle público, são uma maneira de atacar o establishment", disse Michael Plummer, professor de economia e diretor da Faculdade de Estudos Internacionais Avançados da unidade da Universidade Johns Hopkins em Bolonha, na Itália.
Muitos economistas duvidam que as políticas industriais defendidas pelos populistas serão mais eficientes agora do que foram no passado. "A expansão da intervenção estatal na Itália não é um bom prenúncio para um país que teve uma experiência tão triste da gestão estatal de companhias", disse Onida, da Universidade Bocconi.
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