Oitenta
por cento da madeira que sai da Amazônia é comprada pelo próprio Brasil. Há
muitos anos o Imazon vem acompanhando o destino do que é extraído da floresta,
e a exportação chega no máximo a 20%. Esse é o primeiro erro, mas não o único,
da fala do presidente Bolsonaro ontem na reunião dos Brics. Seu próprio governo
é responsável por ter facilitado a exportação de madeira ilegal ao eliminar
exigências de verificações portuárias. O trabalho da Polícia Federal de
desenvolver tecnologia para identificar a origem da madeira é excelente
notícia, mas ela aumenta a responsabilidade do Brasil, ao contrário do que
imagina Bolsonaro.
A
imensidão amazônica do que o presidente da República desconhece da questão
ambiental e climática se vê nas próprias palavras dele. Na frente dos chefes de
Estado dos Brics ele exibiu seus complexos de perseguição e suas obsessões:
—
Estamos comprometidos no tocante à emissão de carbono, um assunto muito
particular do Brasil, tendo em vista os injustificáveis ataques que nós
sofremos no tocante à nossa região amazônica.
O
Brasil não tem sido atacado. O governo dele é que tem errado completamente na
questão ambiental — entre outras áreas — por não ter entendido o tempo
presente. Um tempo em que o Brasil só tem a ganhar se proteger o patrimônio
ambiental. O que se perde de riqueza para o acúmulo de fortunas de bandidos é
uma enormidade.
Na
sua fala aos governantes da China, Índia, Rússia e África do Sul, Bolsonaro
contou que em breve divulgará os nomes dos países que compram a madeira
retirada ilegalmente da floresta. E o fez como quem tem um grande segredo.
Disse que aí sim “estaremos mostrando que esses países, alguns deles que muito
nos criticam, em parte têm responsabilidade nessa questão”. A primeira coisa
que deveria fazer era se informar.
O
pesquisador do Imazon, Beto Veríssimo, explica para onde vai a madeira:
—
Desde os anos 1990 nós fizemos três grandes levantamentos do setor madeireiro
em um relatório, “Acertando o alvo”, que mostra que em torno de 80% da madeira
produzida na Amazônia é consumida no mercado nacional. O Brasil é um grande
consumidor de madeira tropical e exporta menos de 20% do volume extraído da
Amazônia. Exporta para a Europa e os Estados Unidos. Isso não mudou, fica nessa
proporção de 80 para 20, até menos, porque Europa e Estados Unidos foram
criando mais exigências para verificar a origem da madeira amazônica por
suspeita de ilegalidades.
A
segunda coisa que deveria entender é que se alguns países importam madeira
ilegal é porque o Brasil está falhando em controlar o que se passa em seu
próprio território. Em vez de tentar transferir responsabilidade, o governo
deve coibir a ilegalidade. Se houver certificação de origem para toda madeira
produzida será possível separar o que é produzido legalmente. Assim, o produto
exportado brasileiro poderá ser aceito nos mercados internacionais que estão ficando
cada vez mais exigentes. Se há uma nova tecnologia da Polícia Federal capaz de
atestar o “DNA” da madeira, como disse o presidente, é boa notícia. Isso dará
ferramentas para se controlar o crime aqui dentro.
O
ex-presidente Barack Obama na entrevista aos jornalistas Flávia Barbosa e Pedro
Bial lamentou que o Brasil deixou de ser o líder ambiental que já foi. Quem
acompanhou reuniões internacionais do clima pode atestar o protagonismo do
Brasil e a deferência com que os negociadores brasileiros, diplomatas e
autoridades ambientais eram tratados. Esse poder foi perdido no governo
Bolsonaro. Na última reunião, o ministro brasileiro andou por lá à deriva, e na
delegação foram implantados agentes da Abin.
Com
o patrimônio ambiental que tem, com sua matriz energética, o Brasil não tem
razão alguma para pedir solidariedade à China, Rússia e Índia quando o assunto
for emissão de carbono. Eles são grandes emissores. O Brasil deveria controlar
sua principal fonte de emissão, o desmatamento, e liderar os esforços
internacionais de combate à mudança climática.
Esse é o caminho racional, o mais inteligente a fazer. Não será seguido na atual administração. Bolsonaro deu mais uma demonstração ontem de que não entende em que mundo está, quais são as vantagens do Brasil, e até o que se passa no país que governa.
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