Enfrentamento
da pandemia agora será muito mais difícil
A segunda onda da pandemia no Brasil já é uma realidade. Em São Paulo, segundo revelou a esta coluna o secretário de Fazenda do governo estadual, Henrique Meirelles, o número de internações nas redes hospitalares pública e privada em São Paulo cresceu 18% neste mês. Isso já caracteriza uma retomada forte do contágio da população pelo novo coronavírus. Aparentemente, a faixa da população mais afetada tem sido as classes A e B, mas não surpreenderá ninguém se, em breve, as estatísticas mostrarem o aparecimento massivo de casos de covid-19 também entre as camadas menos favorecidas da população.
O
que é ruim para os Estados Unidos, onde a segunda onda da pandemia tem feito a
nação mais rica do planeta bater recordes seguidos de novos casos por dia e
mortes, não deveria sê-lo para o Brasil, o vice-campeão no desonroso torneio de
quem dá mais vexame nesta crise sanitária. Meirelles afiança que São Paulo
adotou os mais rigorosos protocolos de segurança do país, antes de autorizar o relaxamento
do isolamento social, especialmente, para as empresas interessadas em voltar o
mais rapidamente possível às atividades normais, o que inclui o trabalho
presencial.
A
nova onda, pelo menos em São Paulo, estaria sendo provocada pelo comportamento
das pessoas fora do trabalho, ou seja, na vida privada. De fato, depois de
conviver _ e respeitar, em sua maioria _ as restrições impostas pelo isolamento
social, paulistanos voltaram às ruas para celebrar a vida. O motivo é
justificável, uma vez que o novo coronavírus tem se mostrado muito mais
perigoso do que se dizia no início da pandemia e infectar-se ou não é jogar na
loteria, mas o fato é que aglomerações, em locais abertos e fechados, são vistas
em todos os lugares e não apenas nos bairros boêmios da capital paulista.
O
resultado será trágico tanto em número de perdas de vidas quanto em seus
impactos na economia brasileira, que passa por situação muito delicada, o que
significa que o espaço para minorar os efeitos econômicos de uma nova onda da
crise sanitária é diminuto. A pandemia chegou ao país no momento em que a
situação das contas públicas começava a melhorar, mas ainda estava muito longe
de dobrar o Cabo da Boa Esperança.
Operando
com déficits primários (receitas menos despesas, excluído o gasto com juros da
dívida pública) desde 2014, o setor público consolidado (União, Estados e
municípios) obrigou o Tesouro Nacional a ir ao mercado endividar-se, via
emissão de títulos públicos, para poder pagar as contas. Quando gerava
superávits no conceito primário, o setor público usava os recursos para honrar
os juros da dívida e, se possível, reduzir seu estoque.
O
controle da evolução da dívida não é uma abstração. É um expediente que, levado
a sério, melhora com o tempo a vida de todos os brasileiros. Senão, vejamos:
quanto menor é a dívida de um governo, menor é sua despesa com os juros dessa
dívidas e menor também é o seu custo de rolagem (ver tabela). Isso faz com que
sobre mais dinheiro no orçamento para o Estado usar no que realmente interessa,
numa democracia cujo regime econômico é o livre-mercado: igualar oportunidades
por meio de políticas afirmativas que procurem compensar as distorções sociais
provocadas pelo racismo, da oferta de ensino fundamental público de qualidade e
de saúde universal.
O
Brasil quebrou em 1982, nos anos seguintes centralizou o câmbio, aplicou
calotes no pagamento das dívidas externa e interna, tornando-se um pária no
mercado de crédito internacional. Só recebia dinheiro de instituições
multilaterais de crédito e olhe lá. Sucessivos governos depois, sendo que cada
um deu sua contribuição para melhorar a situação fiscal, obteve, em 2008, o
grau de investimento (o equivalente ao selo de bom pagador) das agências de
classificação de risco.
Antes
de obter o grau de investimento em maio de 2008, registre-se, o país concluiu a
renegociação da dívida externa durante o governo Itamar Franco (1992-1994),
promoveu também a federalização das dívidas dos Estados em 1997 na gestão Fernando
Henrique Cardoso _ uma medida crucial para a consolidação das contas do setor
público e, por que não dizer, para o fechamento de uma das principais fontes
inflacionárias da economia brasileira _ e, no governo Lula, antecipou a
quitação da dívida do país com o Fundo Monetário Internacional.
Aquele
momento teve uma carga simbólica, embora muitos não tenham prestado atenção,
até porque, justiça seja feita, o tsunami da crise mundial deflagrada pouco
menos de um ano antes nos Estados Unidos já se avistava no horizonte. Mas o
fato é que foi justamente a disciplina fiscal dos anos anteriores, consagrada
no grau de investimento obtido em maio de 2008, que deu ao Brasil as condições
de enfrentar bem aquela que é considerada a maior crise da história do capitalismo.
O país sofreu uma recessão técnica (dois trimestres consecutivos de PIB
negativo) e, por causa do espaço para adotar estímulos fiscais, saiu da crise
rapidamente e, no ano seguinte, expandiu-se à taxa de 7,5%, a mais alta em 24
anos.
Tudo isso virou pó em apenas sete anos. De 2008 a 2015, o gasto corrente da União cresceu 50% acima da variação da inflação no período, enquanto as receitas avançaram 17%. O descompasso provocou a explosão da dívida. Desde então, as contas não saíram mais do vermelho. Com a pandemia e a justificável necessidade de o governo conceder estímulos fiscais para ajudar pelo menos uma parte das empresas afetadas pela crise e dar meios de sobrevivência a um universo de 67 milhões de brasileuiros em situação vulnerável, a dívida chegou, em setembro, ao equivalente a 90% do PIB.
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